Enfoque
para Perolla

Sons de passos. Ah, sim. Tec, tec, tec, tec... Ritmados, secos, saltos duros e largos sobre a pedra fria... Tec, tec, tec... Aproximam-se, e conforme o som vai se tornando mais alto, mais claro, um sorriso leve brota de meus lábios, é involuntário, é inevitável. Ah, Minerva, bela Minerva, de cabelos negros e olhar forte. Ah, Minerva, minha doce leoa... minha querida, minha tão querida. Quem dera ser 70 anos mais jovem. 50, que fossem. Minha boa Minerva, cuja teimosia me diverte e a sinceridade me encanta. Sua dedicação, fidelidade e carinho não têm igual. Quem dera ser mais que um homem velho. Quem dera. Quem dera ser mais que um professor, um mentor, um amigo. Às vezes me pego olhando pra você... tec, tec, tec... e praguejo internamente, sei que não devo. Não quero estragar tudo. Sua amizade, seu companheirismo, sua presença, iluminaram minha vida durante todos esses anos. Não pense, jamais, que isso não é o bastante, que isso não é maravilhoso. Eu a quero tão bem, Minerva! E a respeito tanto! Por favor, jamais pense o contrário... tec, tec... Toc, toc. Tlec.

— Albus? Com licença.

Eu sorrio, a vejo entrar. Ah, Minerva!... quem dera ter uma chance. Seu sorriso tranquilo enche meu peito de alegria. Sim, papéis, documentos. Você é zelosa com os assuntos da escola. Eu admiro o seu cuidado, seu trabalho exemplar... ao mesmo tempo em que... eu... me esforço para conter minha imaginação. Sei que não devo. Mas às vezes me vêm à mente como seriam... seus ombros... sem todas essas camadas de roupas. Tão discreta, tão elegante. Minha pele sempre desejou tocar a sua. Por vezes, sinto-me mal com esses pensamentos, com esses... desejos... Nosso relacionamento sempre foi tão puro, por que macular isso com as bobagens de um velho?

Ah, mas quem dera poder me aproximar, sentir sua respiração. Quem dera poder sentir sua mão sobre o meu rosto. Seus lábios próximos dos meus... Quem dera...

Discutimos qualquer burocracia, anota algo em um pergaminho, eu confirmo alguns dados, você cita qualquer coisa e depois se afasta, fazendo menção a sair. Meu peito se contrai. Ah, Minerva! Passa mais tempo perto de mim. Não vá. Sorrio de leve, um sorriso desesperançado.

Então você estanca os movimentos. Olha por sobre o pescoço, e quase que posso ver a cena em câmera lenta, como nos filmes trouxas: você sorri ao mesmo tempo em que levanta uma das sobrancelhas, daquele jeito confiante que me faz tremer por dentro. Então me pergunta:

— Posso vê-lo mais tarde?

Eu sorrio. Como não sorrir?

— Uma partida de xadrez, minha cara?

— Estava pensando em algo um pouco... diferente...

Graças a Merlin meu ventre está devidamente escondido detrás da mesa. Talvez sejam os mais de 30 anos sem estar com alguém, ou a lembrança de todos os sonhos que têm me vindo noite após noite, talvez seja a sua voz, o modo como me olha nesse momento, ou mesmo... delírios de um homem velho.

— ...damas? — tento sorrir, enquanto torço desesperadamente para não estar corando.

Você, no entanto, limita-se a sair, dizendo, com um meio-sorriso:

—Até a noite, Albus.

—Até. —respondo, quando você já está longe demais para ouvir. E depois deixo escapar um suspiro longo.

Pelos céus, o que foi isso? Não, não. Rio comigo, encabulado. Como pude imaginar qualquer coisa? O que não deve ter pensado de mim? Velho tolo! Volto meus olhos para a mesa. Você esqueceu um pergaminho. Esqueceu? Ou deixou? Tomo-o em mãos. Diz "Posso ver em seus olhos que sente o mesmo que sinto, Albus, e isso é algo que a mim já não é permitido ignorar. Se dizer com todas as palavras não for o bastante, posso ainda, mesmo debaixo do olhar desses tantos ex-diretores, tomá-lo sobre esta velha mesa. Será preciso?"


Nota: simples e curtinho, eu sei, mas espero que gostem de qualquer forma :-)