Disclaimer: Nada ali me pertence, é todo mundo da JK e td mais, a única coisa que eu ganho escrevendo isso são reviews, e eu ficaria agradecida se elas viessem XD

A música utilizada, que tbm não é minha, é All I need, Within Temptation.

N.A.: Estas, na verdade, são três fics independentes, que eu resolvi postar como uma só, uma trilogia das irmãs Black. Espero que gostem.


Entre o vazio e a escuridão

Eu me tornei um vazio. Na verdade, sempre o fui. A mediana entre os extremos, a amenidade entre as conturbações. A filha do meio, a que não era tão bela ou fria quanto Narcissa, a que não era tão obstinada ou sagaz quanto Bellatrix.

Apenas a pobre Andie de cabelos castanhos lisos e claros, a pobre Andie de olhos cinzentos inexpressivos, a pobre Andie que pertencia a Slytherin, mas se dava melhor com Hufflepuffs, a pobre Andie com quem era fácil de se lidar, a pobre Andie sem extremos, que apenas existia, sem, na verdade, fazer muita diferença.

A pobre Andie que se tornou um vazio maior por ter perdido seu único amor.

A pobre Andie que jamais soube amar.

" I'm dying to catch my breath

(Eu estou me esforçando para recuperar meu fôlego)
Oh why don't I everlearn

(Ah, por que eu nunca aprendo?)
I've lost all my trust,

(Eu perdo toda minha confiança)
though I've surely tried to turn it around

(Embora eu certamente tenha tentado superar isso)"

Sempre me senti uma estranha em minha família. De alguma forma, sempre deslocada. Ser uma Black era um peso que eu sabia não poder suportar desde que era pouco mais que um bebê. Uma família sangue-puro, de bruxos e bruxas fortes e talentosos. Eu era apenas comum. Minhas irmãs floresciam, a beldade loura que era Narcissa, aparentemente gentil e delicada, mas capaz de destruir a alma de alguém com poucas palavras ferinas; a beleza irascível de Bellatrix, cabelos negros lustrosos, olhos brilhantes e uma elegância natural, que transbordava dela, sem o menor esforço. A obstinação delas, sua força, sua beleza, seus sucessos, me causavam inveja e me encorajavam a fechar-me ainda mais em mim mesma, por saber que jamais estaria a sua altura. Jamais seria destaque, e jamais conseguiria me importar o suficiente para, sequer, tentar. Em resumo, jamais mereceria ser uma Black.

Eu sabia disso, sabia que seria cobrada, não pela minha família, onde eu, honestamente, não era cobrada, era apenas admitida, mas por mim. Não havia exigências, pois todos sabiam que elas seriam inúteis. Pobre Andie sem talento para se sobressair, com certeza achará alguma utilidade para si mesma. O sentimento de ser menos, de ser inferior, me dominava desde que aprendi a ter sentimentos, encorajada e enlevada que sempre me deixei ser por autocomiseração. Eu simplesmente não achava que fosse uma pessoa para quem valeria a pena alguém dar atenção. Não cobrava nada de ninguém, brincava com minhas irmãs, obedecia minha mãe, coexistia com todos eles, mas existia apenas em meu mundo, onde eu era sozinha, e não havia comparações. Nele, eu poderia escolher quem eu seria a cada dia e a cada fantasia. Essa fuga me trouxe breves instantes de felicidade durante minha infância e, aos poucos, fui involuntariamente afastando-me de minha família. Não física, mas moralmente. Desenvolvi meus próprios parâmetros e, em meus raciocínios, ainda que infantis, me permitia julgá-los e condená-los pelas decisões que tomavam, e com as quais eu discordava. Fossem as conversas aos cochichos que eu escutava pelo buraco da fechadura do escritório de meu pai, fosse a boneca que Bellatrix me tomava pelo prazer de perturbar a irmã mais nova. Rebelava-me internamente, e os condenava, a todos, sem exceções, por todos os meus pequenos fracassos. Aos poucos, criei a noção de que não era eu quem não merecia ser uma Black. Eram os Black que jamais me mereceriam.

Essa noção tão idílica mudou aos meus onze anos de idade. Quando eu fui para a tão sonhada escola de Magia. Quando eu conheci o único Black pelo qual eu realmente desejei viver.

"Can you still see the heart of me?

(Você ainda pode ver o meu coração?)
All my agony fades away

(Toda minha agonia desaparece)
when you hold me in your embrace"

(quando você me segura em seu abraço)"

Eu fui para Hogwarts com o coração cheio de expectativas. Bellatrix já estudava lá há alguns anos, assim como dois de nossos primos, Sirius e Regulus. O último era um ano mais velho do que eu era, mal os conhecia de vista, de alguns jantares e outros compromissos de família. Sabia que Sirius estava em Gryffindor, um escândalo para os Black, algo que minha mãe havia comentado por semanas, até um jantar onde meu pai fez com ela se calasse com um olhar e um comentário sobre o fato de que não era possível garantir que todas as filhas deles ficariam na tão digna Slytherin. Uma observação dirigida a mim, com toda a certeza. Foi com olhares consternados que meus pais nos deixaram na estação, com nossos malões, temerosos de que eu fosse selecionada para Hufflepuff ou Gryffindor, pelo simples fato de que eu não demonstrava nenhuma ambição ou força de vontade para grandes realizações. A falta de confiança deles em mim era tão grande e tão clara que me fazia quase sorrir.

Depois de uma espera tensa, com o olhar duro de Bellatrix sobre mim, como se me desafiasse a ousar não ser selecionada para a casa certa, pude me sentar à mesa verde e prata e recebi um raro sorriso de aprovação de minha irmã mais velha. Até mesmo naquela época, eu dispensaria o sorriso. Dispensaria até mesmo a casa e o uniforme. A opinião deles não importava, nem nunca importaria. Eu pertencia a mim, e mais ninguém. Conseguia ser feliz sendo solitária, precisar de outra pessoa era fraqueza, e eu não desejava ser fraca. Nunca havia tido alguém que me fizesse companhia, que me apoiasse, ou mesmo condenasse, e devido a isso, jamais havia sentido falta de tal relação. Mal sabia eu que, naquela mesma noite, isso mudaria.

Foi logo depois do banquete, quando Bellatrix formou a fila de alunos de primeiro ano, como era seu dever de monitora, para nos guiar até o Salão Comunal de nossa casa, que tive o primeiro contato com meus dois primos.

Eu apenas olhava as paredes, escadarias e quadros da escola, sem conseguir esconder meu deslumbramento, quando avistei os dois rapazes morenos, cabelos negros, olhos cinzas, parecendo discutir, próximos à saída do Salão Principal. Notei Bellatrix dirigir um sorriso de escárnio para o mais alto deles, um garoto de seus treze anos de idade, e receber um idêntico de volta, parecendo não se importar com o fato de que a autora do sorriso era mais velha do que ele, ou com o distintivo de monitora que ela carregava. Ele olhou impacientemente para o garoto mais novo, uma outra vez, suspirou e simplesmente deu-lhe as costas, fazendo o garoto menor vir em nossa direção, com um olhar contrafeito. Em seu mal-humor, não notou que eu estava em seu caminho e esbarrou em mim, quase me derrubando. Murmurou desculpas desajeitadamente, e quando, finalmente, olhou meu rosto, abriu um sorriso frio, despido de emoção, e cumprimentou-me, apresentando-se como Regulus Black. Cumprimentei-o de volta e seguimos até o Salão conversando sobre minhas impressões de Hogwarts. Ele parecia cordial e educado, foi a primeira vez em que uma pessoa realmente prestou atenção ao que eu dizia. A primeira vez em que realmente admirei os tão comentados olhos cinzas dos Black, a primeira vez em que notei um garoto como algo diferente de mim. A primeira vez em que desejei não ser mais sozinha.

A companhia dele tornou-se uma constante em minha vida nos meses que se seguiram. Nunca havia me sentido tão confortável na presença de alguém. Sentia-me deslocada em Slytherin, como se todos ali soubessem o quão inadequada eu era para usar o uniforme verde e prata. Com ele ao meu lado, no entanto, eu me sentia segura. Ele era um ano mais velho, mas não se importava de conversar com uma caloura; sentávamos em frente à lareira do nosso Salão Comunal sem janelas e apreciávamos a companhia um do outro com uma felicidade infantil por, finalmente, encontrar alguém que nos compreendesse.

Semanas depois que começamos a conviver, eu já julgava compreender o relacionamento dele com o irmão, Sirius. Era uma raiva, profunda e velada, algo que ele lutava para esconder e que guardava apenas para si, mas que era possível notar em seus olhos, a cada vez que os dois se encontravam. Raiva por ver Sirius desprezar ele e o resto de sua família, por ver o irmão mais velho ser o mais irresponsável, raiva por Sirius ter jogado em seus ombros o peso de ter que ser perfeito, sem falhas, para compensar a imensa quantidade destas que ele fazia questão de ostentar.

Dizem que existem muitos motivos para não se amar uma pessoa, mas apenas um para amá-la. Eu e Regulus éramos, na verdade, imagens opostas refletidas em um espelho. Tínhamos visões diametralmente opostas sobre todos os princípios básicos, sobre as pessoas em geral e em particular. E, por isso, nos complementávamos. Eu teria sido a irmã perfeita para Sirius, alguém que aprendi a admirar já nos primeiros dias de escola. Era tão despreocupada com as convenções quanto ele, e admirava a forma desleixada e divertida com que ele levava sua própria vida. Regulus teria sido o irmão perfeito para as minhas das irmãs. Uma pessoa em busca da perfeição em cada ato e que valorizaria cada gesto que elas tinham de uma maneira que eu jamais seria capaz. Tínhamos papéis invertidos na comédia da vida e isso nos atraiu um para o outro como imãs. Tudo poderia ter sido diferente em nossas vidas, se não fosse aquele verão.

Minhas primeiras férias depois de ir para a escola. Retornaria para casa com Bellatrix, para as festas, os jantares, as futilidades das quais eu julgava estar longe. Afinal, eu não faria falta lá, poderia ficar na escola e, então, não seria repreendida por não saber me portar, ou, exatamente por conseguir me portar bem, ser ignorada antes, durante e depois de cada uma das importantes ocasiões que se davam nesta época. Não havia possibilidade, no entanto, de que eu ficasse em Hogwarts e eu arrumei minhas malas, resignada com o fato de que, por mais que eu argumentasse, tinha apenas doze anos e jamais conseguiria vencer uma discussão direta com minha mãe ou meu pai.

Retornar à mansão depois de um período de um ano de liberdade total fez com que eu me sentisse acorrentada àquela situação, como se fosse sufocar. Nunca três meses demorariam mais a passar, em minha opinião. Afastar-me de tudo que já me era tão familiar pareceu provação dura demais para mim e tudo que eu desejava era ser deixada em paz por todos eles. Narcissa que implorava que eu contasse como era Hogwarts, Bellatrix que não cessava de me importunar com pequenos deslizes ou gafes que havia cometido durante meus primeiros dias. Estranhamente, meus pais pareciam, finalmente, notar minha existência. Minha mãe me levou para comprar vestidos novos, apenas nós duas, apesar dos protestos de Narcissa, meu pai até mesmo havia pedido minha opinião sobre algumas coisas sem maior importância, mas, para alguém que havia sido relegada a um terceiro plano, desde muito cedo, toda aquela atenção era intrigante. Diferente do que eu imaginava que sentiria, não estava lisonjeada ou feliz com a atenção deles. Sentia-me curiosa, desconfiada. O que fazia com que eles me tratassem assim, como se, repentinamente, eu fizesse parte da família?

A resposta às minhas questões veio durante um jantar em família, um mês antes de nossas férias acabarem. Todos sentados à mesa, aguardando Bellatrix, que se demorava mais do que nunca ao banho. Eu, impaciente para poder terminar a refeição e retornar ao meu quarto, onde pretendia escrever uma carta ao único amigo que pensava ter. Com muitos minutos de atraso, minha irmã chegou, finalmente, à sala de jantar, carregando um pacote singelo, mas bonito, em suas mãos. Seu olhar transbordava de malícia e, quando ela sorriu diretamente para mim, senti arrepios percorrerem minha espinha. Bella sorrindo daquela maneira jamais havia significado algo de bom para qualquer um, que não ela mesma. Ela me estendeu o embrulho e eu, intrigada, o peguei. Minha mãe nos alertou de que era hora do jantar, qualquer coisa poderia esperar, mas Bella retrucou que aquilo era especial. O tal presente merecia ser aberto à mesa, à vista de todos. Falava, sorria e servia-se de vinho, enquanto os elfos colocavam comida em nossos pratos. Estarrecida pela reação de minha irmã, encarei o pacote em minhas mãos, enquanto meu pai, distraído, comentava que não havia comprado nada com uma embalagem daquelas. Ergui um olhar interrogador para a adolescente morena e ela apenas respondeu, ainda sorrindo, com voz fria, que aquele era o presente que meu amado havia me enviado. Corando violentamente, abri o pacote, ainda sem me dar conta do que ela poderia estar falando. Dentro de uma delicada caixa, havia um bonito colar, simples, uma pequena ninfa como pingente, em um cordão fino de prata. Observei o objeto por alguns instantes, enlevada, até ouvir o riso de escárnio de Bellatrix. Ria e dizia que Regulus era mais bobo do que ela havia imaginado, por perder tempo com uma deslocada como eu. Meus olhos encheram-se de lágrimas e, sem ao menos pedir licença, levantei da mesa e corri para a sala de música de nossa casa, meu único local de paz, o lugar aonde nenhum deles ia, por não apreciarem música. A sala era mantida apenas por questões estéticas, era um local neutro, sem que eles tivessem transferido sua energia perturbadora para lá, e era lá que era meu refúgio, meu esconderijo. Sentei-me ao piano, enquanto lágrimas quentes e indesejadas continuavam a rolar pelo meu rosto. Secava-as com impaciência e tentava conter a raiva por ter sido tão exposta por minha irmã; raiva dela, por ter usado de minha fraqueza; de mim, por ter me deixado abrir para que me ferissem. Lágrimas de frustração por não conseguir ter, nem ao menos uma amizade sincera, sem que usassem isso contra mim.

Ouvi a porta se abrir e minha mãe entrou com passos leves e, pela primeira vez em anos, me abraçou e me aninhou, e eu permiti, por alguns segundo, viver a ilusão de que ela realmente estava ali para me consolar. De fato, uma ilusão. Tão frágil quanto o cristal mais fino, uma mágica tão sensível que se desfez no segundo em que ouvi sua voz. Ela falava, não para me defender contra a maldade de minha irmã, não para apaziguar meus sentimentos infantis de rejeição e inadequação. Ela falava para dizer que, finalmente, eu estava agindo de acordo com o que esperavam de mim. Que, pela primeira vez, tornava-me digna de ser uma Black. Dizia que me aproximar de Regulus seria ótimo para meu futuro e da nossa família. Aprovava minha amizade com tanto entusiasmo quanto meu pai aprovava medidas anti-trouxas e transações comerciais bem sucedidas.

Nunca senti tanto nojo de minha família, de meu sangue e meu nome, quanto naquele momento. Aquela família com a qual eu havia sido amaldiçoada, e que transformava tudo em benefício próprio, aonde os fracos, ou mesmo os comuns, eram desprezados por inadequados, onde uma simples amizade, a única que eu realmente tinha, era transformada em proveito. Minha mãe conseguiu, naquela noite, transformar meu maior conforto em minha maior frustração. Quando pensei que havia me libertado das garras de minha família, por ser inadequada demais, me vi enredada por eles uma vez mais, por ter feito algo espontaneamente.

Naquela noite, me arrependi de minha amizade com Regulus e jurei, infantilmente, jamais falar com ele de novo. Queria distância. Queria desprezo. Queria ser a Black renegada, queria ser a pária entre eles todos. Queria ser rejeitada de forma completa por todos aqueles que me rejeitavam pouco a pouco. E se minha amizade com meu primo era o preço a se pagar, eu pagaria. Ao menos, assim eu pensava.

"Don't tear me down for all I need

(Não me destrua, pois tudo que eu preciso)
Make my heart a better place

(Faça de meu coração um lugar melhor)
Give me something I can believe

(Me dê algo que eu possa acreditar)
Don't tear me down

(Não me destrua)
You've opened the door now, don't let it close

(Você abriu a porta, não a deixe fechar)"

Meu afastamento de Regulus não foi dificultado por ele, muito pelo contrário. Parecia que, durante as férias de verão, ele também havia repensado as proporções de nossa amizade, como o fato de ele estar tão próximo da única das "garotas Black" que não era digna de elogios, como o resto da família. Eu supus que meu primo não quisesse manchar sua imagem de perfeição perante seus pais com minha companhia e, por isso, me fiz contente com nosso afastamento. Ambos cumpríamos nossos objetivos e, por um certo período, eu fui mais uma vez sozinha e fingia não sentir falta da companhia ou das conversas dele. Sozinha eu era forte. Eu pensava que não precisava de ninguém.

O único fato digno de menção, durante meu segundo ano na escola, foi a amizade mais duradoura que tive, durante toda a minha vida. Eu era uma aluna mediana em grande parte das matérias, nada de destaque, nada de fracassos retumbantes, exatamente como em todo o resto de minhas ações. Herbologia, no entanto, era algo que fugia a esta regra. Minha inaptidão para este assunto era gritante e eu, em certa ocasião, recebi uma detenção por pura inépcia. Felizmente, estas aulas eram tidas em conjunto com HufflePuff e eu não fui a única a receber punição por ser incapaz de reenvasar uma mandrágora de forma correta. Ted Tonks foi meu companheiro naquela noite e nos tornamos amigos instantaneamente. O rapaz de cabelos claros, que caíam sobre os olhos, tinha o olhar mais doce que eu jamais havia visto. Ted era gentil, educado, preocupado em ajudar seus amigos e as pessoas de quem gostava. Não media esforços para ser agradável. Ted ria. Ria de tudo, de si mesmo e dos outros, ria de seus fracassos e de seus sucessos, era capaz de superar os mais difíceis obstáculos com um doce sorriso nos lábios e era honesto em cada uma de suas emoções. Para mim, que havia crescido em um mundo onde sorrisos frios, acenos de cabeça e leves esticadas de lábios eram o máximo de cordialidade que se conseguia, ou que era permitido se ter, encontrar alguém tão aberto, tão puro, foi algo que considerei um milagre. Em uma das muitas conversas que tivemos naquele ano, Ted me ensinou a rir. Ted era feliz e, mesmo que eu não quisesse, a felicidade dele me contagiava, e me fazia mais leve também. Havia momentos em que eu quase esquecia quem era e me sentia apenas mais uma garota normal. Eu tentava me convencer que Regulus era apenas um amigo do passado e quase acreditei nisso. Quase.

Minha irmã mais velha, por aquela época, andava com um grupo que todos sabiam serem partidários do bruxo que estava em ascensão. Um homem que parecia frio e disposto a tudo em nome do poder, que se auto denominava Lorde e que começava a espalhar terror por toda a comunidade mágica inglesa. Bellatrix dizia, para quem quisesse ouvir, que o apoiava, e Regulus não demorou a estabelecer amizade com vários deles. Meu coração doía quando os via juntos, mas eu me dizia que deveria esquecer, e assim eu tentei fazer.

Aquelas férias foram ainda piores do que as anteriores. Bellatrix e sua língua ferina haviam delatado a minha amizade com um sangue ruim para meus pais, de modo que recebi uma repreensão tão pesada quando cheguei em casa, que fiquei por duas semanas de castigo em meu próprio quarto, sem sair nem ao menos para as refeições. Mal imaginavam meus pais que isso, para mim, nada mais era que uma imensa recompensa. Detestava a companhia deles, detestava a maneira como eles não pareciam notar que eu existia, a não ser para apontar minhas falhas.

Foram três meses passados em meu refúgio secreto, minha sala de música, que jamais era utilizada para o fim que se propunha, foi onde recebi as cartas camufladas de Ted, e foi lá que, finalmente, tive contato amigável com ao menos uma de minhas irmãs. Cissy me fazia companhia nas tardes de chuva, ou dias muito quentes. Tinha a capacidade de ficar longas horas em silêncio e estabelecemos uma cumplicidade que eu jamais sonhei possível. Ela sabia que as cartas que eu recebia eram de um nascido trouxa, torcia o nariz a cada vez que as via, mas me respeitava e isso fez com que meu respeito por ela crescesse também. Não éramos melhores amigas, jamais seríamos, mas saber que alguém naquela casa tomava conhecimento de minha existência, já me deixava mais leve e tornava os dias mais suportáveis.

O último ano de Bella, e o primeiro ano de Cissy, em Hogwarts, foi marcado pelas conquistas, cada vez mais alarmantes, do tal Lorde. Bellatrix passava pela escola como se soubesse de coisas que nós, meros alunos mortais, desconhecíamos, e por mais de uma vez, a própria Cissy irritou-se com ela. Quanto a mim, minha irmã mais velha apenas me ignorava e, se dizia algo, era apenas para afirmar que algum dia, num futuro não muito distante, eu me arrependeria de ser tão próxima de gente tão baixa. Eu observava Regulus de longe e via, agora mais do que em qualquer outro momento no passado, a raiva dele pelo irmão crescer a proporções absurdas. Era tão velado, no entanto, tão calado, que eu tinha absoluta certeza que ninguém mais percebia. Nem mesmo Sirius. Meu primo crescia em meu conceito a cada dia. Ele e seus inseparáveis amigos pregavam pela escola que as crenças absurdas do tal mago das trevas eram dignas de pena, que eles todos lutariam contra ele, se fosse necessário. Abominavam as artes das trevas nas mesmas proporções que Bellatrix as idolatrava.

Eu observava Regulus de longe e sentia que, de alguma forma, jamais seríamos próximos novamente. Meu coração doía com isso e eu tentava compensar o fato com minha amizade com Ted e minha cumplicidade com Narcissa, mas nada preenchia o vazio que ele havia deixado. Eu tentava ignorar este sentimento e, em grande parte das vezes, obtinha sucesso. As únicas exceções eram quando eu ficava sozinha. Em silêncio. Minha mente pregava peças e eu me permitia sentir saudades da companhia dele e de nossas conversas, do sentimento de estar completa ao lado dele.

Ironicamente, foram graças aos meus problemas em Astronomia que Regulus entrou em minha vida novamente.

Já passava da meia noite, já no fim de outubro, e eu continuava no Salão Comunal, tentando resolver os problemas de um trabalho que deveria ser entregue no dia seguinte. Folhas e mais folhas cheias de cálculos errados transbordavam a minha frente e eu, exasperada, apenas admirava a nova lista de cálculos, nomes e posições que havia acabado de concluir e que, ao menos para mim, não faziam sentido algum. Ouvi passos na escada e, instantes depois, Regulus estava parado ao pé dela, parecendo incrivelmente bonito em seu roupão preto e rosto pálido, destacando os olhos cinzas. Ele veio até minha mesa, sentou-se ao meu lado e pegou o livro de onde eu tirava meus exercícios. Com a maior calma que eu já havia presenciado, ele começou a dissertar sobre meu trabalho e tudo parecia mais fácil quando saído da boca dele. Sem me perguntar se eu queria ajuda, terminou o trabalho comigo em pouco mais de vinte minutos. Ele me desejou boa noite e subiu para seu quarto, enquanto eu subia para o meu. Meu coração estava leve e eu sorria, sem nem ao menos saber o porquê. Regulus estava de volta em minha vida e eu era feliz.

Daquele dia em diante, voltamos a nos falar, não com tanta freqüência quanto antes e, por razões que nenhum de nós jamais esclareceu, apenas quando estávamos a sós. Ninguém sabia de nossa recém reatada amizade e isso cabia a nós dois perfeitamente.

Ele continuava a ser o modelo e filho perfeito, eu continuava a ser o projeto de pária que andava com sangue ruins.

"I'm here on the edge again

(Eu estou aqui na beira de novo)

I wish I could let it go

(Eu queria poder esquecer)

I know that I'm only one step away from turning it around

(Eu sei que eu estou a apenas um passo de superar isso)

Can you still see the heart of me?

(Você ainda pode ver o meu coração?)

All my agony fades away

(Toda minha agonia desaparece)

When you hold me in your embrace

(Quando você me abraça)"

O tempo passa rápido quando estamos felizes e assim aconteceu comigo. Mal meu ano havia começado, já era hora novamente de retornar à casa de meus pais, desta vez com a promessa de que meus dois maiores amigos corresponder-se-iam comigo. A habitual rotina de permanecer sozinha na sala de música já era uma constante em minha vida, embora, desta vez, eu estivesse contente com isso. O próprio ambiente da casa estava mais leve, sem a presença dominante de Bella entre nós. As corujas de Regulus e Ted revezavam-se naquela sala e nossas cartas eram rapidamente respondidas. Os olhos de Cissy brilhavam de divertimento a cada vez que a coruja de nosso primo entrava pela janela e deixava uma carta cair em meu colo. Minha irmã mais nova era perspicaz, mas, para meu benefício, também era discreta.

Voltamos para Hogwarts apenas eu e Cissy daquela vez. Bella havia se formado e morava agora em Londres. Iria ficar noiva de seu namorado de escola, Rodolphus Lestrange, em breve, e parecia ter concretizado seu sonho de tornar-se parte do exército do tal Lorde Voldemort. A maneira como meus pais e todos os de suas relações, exaltavam o poder de tal homem, foi a única coisa que obscureceu o que poderiam ter sido férias felizes. Até mesmo Narcissa arrepiava-se ao ouvir falar dele. Seu nome, agora, já não era mais pronunciado em voz alta, tão grande o temor que ele inspirava. E era uma pessoa assim que era o ídolo de minha própria irmã.

A chegada na escola me trouxe alegrias e aquele teria sido um ano perfeito se não fossem os constantes comentários sobre uma guerra que não demoraria a chegar. O medo tornou-se um companheiro de todos os dias, a antecipação os terrores da guerra tirava meu sono. Com Ted, conversava livremente, concordávamos em todos os pontos e nossos temores eram os mesmos. Com Regulus, jamais toquei em tal assunto. Entre nós, havia apenas Hogwarts, nossas impressões sobre livros, artigos, nossas opiniões sobre as pessoas, havia nossas almas em equilíbrio e nossa razão em desacordo. Nunca falamos sobre a guerra, sobre Voldemort, sobre o fato de que meu melhor amigo era um nascido trouxa e que ele andava com um grupo que prometia engrossar as fileiras do Lorde. Eu evitava essa conversa propositalmente. Não queria saber o que ele pensava, não queria saber suas opiniões. Aquela era a parte da vida de Regulus que eu não faria parte, nunca, por mais tempo que permanecêssemos juntos. O ano passava, as tensões eram crescentes, Regulus preparava-se para os NOM's, Narcissa, com apenas doze anos, havia encantado um rapaz sextanista, Lucius Malfoy, e começado a namorá-lo, com a permissão de nossos pais. Afinal, ele era um sangue puro, de família tradicional.

Nossas férias de verão teriam sido iguais às anteriores, a não ser pelo fato de que a guerra foi abertamente declarada no fim de Junho. O mundo bruxo estava em guerra, nenhum lugar era seguro, se você não tivesse a origem correta. Era o caos que se instaurara em nossa comunidade, os tempos nunca fora mais negros, e minha família comprazia-se com o fato.

A volta a Hogwarts foi um alívio para mim, embora o ano dentro do castelo prometesse ser o mais sombrio de todos. Os rumores dos horrores da guerra circulavam livremente, pais preocupados exigiam que seus filhos escrevessem todos os dias e meu coração dilacerava-se, pela primeira vez em minha vida, de medo. Não por mim, eu era, apesar de não gostar do fato, uma sangue puro, de uma família inteiramente partidária das idéias de Voldemort, mas por Ted e Regulus. O primeiro, por razões óbvias: ele era um nascido trouxa no meio da guerra, era um alvo assim que saísse dos muros do castelo. Ele me assegurava, no entanto, que nada de mal aconteceria com ele, que ele evitaria qualquer lugar perigoso e eu, aos poucos, deixei o pânico inicial esvaecer. Quanto a Regulus, no entanto, jamais consegui me desinquietar.

Durante o verão, Sirius havia fugido da casa dos pais, sem ao menos ter completado a maioridade legal bruxa, e refugiado-se na casa dos Potter, uma família sangue puro, mas traidora do sangue. O escândalo abalou as estruturas emocionais da nossa família, e foi assunto de minha mãe por semanas. Com este fato, a sede de Regulus por tornar-se o melhor e mais perfeito herdeiro já existente parecia ter redobrado e eu temia que ele se juntasse aos então denominados "Comensais da Morte" depois que se formasse. Nunca tive coragem de tocar neste assunto com ele, no entanto. Fazia parte de nossa área restrita e eu respeitaria a decisão que ele tomasse. Afinal, eu nada mais era do que uma amiga.

O Natal chegou e, pela primeira vez em minha vida, desobedeci a uma ordem direta de meus pais, e permaneci em Hogwarts para as festas. Não me apetecia ir para aquela casa que eu abominava, e ter que agüentar jantares e reuniões, onde tudo que se falava era da idolatria em massa a um homem que, na minha opinião, não passava de um lunático. A grande maioria dos alunos, no entanto, mal podia esperar para fazer as malas e voltar para o seio de suas famílias. Pela lotação do trem, imaginei que seria apenas eu, sozinha nas masmorras. Estava enganada. Os pais de meus primos haviam se retirado da Inglaterra, para deixar que o escândalo da fuga de Sirius passasse, e ainda não haviam retornado. No primeiro dia de férias, descobri que seríamos apenas eu e Regulus, por três semanas. Ficávamos nas masmorras e não nos aventurávamos a ir a nenhum outro lugar, que não o salão principal, durante as refeições. Passávamos horas conversando sobre nenhum assunto importante, e estranhos silêncios estabeleciam-se entre nós, e nós não sabíamos como quebrá-los e nem, ao menos, se queríamos que fosse quebrado.

"Don't tear me down for all I need

(Não me destrua, pois tudo que eu preciso)

Make my heart a better place, give something I can believe

(Faça de meu coração um lugar melhor, me dê algo que eu possa acreditar)

Don't tear it down, what's left of me

(Não destrua o que sobrou de mim)

Make my heart a better place

(Faça de meu coração um lugar melhor)"

A manhã do dia de Natal chegou com muita neve e frio, a paisagem branca iluminava os jardins de Hogwarts e eu cheguei ao Salão Comunal para encontrar três presentes à minha espera. Ao que parecia, a minha ausência física na casa de meus pais havia anulado por completo a lembrança da minha existência da mente eles, uma vez que o primeiro pacote que eu abri continha um livro de romances trouxas, dado por Ted, o segundo era um vestido belíssimo, algo que jamais usaria, dado por Cissy, mas a intenção já me fez feliz. O terceiro, era um pacote imaculadamente branco. De dentro dele, retirei uma linda pintura de uma ninfa da floresta. A bela criatura escondia-se entre as árvores da floresta de tinta que habitava e seus longos cabelos, castanhos e lisos, ondulavam ao vento. Fiquei mirando o quadro, fascinada, por longos minutos, e nem mesmo percebi que Regulus aproximava-se de mim pelas costas. Colocou-se muito próximo a mim, e começou a falar sobre as criaturas que tanto o encantavam. Explicou-me que as ninfas eram diretamente ligadas ao elemento a que pertenciam, que não eram imortais, mas que jamais envelheciam, e que havia lendas, até mesmo entre os trouxas, de deuses que haviam se apaixonado por elas, tal era sua beleza e encanto.

A voz dele, tão próxima de mim, causava arrepios em minha nuca. Um som rouco, baixo, que me fez fechar os olhos e ficar apenas a escutá-lo, sem realmente perceber o que ele dizia. Deixei meus sentidos absorverem cada sentimento e o perfume que exalava dele, sue cheiro era amadeirado, seu perfume era exatamente como sua essência, imperceptível se estivesse em meio a outros, inesquecível, se estivesse sozinho. Sutil e marcante, perturbador e discreto. Fechei meus olhos e mal me dei conta de que ele já não falava, mas me observava, com os olhos fixos em meu rosto de olhos fechados. Quando os reabri, encontrei seu olhar e, uma vez mais, tive certeza de éramos reflexos em um espelho. O que eu via em seu olhar não era a costumeira frieza ou astúcia que ele sempre apresentava. Era paixão, na sua forma mais pura. E sabia que ele via em minhas íris cinzas exatamente o que eu via nas dele.

O quadro que eu ainda segurava foi largado, esquecido no chão quando ele me beijou, pela primeira vez. Não era um beijo contido, ou calmo. Era exigente possessivo, era um beijo aberto no qual ele deixou transparecer tudo que ele realmente sentia. Ver a pessoa reservada que ele era, sempre contido e frio, abrir-se para mim, e só para mim, de tal maneira, me deixou estonteante de alegria, e não havia mais nada que eu pudesse fazer, que não me abrir por completo para ele também.

Foi nas masmorras frias e sem janelas da casa de Slytherin, o lugar que eu sempre pensei que detestaria, que eu, pela primeira vez, me senti realmente em casa. Pois eu estava entre os braços de Regulus, e, naquele momento, eu tive certeza de que estava apaixonada por ele, de que eu o amava, e de que aquele era o lugar certo para mim. Ao lado dele, para sempre. E realmente teria ficado. Se ele não fosse um Black, e não representasse tudo que eu queria negar.

O resto das férias foi aproveitado por nós, mais uma vez em frente às lareiras, nosso lugar favorito. Passávamos horas sem nos falar, mas o silêncio já não nos perturbava. Tudo que precisava ser dito, era falado por nossos atos. Nossas almas se completavam e nossa razão foi esquecida.

Quando o período de Natal e festas acabou, e o resto da escola mais uma vez invadiu nosso paraíso, estabelecemos um acordo infantil de não contarmos a ninguém sobre nosso relacionamento. Nossa desculpa tola e frágil era de que tudo que era escondido e secreto era mais divertido, tinha mais graça, durava mais. Eu sabia, no entanto, que ele não desejava expor sua imagem aos danos que um relacionamento com alguém como eu causaria e sempre supus que ele também tinha certeza de que eu jamais assumiria um relacionamento com ele, não quando passara os últimos cinco anos tentando negar que era uma Black e fazendo tudo que podia para me desvincular de todas as imagens que nosso nome provocava. Ambos alcançamos nossos objetivos, nossas visões eram tão acentuadamente opostas que seus extremos se tocavam e conseguíamos chegar aos nosso objetivos tão distintos, usando os mesmos meios. Eu passei a usar o colar que ganhara nas férias de meu primeiro ano, e jurei nunca mais tirá-lo.

A única pessoa a saber de nossa relação foi Ted. Quando lhe contei, foi a única vez que vi uma sombra de tristeza passar por seus olhos e eu, Àquela época, nem imaginei o porquê. Narcissa tinha grandes desconfianças também, ma jamais me procurou para confirmar suas suspeitas, nossa cumplicidade ultrapassava as palavras e ela nos ajudava discretamente, mesmo fingindo não saber que o fazia.

Meus quinto e sexto anos em Hogwarts foram tranqüilos, na medida do possível, já que uma guerra desenrolava-se lá fora. Quando a formatura de Regulus chegou, eu fiquei mais triste do que imaginei que seria humanamente possível. Era nosso grande teste, afinal. No dia de nossa partida de volta para casa, ele me jurou que eu era a mulher da vida dele. Havia sido sua primeira e seria sua única. Ele imaginava que as lágrimas em meus olhos eram de saudade antecipada pela nossa separação. Algumas delas realmente eram, as outras, em sua maioria, eram porque eu o estava perdendo. Havia partes da vida dele que eu sabia que jamais acessaria, e agora eu o perdia para todas elas. Eu o perdia para o mundo, para a guerra e, meu coração dizia, para Voldemort.

Meu último ano de escola foi, ao que me lembro, vazio. Eu sentia saudade de Regulus como se ele fosse uma parte de mim mesma que eu houvesse deixado para trás. A ausência dele doía e eu sangrava. Foi naquela época que desenvolvi o terrível hábito de passar noites e mais noites acordada, sem saber o que pensar e sem conseguir dormir ou descansar. Queria saber onde ele estava, o que estaria fazendo, mas em suas cartas tudo que ele reafirmava, com cada vez mais veemência, era que quando eu me formasse e aquela guerra acabasse, nós ficaríamos juntos para sempre, que ele me amava mais do que qualquer outra coisa. Havia tanto medo por trás daquelas palavras, tanto desespero em me reassegurar do amor dele, que eu não podia evitar sentir que ele, onde quer que estivesse, estava sofrendo mais do que nunca.

Nos vimos uma única vez, durante todo aquele período letivo, uma visita a Hogsmead, próximo à Páscoa. Escondidos às margens da pequena vila, eu corri para os braços dele, e foi com a sensação de ter meu coração despedaçado, que vi tatuada a fogo em seu pulso a marca negra, símbolo dos mais fiéis seguidores de Voldemort. Eu soube, antes mesmo que ele me contasse, que havia sido com a ajuda de Bellatrix que ele havia conseguido penetrar tão fundo nos círculos do Lorde. Minha própria irmã havia assinado a sentença de morte do homem que eu amava, e eu tinha certeza de que ela ficaria imensamente satisfeita com isso, se soubesse do fato.

Minha insônia apenas piorava conforme o ano passava. Ted preocupava-se comigo, assim como Narcissa. Eu ficava mais pálida e insone a cada dia e nada aliviaria o peso eterno que habitava meu coração.

"I tried many times, but nothing was real

(Eu tentei muitas vezes, mas nada era real)

Make it fade away, don't break me down

(Faça desaparecer, não me destrua)

I want to believe that this is for real

(Eu quero acreditar que isso é real)

Save from my fear, don't tear me down

(Salve-me de meu medo, não me destrua)

Don't tear me down for all I need

(Não me destrua, pois tudo que eu preciso)

Make my heart a better palce

(Faça de meu coração um lugar melhor)

Don't tear me down for all I need

(Não me destrua, pois tudo que eu preciso)

Make my heart a better place, give something I can believe

(Faça de meu coração um lugar melhor, me dê algo que eu possa acreditar)"

Depois de minha formatura, eu não tive outra opção que não voltar para a casa de meus pais. Aquela época de guerras, não era seguro para eu ficar sozinha e eu me vi presa, uma vez mais, naquele lugar de onde tentava, desde que podia me lembrar, escapar.Por semanas, eu tive mais notícias sobre a maldita guerra do que jamais havia desejado. A união de Regulus aos Comensais era motivo de orgulho para seus pais e Bellatrix aparecia algumas vezes, para visitar nossos pais e vangloriar-se do fato de que era uma das favoritas de seu Lorde. As cartas de meu primo continuavam vazias de informações sobre o que ele fazia ou como estava, e cada vez menos freqüentes, porém, mais longas. Foi com certa dose de surpresa que recebi um bilhete curto e quase incoerente dele, pedindo que eu fosse, imediatamente, até o lugar onde ele agora residia, em Londres. A falta de qualquer informação adicional ou mesmo de alguma frase explicativa na nota me deixou mais nervosa do que uma longa explicação teria feito, e, pela primeira vez, desde que consegui me lembrar, fiquei feliz com o fato de que meus pais jamais sabiam se eu estava viva ou morta, contanto que eu não os importunasse. Afinal, eles não tinham tempo a perder com a filha sem talento.

Quando cheguei ao pequeno e mal iluminado apartamento, fui recebida com um beijo sôfrego e um abraço que parecia querer sugar minha alma. Regulus estava pálido, mais magro, e em seu olhar havia tanto medo, tanto sofrimento, que não me pareceu possível que alguém conseguisse sobreviver daquela maneira. A presença dele dispensava palavras e eu me deixei ficar em seus braços, enquanto via lágrimas escorrendo pelo rosto que eu tanto adorava. Eu o via desmoronar e, uma vez mais, não havia nada que eu pudesse fazer. Ele não quis me dizer o que estava fazendo, na única vez em que perguntei, mas eu sentia, misturada a essência que ele sempre exalava, cheiro de sangue, e eu temi pelo homem que eu amava. Ele não nascera para aquela vida. Ele era frio, calculista, inteligente e sagaz, mas não era um assassino, ele não era como minha irmã.

Eu permaneci no apartamento dele por aquela noite toda e nós mal nos falamos. A presença dele, tão próxima a mim, dispensava qualquer palavra. Na manhã seguinte, quando eu acordei, ele já não estava lá. Mais uma vez, apenas uma carta, onde ele dizia que tinha tarefas a cumprir, mas que me amava, que eu era única e sempre seria.

Voltei ao meu quarto horas depois, e minha insônia nunca foi pior do que naquelas primeiras duas semanas depois de nosso reencontro. O único conforto que eu encontrava era desabafar nas longas cartas que escrevia a Ted, e nas suas respostas sempre animadoras, ainda que vazias de esperanças. Fui algumas vezes a Londres visitar meu grande amigo, que agora trabalhava em uma loja de poções, e sempre voltava dessas visitas um pouco melhor, mas minha pseudo-alegria não durava mais do que cinco minutos dentro daquela casa para onde eu sempre tinha de retornar.

Aos poucos, meus hábitos mudaram. A insônia deu lugar a uma sonolência quase incontrolável. Eu, que passava noites e noites em claro, agora dormia tardes inteiras, sentada na poltrona da minha sala de música. Enjôos tornaram-se uma constante e, pouco mais de um mês depois, eu me de conta do óbvio. Eu estava grávida.

O sentimento que me dominou foi uma fusão de alegria avassaladora e medo incontrolável. O que seria de uma criança nascida de pessoas como eu e Regulus? Eu tinha medo de que ele quisesse criá-la como havia sido criado, que decidisse transformá-la em sua concretização de Black perfeita, uma criança duplamente pura, puramente Black.

Meus medos se provaram infundados, no entanto, assim que consegui contar a notícia a Regulus. Eu enviei uma carta dizendo que precisava vê-lo com urgência e ele apareceu em minha própria casa durante a tarde. Foi em meu refúgio que lhe dei a notícia e eu vi ele sorrir genuinamente pela única vez em sua vida, durante todo o tempo em que o conheci. Ele me abraçou e me jurou que sairíamos da Inglaterra. Ele não queria ter uma filha em meio àquela loucura. Prometeu-me que fugiríamos, se fosse necessário, e eu percebi alívio também em suas palavras, além de felicidade. Ele também queria sair dali, ele também não agüentava mais a própria vida que levava. Eu descobri naquele momento que não éramos tão opostos quanto parecíamos.

Durante horas ele divagou sobre o futuro de nossa filha, insistia que seria uma menina, me fez jurar que colocaria o nome da criança de Ninfadora, em homenagem às suas adoradas ninfas e me confessou que o motivo de gostar tanto delas, era que eu sempre havia lhe lembrado uma.

Foi com o coração mais leve que o vi partir. Partir para sempre, para nuca mais voltar. Servir ao lorde das Trevas era algo para a vida toda, não havia escapatória. Os planos de fuga de Regulus foram descobertos e ele foi morto a sangue frio, não houve desculpas que demovessem Voldemort de sua decisão. Ele não perdoava, pois não sabia amar.

Quem me deu a notícia foi a própria Bellatrix que, de alguma maneira, soube que o primo planejava fugir e tentou adverti-lo do perigo de sua ação. Regulus não quis escutá-la, dizia que tinha motivos importantes e vitais para querer sair daquela guerra. Pela primeira vez, eu pude realmente comprovar que minha irmã era humana. Ela chorou pela morte dele, e se culpou, ainda que pouco, por ser indiretamente responsável por tudo que aconteceu.

A tristeza dela, no entanto, não me comoveu. A minha era muito maior. Era tão intensa, na verdade, que eu mal tinha forças para me mover. Queria sumir e desaparecer da face da terra. Eu estava vazia, por não ter conseguido proteger a pessoa que eu mais amava neste mundo. Estava vazia porque havia amado e, naqueles dias que se seguiram à morte de Regulus, eu tive certeza de que o amor realmente nos enfraquece, afinal.

A única coisa que me tirou de meu torpor foi a criança que começou a se mexer dentro de meu ventre. Meu medo de que ela se tornasse como Regulus ou Bellatrix, ou mesmo como eu, quando crescesse. Qual seria o destino da menina que cresceria dentro das duas mansões Black? Uma criança de sangue puro, uma criança criada nos meio da guerra? Eu não queria aquele futuro para minha filha. E foi por isso que escrevi a Ted, aproveitando-me do sentimento que eu sabia que ele nutria por mim.

Mal ficou sabendo da situação, ele me pediu em casamento e, três dias depois do envio de minha carta, eu fugia da casa dos meus pais, para casar-me com um sangue ruim. Finalmente eu era o que sempre havia sonhado ser. A Black renegada, a que fora riscada das árvores genealógicas da família, a que era amiga dos sangue ruins, a que jamais seria mencionada às gerações futuras. Mal sabiam eles que eu era a Black que carregava a continuação mais pura de sua linhagem.

Meu casamento se deu entre eu, Ted e duas testemunhas, homens que eram chefes dele, na loja onde trabalhava. Eu nem ao menos usei um vestido de noiva. Casei-me com o vestido que Cissy havia me dado, e não me lembro de ter conseguido dar um único sorriso durante toda a cerimônia. Por toda a minha gravidez, Ted foi meu porto seguro. A pessoa que estava ao meu lado nas noites insones, que cuidava de mim quando eu passava mal, que suportou minhas crises e minha apatia, por quase nove meses.

Eu me sentia oca, vazia e sem razão para viver. Minha tristeza era tão intensa que eu pensava, por vezes, conseguir vê-la, pairando a meu lado.

"Don't tear it down, what's left of me

(não me destrua, o que sobrou de mim)

Make my heart a beter place

(Faça de meu coração um lugar melhor)

Make my heart a better place.

(Faça de meu coração um lugar melhor)"

Foi no nascimento de minha filha, uma menina, exatamente como Regulus havia previsto, que eu reencontrei forças para sobreviver. Ver o rosto dela, tão pequena e delicada, adormecida, me fez querer transformar o pequeno apartamento em que morávamos em um lar. Fez com que eu quisesse ver Ted feliz, fez com que eu acordasse, finalmente, do limbo onde eu havia estado.

Minha pequena Ninfadora dorme agora, no berço. Uma menina tão especial, portadora de um dom tão raro, que seria, certamente, idolatrada em minha família. Enquanto ela ressona, ou faz pequenos movimentos ou leves espirros, vejo traços de seu rosto se modificarem, e eu sorrio.

A mais pura das Black jamais saberá que seu pai fora um Comensal. A mais pura das Black terá certeza, durante toda a vida, de que é filha de um nascido trouxa. A mais pura das Black será uma criança amada que não terá peso algum sobre seus ombros e nem expectativas a serem correspondidas. E isso diminui, quase completamente, o meu vazio. Tenho ao meu lado um homem que me ama, e minha afeição e carinho por ele beiram, também, o amor. Meus planos e sonhos foram concretizados, eu não tenho mais cobranças, sou apenas Andrômeda Tonks, uma mulher mais feliz e despreocupada do que jamais sonhei que poderia ser.

A mágoa e a dor que ainda habitam meu coração permanecem escondidas e só ressurgem em minhas noites insones, quando as lembranças de tudo que vivi ao lado do único homem por quem fui verdadeiramente apaixonada ressurgem e me dão a mesma sensação de desamparo que eu senti quando soube de sua morte. São nesses momentos, entre o vazio da presença dele, e a escuridão de minha alma, por saber que jamais irei vê-lo novamente, que eu fraquejo. Mas tenho minha pequena ninfa, que segura o pingente que seu pai me deu, enquanto dorme em meus braços, para trazer-me de volta.

Porque minha filha, a mais pura das Black, a minha Ninfadora Tonks, será, simplesmente, uma criança feliz. E isso, por si só, já me basta.


N/a: Valeu Agy, pela betagem (eu amo os comentários! ahuahuah), Buh pelo apoio moral e pelos itens e temas lindos! () Angelina pela capa que me fez ficar cinco minutos de boca aberta e Sweet e Becky por terem me agüentado horas naquelas de "Isso não está doido demais? Cansativo demais?" Bjs meninas!!!

By the way... a próxima fic é a da Bella. Sabe que eu posto bem mais rápido quando existem reviews na caixinha. XD

R E V I E W !