Prólogo
Ela não entendia direito o que estava acontecendo. A neve caía forte, e ela se encolheu mais do que podia no casaco já bastante surrado, e quase incapaz de aquecer. Nunca tivera muitas coisas, mas antes, nunca passara tanto frio quanto agora. Mas ela sabia, como qualquer criança de nove anos era capaz de compreender, que havia algo de muito errado ali.
O que exatamente, era o difícil de definir. A voz de sua mãe gritando desesperada não saía da sua cabeça, o nervosismo de seus irmãos, a preocupação de seu pai. Os Granger, família que estava morando com eles em segredo, sendo brutalmente atirados no chão. Homens os levando, sua família, Mione e os pais dela; ela viu seu irmão mais velho, Bill, receber um tiro e cair sangrado. A casa em chamas. No final, restara apenas ela.
Claro, tudo isso e uma palavra que aqueles homens gritavam, confundindo-a e assustando-a: "kommunits".
As lágrimas caíam quentes pelo seu rosto. Era única a sensação de calor que ela tinha no momento. Mas doía. Ela preferia mil vezes sentir apenas o vento gelado nas suas bochechas. Porque algo de muito ruim acontecera. Ela não podia voltar mais para casa, porque o fogo consumira tudo. Ela não podia mais abraçar seus pais, seus irmãos, ou brincar com Mione, porque estava sozinha. E sabia disso.
Porque agora, ela só conseguia encarar, imóvel, as paredes do quarto do orfanato.
Não se lembrava de como fora parar ali. Suas últimas recordações remetiam aos gritos, as chamas, a dor. Depois, tudo era um vazio, tudo era escuridão. Sabia que acordara naquele lugar horrível, e eles disseram-lhe que ela não podia mais voltar para casa. Porque ela não tinha mais casa. Dali por diante, aquele seria seu lar.
