Não estava tarde, mas Julia Hunter não tinha a menor vontade de sair do quarto do hotel; preferia ficar ali, deitada na cama, mexendo no computador, assistindo televisão, qualquer coisa. Diferente das garotas com quem convivia, ela não era muito chegada em sair para algum point popular, se embebedar e ficar com qualquer cara que conhecia durante à noite: o silêncio da sua própria companhia era suficiente.
Mas Dana continuava a insistir com aquele sotaque inglês irritante, contradizendo toda a ideologia de vida de Julia:
- Ah, por favor, Julia. Nós temos que aproveitar enquanto você ainda está aqui em Londres. Por favor – ela implorou agora –, eu marquei de me encontrar um amigo em uma lanchonete.
- Você pode ir sem mim, sem problemas. Eu não fico chateada – Julia disse, esbaldando indiferença.
- Certo, mas eu fico chateada! E se ele não aparecer? Eu detesto chegar sozinha, e não conseguiria suportar levar um fora e continuar sem companhia.
Julia revirou os olhos, vencida:
- Ótimo. Então eu vou. Mas só pra você calar a boca.
Dana bateu palmas e correu para o banheiro para se aprontar. Enquanto isso, Julia vestiu uma calça jeans e uma blusa de super-heróis, e depois sobrepondo tudo com uma jaqueta de couro para barrar o frio de Londres. Algum - bom - tempo depois, Dana abriu a porta tão espalhafatosamente que fez Julia borrar o rímel. Quando viu a amiga, esta piscou os olhos e riu silenciosamente, mas preferiu não comentar, afinal, cada um tem seu estilo: mas aquele vestido curtíssimo e o salto branco com certeza não faziam parte do ideal de moda de Julia.
- Gostou? – Dana perguntou, entusiasmada.
- Você está linda – Julia mentiu. – Nem parece que vai se encontrar com um amigo, não?
Dana deu umas risadinhas irritantes e a puxou pelo pulso através da porta. Desceram o elevador e deixaram a chave do quarto na portaria do hotel. Dana correu pela entrada do prédio para conseguir pegar um táxi que corria pela rua, fazendo com que, durante o caminho para a tal lanchonete, Julia imaginasse como a amiga conseguia correr com aquele salto, quando ela mal conseguia dar meros dois passos com um sapato daqueles.
O taxista dirigiu por entre várias e várias ruas, antes de finalmente parar em frente do local onde Dana havia ordenado. Julia foi a primeira a saltar, e deu uma boa olhada na lanchonete. O local, na verdade, mais parecia uma boate, pois era escuro e a música um tanto alta invadiu os ouvidos das garotas logo ao abrirem a porta.
- Não é legal? – Dana exclamou, as sobrancelhas arqueadas. Então seus olhos se arregalaram e abriu um sorriso enorme e brilhante. – Ah, ali ele! Ben!
Um garoto que dançava perto de um grupo de amigos se virou ao escutar o nome. Tinha cabelos marrons e vestia-se um tanto arrumado demais comparado aos que o acompanhavam. Pareceu ficar animado ao vê-las.
- Olá, Dana. Tudo bom? Quem é a sua amiga? – Ele ergueu uma das sobrancelhas.
- Tudo ótimo! Esta é a Julia, ela tá passando uns tempos por aqui.
- Prazer, Julia – ele apertou sua mão, pomposamente.
- Prazer.
Ben e Dana então saíram animados para a pista de dança, deixando-a sozinha. Sem saber muito o que fazer, ela foi até o balcão, pediu um chá gelado e ficou mexendo no celular, mas logo depois eles voltaram, envergonhados.
- Ah, desculpa por ter te deixado sozinha – Dana disse, parecendo envergonhada. – Não se preocupe, o Ben vai te apresentar um amigo.
E segundos depois ele apareceu, trazendo consigo um garoto aparentando a mesma idade de todos eles: uns dezesseis anos. Vestia uma camisa de banda punk, jeans surrado, all star vermelho e o mais chocante de seu visual: um moicano verde, que realçava a cor de seus olhos, do mesmo tom do cabelo. Vinha resmungando enquanto era puxado:
- Eu to conversando com os caras lá. Ah, fala sério.
- Ei, tudo bem – Julia sorriu, completamente constrangida. – Eu posso me cuidar sozinha sem problemas e...
De repente seu olhar encontrou o do garoto e eles se encararam por alguns momentos. Depois disso, ela sorriu, e os olhos do garoto brilharam. Dana soltou outras daquelas risadinhas, segurou a mão de Ben e os dois voltaram correndo para a pista de dança.
Julia e o garoto ficaram mais alguns segundos se olhando antes de um dos dois finalmente ter a decência de falar alguma coisa. O garoto abriu a boca e disse:
- Oi, eu... eu sou o Duncan – ele se apresentou. Duncan era um nome forte. Combinava totalmente com ele, Julia pensou. Ela sorriu e permaneceu em silêncio, contemplando-o. – Ahn... e você é...?
- Ah! – Ela corou. – Eu sou a Julia. – Duncan abriu um sorriso e ela ficou paralisada novamente. – E... E aí? Você é daqui de Londres mesmo?
- Eu? Nem, sou do Canadá, vim aqui pra...
De repente a música aumentou estrondosamente de volume, e a letra de uma canção pop que estava na moda passou-se a tocar, enchendo cada espaço do salão e fazendo várias garotas gritarem. Duncan e Julia reviraram os olhos e falaram ao mesmo tempo:
- Sinceramente...
Eles se encararam e riram novamente.
- Canadá, então, ahn? Muito legal, eu já fui para o Canadá.
- Você acha? Eu acho um tédio – ele suspirou e puxou duas cadeiras próximas para eles se sentarem. – Mas e você, é da onde? Grã-Bretanha?
- Não, não – ela riu. – Eu sou dos Estados Unidos. Long Island. Acho que é ainda mais chato que o Canadá.
Duncan arqueou as sobrancelhas e desatou a rir. Então começaram a conversar sobre música e outros assuntos mundanos. Tinham bastante coisa em comum, como descobriram ao longo da conversa. Ele, na verdade, também estava entediado antes de Julia chegar, pois Ben o obrigara a ir para o pseudo-encontro de amigos, e ainda tivera de ouvir por algum tempo sobre Dana. Então, quando a seção pop terminou o DJ – que não tinha muita coisa na cabeça, pelo o que eles concluíram – resolveu colocar para tocar um CD tecno, Duncan sugeriu que eles saíssem dali para conversar.
- Para mim está ótimo, mas e a Dana e o Ben?
- Ah, eles nem vão notar que a gente sumiu. Vem logo.
Ele a levantou pela mão e, quando suas mãos se apertaram, os dois paralisaram, como no momento em que cruzaram os olhares. Então os dois coraram e eles se soltaram; cada um foi pagar sua conta, nenhuma das duas longa, pois Julia só havia pedido o chá gelado e Duncan uma coca-cola, e saíram juntos para a rua.
Bem na saída da lanchonete, uma garota parou em frente de Duncan sem nem perceber a presença de Julia, encostando um braço na parede, de modo que separava Duncan de Julia. A garota deixou seu rosto bem perto do de Duncan e sussurrou seu nome, que era Adriana, deixando os dois notarem seu nítido bafo alcóolico. Ela puxou a gola dele e, quando seus lábios iam se encostar e Julia começou a se sentir uma completa vela, Duncan começou a rir desesperadamente. Adriana pareceu surpresa; bufou e saiu dali, humilhada. Julia arqueou as sobrancelhas para Duncan, que evitou o olhar e simplesmente abriu a porta. No mesmo momento o vento frio da noite entrou em contato com seus rostos e eles estremeceram.
- Ah, por favor, você é do Canadá. Lá é muito mais frio que aqui – Julia disse, os lábios tremendo e apertando os braços contra o corpo.
- E desde quando isso me impede de sentir frio?
Os dois andaram sem rumo por ruas e vielas de Londres, sentindo frio e conversando. Ocasionalmente Duncan pulava em cima de poças d'água para molhar a menina, que mostrava a língua para ele e ria. Na quinta vez em que ele fez isso, ela suspirou, cansada de se molhar naquele frio.
- Você é um delinquente sabia?
Duncan ergueu as sobrancelhas e disse calmamente:
- É, eu sei disso, já fugi do reformatório.
- É o quê? – ela exclamou e depois começou a rir. – Eu deveria ficar com medo?
- Hilário. Muitas pessoas ficariam com medo de andar com um fugitivo delinquente por ruas vazias às três horas da madrugada.
Julia parou de repente.
- Espera. Três da madrugada? Já está tão tarde assim? – Duncan afirmou com a cabeça. – E como é que eu vou voltar para o hotel? Não há táxis circulando por aqui à essa hora. Aliás, onde a gente está?
- Sei lá, eu não sou daqui, nem você. Enfim, qualquer coisa a gente liga pra alguém. Lembra que existe celular atualmente? Se perder antes da invenção dessas coisinhas – ele balançou o celular em suas mãos – devia ser horrível. Ah, a gente ainda tem a noite inteira, por favor.
Julia concordou e eles continuaram a caminhar, se embrenhando cada vez mais naquele labirinto de ruazinhas. Numa viela particularmente agradável, Julia começou a andar sobre o meio fio, quando de repente tropeçou no próprio pé e foi em direção do chão. Só não caiu porque Duncan a segurou pela cintura, mas de mau jeito, e acabou que os dois caíram sobre o asfalto liso e frio da rua, um próximo ao outro
- Epa – Julie disse, olhando fundo nos olhos dele, que estavam tão perto dos seus. Ele fez menção de avançar um pouco mais, mas ela afastou o rosto, fingindo não perceber a tentativa dele. Se levantou e o puxou. – Eu sou uma desastrada mesmo.
- Que nada, está tudo bem.
Depois do incidente, desistiram de continuar andando, pois já estavam cansados demais, além de estarem com muito frio, e decidiram sentarem-se encostados em um dos prédios da rua e conversando. Quando Julia bocejou pela primeira vez, Duncan sugeriu uma partida de jogo de 21 perguntas. Ele começou perguntando:
- Estilo de filme preferido?
- Terror e ação – Duncan arqueou as sobrancelhas. – Heróis são ótimos. Certo, por que dispensou aquela garota lá na lanchonete?
- Eu não sei... Não queria ficar com uma fãzinha de Justin Bieber, talvez? E... eu acho que tinha uma garota mais legal pra ficar.
Ela virou rapidamente para Duncan, mas ele permanecia totalmente calmo, como se nem tivesse feito uma indireta bem clara para ela. Julia engoliu em seco, um pouco nervosa. Duncan suspirou e continuou com o jogo:
- Bem, próxima pergunta: como você conheceu a Dana?
- A gente se conheceu por internet, aí eu viajei para cá e ela veio me ver no hotel. Hum... frio ou calor?
- Frio. Mas eu prefiro frio com casaco.
Riram um pouco, sentindo-se congelados até a alma. Duncan se aproximou mais dela, e ela estremeceu. De frio, é claro.
Ele olhou para a garota, toda encolhida, e disse:
- Nós estamos parecendo mendigos, cara.
Ela desatou a rir desesperadamente. Duncan, um tanto corado, sugeriu que eles ficassem mais próximos. Julia aceitou, e deixou que os braços dele a envolvessem sem discordar; porém muito vermelha. Alguns segundos depois os dois já estavam dormindo, um encostado no ombro do outro.
