Parte I – 6º Ano
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Aquele Em Que O Coelho Sai Da Toca
(ou "Perda")
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You can't undo loss. You can't unmake a mistake.
(Não se pode desfazer a perda. Não se pode desfazer um erro.)*
- Gayle Forman
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"Querida Lily,
Eu sei que as coisas devem estar tão horríveis quanto penso que estão — e você conhece minha tendência para o drama — mas, por favor, não faça nada estúpido. E com isso eu quero dizer: não se mate.
E não revire os olhos assim, como sei que está fazendo agora!, Você sabe que não quero dizer literalmente, - você não é do tipo que se suicidaria. Eu quero dizer figurativamente. Não pare de viver. Ultimamente suas cartas estão tão rasas e vazias quanto seu prato nas últimas semanas do ano letivo (por favor, volte a comer como uma pessoa normal. Já não basta ficar deprimida, você ainda tem que passar fome?) e eu sei que você as escreve só parcialmente de coração. Seria legal se você mostrasse interesse em alguma outra coisa além da sua própria infelicidade."
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Lily suspirou e afundou mais nos travesseiros. Ela sabia que não podia culpar Marlene por soar meio ríspida e que estava sendo uma babaca egoísta desde os N.O.M.S e, mesmo que tivesse um bom motivo para seu comportamento horrível, sabia que tudo tinha limite e que Lene aguentaria só até certo ponto.
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"Realmente espero que ainda nos considere amigas uma vez que você tem sido... Bem... Uma cuzona.
Sinto muito ser eu a dizer, mas alguém tinha que te acordar—considere-se sacudida—e te fazer perceber que, ei, não é o fim do mundo. As coisas mudam e as pessoas também, Lils. Amizades acabam e está tudo bem ficar triste, mas não é saudável quando você começa a ignorar seus outros amigos por causa de um! (Um idiota, filho de um hipogrifo, babaca, seboso etc, etc)."
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Ela sabia o que seus colegas grifinórios achavam de Severus. Não era como se alguma das meninas do dormitório tivesse feito muito esforço pra esconder o que pensavam dele. Lily mesma já havia visto fim da amizade chegando. A palavra (Sangue-ruim) tinha sido o estopim de algo muito maior. De repente não era mais sobre serem diferentes física ou mentalmente; não era mais sobre como grifinórios eram insuportáveis ou como sonserinos eram arrogantes e/ou preconceituosos; não era mais sobre os amigos dele a desaprovarem e vice versa. De repente era sobre as escolhas dele e as escolhas dela.
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"Você tem evitado o assunto e tem motivos pra isso, mas não acha que já segurou isso por tempo demais? Quer dizer, já está na hora de a palavra "Snape" poder ser pronunciada outra vez sem que alguém na sala engasgue com a própria saliva.
Eu estou aqui, se quiser conversar — é só responder essa carta com todo o amor do seu coraçãozinho — e é bom que você realmente pense no assunto. Não seria bom só desabafar? Merlin sabe que você tem estado tão quieta ultimamente."
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Lily bufou, assustando Jojo, deitado em seu colo. O gato lhe lançou um olhar irritado. Lene estava soando como a Sra. Evans agora. ("Você tem estado muito quieta, querida", "Quer falar sobre alguma coisa, Lily? Talvez algo que a esteja perturbando?").
Uma tristeza momentânea se apoderou de Lily ao pensar na mãe. Assim como seus amigos puros-sangues achavam difícil compreender o mundo trouxa, sua mãe — apesar de amar o fato de ter uma filha "tão especial" e fazer o seu melhor para compreendê-la — não conseguia entender completamente esse mundo tão novo do qual era parte agora e, assim, Lily se via cada vez mais afastada dela, sem que nenhuma das duas realmente conseguisse dizer por que. A situação nunca foi de fato mencionada por uma delas (Lily e sua mãe), mas só o fato de que as duas sabiam disso bastava pra fazer Lily se sentir mais miserável ainda por ser diferente. Como se o terrorismo de sua irmã não fosse o suficiente...
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"De qualquer modo, te convido a sair da concha e vir me visitar nesse sábado. Mary, Gwen e os Marotos virão também e a Ângela, se eu a convencer. Ah, por favor, não deixe Mestre, Feliz, Dunga e Atchim te impedirem! Eu sei que você fala mal deles e está provavelmente muito brava com eles no momento — por causa do sonserino acima citado — mas você passou o mês inteiro enfurnada nesse seu quarto, tendo que aturar sua irmã cretina e se isolando de todos nós! Você precisa de alguma diversão!
Todinha sua, Marlene.
P.S.: Por favooor..."
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Vai sonhando, pensou Lily.
A verdade era que, se visse um dos Marotos agora, até mesmo Remus ou o pobre do Peter Pettigrew, ela achava que ia cometer um assassinato. Lily não pôde evitar culpá-los todos pelo que tinha acontecido nos N.O.M.S. durante as primeiras semanas do verão, até finalmente admitir que estivesse de criancice e reconhecer que a culpa era dela e somente dela. Afinal, Sirius e James não tinham obrigado Severus a dizer aquilo (embora talvez tenham ajudado no processo); Remus não tinha culpa de ter dois amigos que são como forças da natureza – praticamente imparáveis; Peter não podia evitar colocá-los num pedestal; nem mesmo Severus tinha culpa de ser um preconceituoso, uma vez que esses foram os princípios com os quais ele fora "doutrinado", vivendo no meio de todas aquelas cobras, e Lily só podia jogar a culpa nele até certo ponto.
Mas pensar nisso só a fazia miserável, então, como a boa covarde que era, Lily rolou da cama cantarolando de modo que não pudesse realmente pensar em nada além da letra – algo sobre um polvo e um jardim no fundo do mar.
Ela trocou os velhos pijamas por confortáveis shorts e uma camiseta de algodão e prendeu o cabelo para evitar futuras discussões – desde que voltara pra casa, no começo do verão, Lily e a Sra. Evans tinham se bicado a respeito do comprimento das madeixas; a Sra. Evans insistia que pelo menos um palmo devia ser cortado, mas Lily estava satisfeita com seu cabelo comprido. Na verdade, mais que satisfeita, já que sempre usou o cabelo curto - pouco abaixo dos ombros - e deixa-los crescer fazia parte de uma "transição importante".
Ou assim dissera Mary McDonald, e Lily confiava nela.
Claro que, se quisesse mesmo evitar confronto, talvez fosse melhor nem ter levantado da cama. Mas quando Lily percebeu isso, já era tarde demais.
Na cozinha, Petúnia e a Sra. Evans estavam absortas em uma conversa sobre o casamento da primeira. Aparentemente, prímulas eram proibidas num buquê de dama de honra.
- Bom dia.
A Sra. Evans sorriu para Lily, mas Petúnia não respondeu, seguindo adiante com o monólogo.
-... Ainda não me decidi entre salmão e rosa bebê para as damas de honra.
Lily sentiu uma pontada de irritação enquanto pescava o cereal no armário debaixo do balcão – é claro que Petúnia escolheria entre a cor que se chocaria com o cabelo dela e a cor que a deixaria sua pele doentia.
- Algo de errado, querida? – perguntou a Sra. Evans. Sem perceber, Lily havia resmungado.
- Ah, não, nada. – murmurou Lily despejando leite na tigela de cereal – Eu devia ter previsto uma coisa dessas. – e virando-se, revirou os olhos para Petúnia.
- O que você quer dizer com isso? – Petúnia resmungou de volta.
Lily puxou uma cadeira na extremidade oposta à da irmã na mesa. A Sra. Evans observava a interação, sua boca se transformara numa linha tensa.
- Eu sabia que de algum modo você ia se vingar pela mamãe ter te obrigado a me colocar entre as damas de honra. – Lily sabia que devia ter ficado quieta, assim em todas as outras discussões naquela semana, mas havia algo no jeito de Petúnia falar – não importava a frase - que soava como um desafio.
- Lily, não seja ridícula. – disse a Sra. Evans. Mas Petúnia já estava estreitando os olhos para a irmã.
- E como você sugere que estou fazendo isso? Não que eu não esteja irritada por você ter sido enfiada no meio das damas de honra, mas, honestamente, acha que eu sou tão infantil a ponto de tentar me vingar?
- Bem, obviamente eu acho, já que você "está se decidindo entre salmão e rosa bebê", as poucas cores que não posso nem pensar em usar. – Lily honestamente não sabia por que estava fazendo uma cena por causa de um vestido que ela nem queria usar em primeiro lugar.
Petúnia revirou os olhos.
- Acontece que a Beth fica linda de salmão e Marge e Jenny ficariam bem de rosa. Eu não vou prejudicar as outras damas por causa de uma só! Uma que nem mesmo deveria estar lá!
O protesto da Sra. Evans foi ignorado pelas duas meninas.
Lily pensou na viciada em botox da Beth, na figura atarracada de Marge Dursley e em Jenny do bronzeado artificial laranja. Duvidava que qualquer uma delas ficasse bem em qualquer cor.
Aquele casamento vinha sendo uma dor de cabeça constante durante todo o verão e Lily estava farta. Desde que seu lugar fora confirmado na fila das damas de honra, Petúnia tinha se comportado pior do que de costume e isso só havia contribuído para que Lily relutasse em deixar o quarto – brigar era desgastante e ela não tinha mais força pra isso.
- Talvez eu não devesse nem mesmo ir ao casamento, então. – resmungou.
- A melhor ideia que você já teve!
Ambas pararam, levemente surpresas. Petúnia piscou ao perceber que, de fato, expulsara sua irmã da cerimônia – ou melhor, Lily mesma se "expulsara". Mesmo depois de tanta provocação e de discussão ela, de repente, achou difícil de acreditar que Lily não queria estar lá. Talvez, - e que fique bem claro que isso é um grande talvez – ela tivesse se sentido magoada pelo mais breve dos momentos.
O que, é claro, não fazia o menor sentido. Era isso o que ela queria o tempo todo, não é? Por isso ela esteve o verão todo reclamando e discutindo.
Lily seguia mais ou menos o mesmo raciocínio. Tinha acabado de se "expulsar" do casamento de Petúnia! Uma ideia que brincara em sua mente o verão inteiro e que, no calor da briga, havia sido atirada. Ela nunca realmente considerou a possibilidade de não estar lá – por mais tentador que isso fosse – porque entendia a importância daquilo na vida de Petúnia e nunca conseguiu realmente odiá-la, por mais detestável que a outra fosse. Mesmo depois de tudo, ela achou difícil de acreditar que a irmã não a quisesse lá.
O que, também, não fazia sentido, já que não queria estar lá se não fosse bem vinda.
- Ótimo.
- Ótimo.
E então elas ouviram o ranger da cadeira da Sra. Evans ao ser arrastada e assistiram em silêncio e de coração apertado sua mãe deixar a cozinha.
A casa tinha ficado pequena demais, abafada demais ao ponto de ser angustiante, pensou Lily mais tarde, de volta ao seu quarto. Talvez Marlene tivesse razão, era preciso sair. Qualquer lugar é melhor que aqui, no momento.
E foi com esse pensamento que ela rasgou um pedaço de pergaminho e escreveu uma resposta rápida a Lene.
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Remus Lupin observava apaticamente um pedaço de biscoito.
Do outro lado da mesa, seus pais tentavam não encará-lo demais. Seu esforço era óbvio e fazia com que Remus se sentisse pior do que se o estivessem encarando.
Vê-los juntos, mesmo que eles se reunissem todo o verão desde o divórcio, ainda o fazia se sentir culpado. Culpado pela hesitação e a cautela que eles todos sentiam durante o que devia ser uma feliz e despreocupada reunião familiar. Era como se estivessem caminhando sobre uma fina camada de gelo cuja espessura nenhum deles sabia com certeza, o que fazia com que todos se movessem com uma leveza exagerada ao mesmo tempo em que tentavam não parecer preocupados demais.
- Você quer mais chá, querido?
Remus fez que sim. Ele não olhava mais para o biscoito meio comido em seu prato, mas para seu pai. Pela aparência exausta – cabelo mal cortado, camisa amarrotada, olheiras – você poderia pensar que ele é que era o lobisomem.
- Devon, pode me passar os biscoitos, por favor?
Remus rangeu os dentes ao ouvir o tom cuidadosamente polido da mãe. Devon passou a lata amarela sem desviar os olhos do próprio chá.
- Você podia olhar pra ela, sabe.
Ambos os pais congelaram. Elen olhou o filho cautelosamente.
Remus sabia que ela sabia. Ele não era um garoto explosivo como a maioria dos adolescentes tende a ser e, em geral, isso o fazia se sentir bem. A paciência lhe dava tempo para pensar racionalmente e isso geralmente o impedia de fazer coisas idiotas (como a maioria dos adolescentes tende a fazer). Mas em momentos como esse – em que a cozinha de repente se transformava em vidro e todos eles evitavam movimentos bruscos – Remus desejava ter um temperamento ruim. Ele queria ser capaz de quebrar a superfície delicada em que estavam pisando, assim seus pais ficariam livres pra agir naturalmente pelo menos durante o chá.
Remus queria que sua mãe fosse capaz de dizer lobisomem sem chorar; que seu pai pudesse dar uma olhada no calendário sem que os cantos de sua boca caíssem ao se deparar inevitavelmente com o dia da lua cheia. Então talvez ele pudesse se convencer de que a culpa não era sua.
Você podia olhar pra ela.
Aquela frase continha toda a frustração crescente de Remus e sua mãe sabia.
Como ninguém disse nada depois de dois minutos inteiros, Remus desistiu. Toda a vontade de explodir se foi e ele só queria se deitar.
- Me deem licença.
Ele deixou a cozinha sem esperar resposta.
No pequeno quarto, esparramado na cama, a mente de Remus pintou a cena que estaria se desenvolvendo lá embaixo. Ele imaginou alguns momentos de silêncio, seu pai engolindo os biscoitos enquanto a mãe remexeria as mãos no colo, nervosa. Então alguns segundos de conversa monótona forçada até que seu pai inventaria uma mentira pra ir embora e sua mãe o acompanharia até a porta, aliviada.
Era horrível vê-los se tratar com fria educação mesmo depois de tantos anos. Embora isso fosse melhor do que três anos atrás, quando se tratavam com fria educação ainda casados.
Remus se lembrava de algum tempo no terceiro ano, as primeiras visitas que fizera aos Potter e como o jeito com o qual o Sr. e a Sra. Potter se tratavam – um carinho óbvio e incontido – o deixara constrangido. Ele nunca vira seus próprios pais se tratarem assim e se lembrava de ter pensado que era assim que um casamento devia ser, ou não valia a pena.
Ele se perguntara se alguma vez houvera um tempo em que seus pais se tratavam com carinho e chegou à conclusão óbvia de que sim. Mais tarde também chegou à conclusão de por que isso acabara e foi quando a culpa começou.
Ele lera em algum lugar que a maioria dos casais que perde um filho geralmente acaba se separando, principalmente se o filho era o único. Isso acontece, em maioria, porque talvez um dos dois culpe o outro pela perda, o que faz com não consigam se encarar pela manhã.
Talvez as estatísticas se aplicassem no caso do filho único virar um lobisomem, fazendo com que a mãe culpasse o pai pela tragédia o que os traria a almoços, jantares e chás estressantes durante os quais qualquer menção a algo ligado à licantropia era como uma bomba nuclear.
Remus olhou de relance para a carta de Marlene McKinnon que havia chegado mais cedo. A coruja castanha de Marlene estava esperando, comportadamente empoleirada na janela desde que a carta chegou. Estava esperando uma resposta já que Marlene devia saber que Remus não tinha uma coruja desde que o velho Ottis, de sua mãe morreu, semestre passado. Remus gostou que ela tivesse lembrado.
Ele havia hesitado ao responder. É claro que Sirius, James e talvez Peter estariam lá, mas pelo que Marlene deu a entender, também estaria Gwen.
Remus estava acostumado com Gwenog porque, estando no time de quadribol, ela passava muito tempo com James e Sirius. Acontece que quando ela começava a irritar Remus na escola, Sirius e James podiam sutilmente pedir a ela pra se retirar da sala ou inventariam alguma coisa urgente pra fazer no dormitório. Na casa dos McKinnon, não haveria outra opção senão ficar lá e aguentar.
Gwen era uma garota legal, pensou Remus, mas orgulhosa e arrogante demais. Ela sempre tinha uma ideia muito brilhante de si mesma e se tornava quase hostil se alguém sugerisse o contrário.
Como quando ela começou a atirar "indiretas" a Remus no quarto ano, fazendo comentários óbvios sobre o próximo final de semana em Hogsmeade, perguntando se ele tinha convidado alguém, e ele fingiu não entendê-las de propósito. Desde então ela parecia ter um prazer perverso em deixar Remus desconfortável.
De qualquer forma, pensou ele enquanto rabiscava sua resposta no verso da carta, qualquer lugar seria melhor que sua própria casa.
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- Então, eu achei que deveria avisar... Lily Evans está vindo.
Marlene, Sirius e James estavam tomando o café da manhã na enorme cozinha dos McKinnon. Ela deliberadamente desviou os olhos para sua torrada, sob a pretensão de passar mais uma camada de geleia, para que James pudesse engasgar com seu suco sem se sentir constrangido. E, - na mosca - ela mal tinha acabado a frase quando houve um som estrangulado do outro lado da mesa. Marlene e Sirius fingiram não perceber.
- Eu pensei que ela ainda estivesse se escondendo de toda a Grifinória...? – Sirius ergueu as sobrancelhas.
Marlene deu de ombros.
- É, eu achei que alguém deveria acordá-la antes que fosse tarde demais. Nós somos, afinal, a casa dela e é injusto nos punir por causa daquele merdinha do Snape.
Sirius sorriu.
- Fico feliz por você ter tomado conta da situação, ou então eu seria obrigado a dar uma sacudida naquela garota logo no começo do semestre.
James continuava em silêncio. Marlene arriscou uma olhada na direção dele – ele não havia desviado os olhos da comida, embora tivesse parado de comer.
- James?
Ele ergueu os olhos para ela, suas sobrancelhas erguidas levemente em uma expressão de interesse educado e casual que teria funcionado com qualquer um. Exceto Marlene, e muito menos Sirius.
- Está tudo bem por você? – continuou Lene.
- Claro, Lene. – ele sorriu levemente – Eu só estou surpreso. Como o Sirius disse, era difícil ver a Lily socializando nos últimos meses... Eu estou... hã – pigarro – feliz que ela está saindo das sombras.
Marlene sorriu pra ele, fingindo engolir a resposta.
- Ótimo, então. O pessoal deve chegar pouco antes do almoço, o que vocês querem fazer pra passar o tempo?
Sirius se lançou em uma enxurrada de sugestões – a maioria delas envolvendo o risco de quebrar um osso ou perder as orelhas – e Marlene ria e lhe atirava uvas passas a cada sugestão idiota. O assunto "Evans" completamente esquecido.
Exceto por James, claro.
Lily estava vindo. Ele não sabia como se sentia a respeito disso, na verdade. De início, quando Lene anunciou a notícia, ele literalmente engasgou de surpresa e animação – era Lily Evans, afinal. Mas então a lembrança daquele dia no lago voltou e ele logo percebeu que a probabilidade de ter sido perdoado durante o verão era mínima – se não completamente nula – e que Lily provavelmente o ignoraria por todo o dia, o que soava muito mais torturante do que se ela gritasse com ele e o azarasse.
Enquanto James sentia pena de si mesmo, Marlene e Sirius decidiram por quadribol – que era, afinal, o que eles sempre acabavam fazendo – e todos rumaram para o jardim, nos fundos da casa, espaçoso o suficiente para servir de campo.
Marlene sempre sabia como deixar tudo mais divertido e era assim com quadribol: toda vez que Sirius defendia as bolas dela, ela o amaldiçoava em uma imitação quase perfeita da Sra. Black. Logo James se permitiu aproveitar o jogo, os pensamentos deprimentes e Lily Evans desaparecendo de sua mente.
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Mary McDonald era uma bagunça.
Ela falava pelos cotovelos, atropelando tópico atrás de tópico, tropeçando nas pilhas de roupa largadas pelo chão do quarto, berrando pra se fazer ouvir por cima da voz de Cindy Lauper, que saia do toca discos.
Gwenog estava tendo uma enxaqueca.
- ...Você acha que os Potter fazem ele pagar aluguel?
Gwenog revirou os olhos e mudou de posição na cama de modo a enxergar o rosto de Mary no espelho – ela estava aplicando a maquiagem agora, delineando os enormes olhos castanhos.
- Mary, qual é! O garoto praticamente vivia na casa deles durante o verão todo mesmo. A única diferença é que agora ele desfez as malas!
- Legal da parte dos Potter terem o deixado ficar. – murmurou Mary. Gwen assistiu enquanto ela passava camada atrás de camada de rímel, como se ela precisasse de alguma ajuda, com aqueles cílios de boneca.
- Eu sei que você está cheia de perguntas – começou Gwen, estreitando os olhos para Mary -, mas eu não acho que seja boa ideia mencionar esse assunto. Pelo menos não hoje, ok?
Mary suspirou dramaticamente.
- Mas você tem que admitir que é tudo muito interessante! Quer dizer, não a parte em que Sirius detesta a família dele, todo mundo sabe disso, mas a parte em que ele simplesmente saiu da casa, ou foi expulso! Será que rolou algum tipo de discussão? Foi por isso que o irmão dele voltou pra casa uma semana antes do fim do semestre? Eu odeio ficar no escuro, Gwen! E hoje é a oportunidade perfeita! Vamos estar na casa da Lene, passando algum tempo de qualidade juntos, a atmosfera vai estar perfeitamente íntima!
- Mary, eu fiquei sabendo por acidente! Eu te disse, eu tentei mandar uma carta pra Grimmauld Place e recebi uma réplica do Regulus, dizendo pra não mandar mais corujas pra lá e que eu podia encontrar Sirius na casa dos Potter agora. Não foi ele quem me contou, foi o irmão dele! Eu não acho que James ou Sirius estejam prontos pra contar a ninguém ainda, isso é coisa muito pessoal...
- Menina, você tem sorte ou não tem? – riu Mary.
Gwen franziu a testa.
- Como assim?
- Sorte de ter sido o Regulus que recebeu a coruja!
- Eu sei! – riu Gwen – A Sra. Black teria me mandado um feitiço!
Mary agora estava escovando os cabelos com uma mão e enrolando as mechas com a varinha na outra. Era doloroso de assistir, Gwen estava ficando zonza com todas as multitarefas.
- Você não acha que está tentando demais? – resmungou ela, o cenho franzido.
Mary sorriu sem se abalar. Finalizando o último cacho com um floreio.
- Não, não acho. Como nós acabamos de discutir, o dia de hoje envolve a presença de Sirius Black e quando se trata dele, eu pareço nunca tentar o bastante.
Gwen fingiu não notar a nota de ressentimento na voz de Mary. Tendo estado em ambos os círculos feminino e masculino do agora sexto ano da Grifinória, ela tinha estado a par, durante todo o quinto ano, dos boatos envolvendo Mary e Sirius e não estava a fim de discutir o assunto nem mais um pouco. Se Mary queria continuar se humilhando, que o fizesse.
- Então acho que já vamos indo.
Gwen assentiu e elas saíram do quarto, se despedindo rapidamente da Sra. McDonald na sala de estar.
Na calçada, ambas esticaram o braço da varinha – recolhendo-o logo em seguida, pra não correr o risco de tê-lo amputado pelo enorme ônibus roxo que praticamente brotou do chão no meio fio.
- Eu odeio essa joça... – resmungou Gwen enquanto elas embarcavam.
A viagem foi agradavelmente permeada pelo choro de duas crianças no segundo andar, um bruxo de idade tagarelando com a janela ao lado de Mary e um hematoma – gigante, ela podia apostar – na nádega direita de Gwen, de quando ela caiu da cadeira graças a uma lombada particularmente grande.
Gwen praticamente pulou pra fora quando o ônibus estacionou na estrada de cascalho que levava à casa dos McKinnon e logo voltou à ativa com um enorme estampido. A casa se erguia à frente delas, depois do gramado bem cuidado - uma construção de pedras aparentes e janelas gigantes, com uma enorme varanda dando a volta na casa. Nos fundos, Mary sabia, havia um jardim, uma piscina e uma área gramada que Marlene utilizava quase exclusivamente para quadribol.
- Ah, meu deslumbramento com famílias puro-sangue não tem fim. – suspirou Gwen, dramaticamente. Mary riu.
- Eu tinha esquecido... Você nunca veio aqui, né?
Gwen deu de ombros, preferindo não falar sobre sua óbvia falta de interesse na McKinnon. Elas nunca tinham sido próximas, Gwen não sabia por que e não era como se se importasse muito.
Quando elas alcançaram a varanda, antes que Mary pudesse bater, a porta se abriu com um estampido e Arthur e Clara praticamente voaram pra fora, a menina agarrando a cintura de Mary com força. Ambos estavam berrando.
- Eu vi primeiro! Viu, eu disse que tinha gente vindo!
-Lene, é a Mary!
Gwen assistiu enquanto Mary se abaixava para beijar os gêmeos e os abraçar. A garotinha não parava de rir. Gwen tinha ouvido, é claro, a respeito dos gêmeos, Arthur e Clara. Gwen esperava duas réplicas de Marlene – de pele clara e cabelo castanho – e se surpreendeu com as duas crianças bronzeadas e loiras. Quando Mary parou de distribuir beijos, os dois finalmente notaram Gwen.
- Oh, me desculpe, Gwen. – disse Mary, se levantando – Estes são Arthur e Clara; essa é Gwenog, nós dividimos o dormitório em Hogwarts.
Ambos ofereceram a Gwen o mesmo sorriso simpático. Clara tinha duas janelinhas nos dentes superiores. Gwen devolveu o sorriso, se sentindo tímida de repente.
- Oh, e aí, gente! – Marlene vinha descendo o corredor (enorme, como todo o resto da casa), sorrindo e com as bochechas coradas. Seu rabo de cavalo desgrenhado e calças de ioga não a deixavam menos parecida com uma modelo petit.
Elas se cumprimentaram e trocaram cordialidades até os gêmeos começarem a ficar impacientes e insistirem para entrar. Marlene as conduziu até a sala de estar e lhes disse para ficar a vontade.
- Eu vou buscar meus garotinhos!
Enquanto Mary verificava o reflexo num dos muitos espelhinhos de bolsa, Gwen observava a decoração trouxa, evidentemente muito cara, com os mais sutis vestígios de magia. Havia fotografias acima da lareira enorme e de pedras brancas reluzentes: uma dos gêmeos bebês, uma do casamento dos McKinnon e outra de Marlene gargalhando, sentada ao pé de uma árvore de natal. Fora isso, havia tapetes com temas asiáticos, uma estante de cerejeira com livros de capa dura – daqueles que não se sabe o título até se abrir. Uma janela gigante dava para o gramado da frente e a estrada mais adiante, iluminando a sala toda com o sol de verão.
- Jonesy! – James atacou Gwen por trás, envolvendo-a num abraço de urso suado. Ela soltou um guincho de protesto, mas riu.
Sirius entrou logo em seguida, também suado e vermelho, com o cabelo jogado pra trás. Ele ainda carregava sua vassoura quando abraçou Gwen. Obviamente, os três estiveram jogando quadribol de manhã.
Mary tinha se levantado do sofá com a entrada dos meninos e cumprimentara James à distância ("Eca! Você está grudando!"), mas Sirius, apesar dos protestos da garota, a agarrou pela cintura.
- Há quanto tempo, McDonald! – ela berrava, prendendo-a em seus braços, enquanto Mary guinchava e tentava não tocar nele.
- Sai de mim, Black! Você está encharcado de suor!
Gwen e James reviraram os olhos. Marlene simplesmente ergueu as sobrancelhas antes de anunciar que estava muito lotado lá dentro – ignorando o fato de que a sala era imensa e dificilmente estava abarrotada com apenas cinco pessoas nela – e que deviam ir lá pra fora. Todos a seguiram, obedientemente.
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Literalmente algumas horas depois de ter enviado sua resposta, confirmado sua presença na casa de Lene no sábado, Lily recebeu um bilhete apressado de – e ela era a última pessoa de quem Lily esperaria receber correspondência, exceto talvez pelos Marotos – Ângela Irwingwood.
Surpresa, Lily alimentou a coruja cinza azulada e de aparência levemente maluca de Angela enquanto lia o bilhete, rabiscado em caligrafia caprichosa, no qual Ângela pedia "pelo amor de Deus", que Lily a acompanhasse até os McKinnon no sábado, porque ela se sentiria intimidada demais se tivesse que ir sozinha.
Lily riu aliviada e respondeu afirmativamente, achando que ela própria podia usar a companhia, já que tinha estado um feixe de nervos no fim do ano letivo, deixando Hogwarts sem se despedir apropriadamente de quase ninguém e receando que seus amigos fossem censurá-la por isso agora.
Foi assim que Lily Evans e Ângela Irwingwood se encontraram juntas de pé no gramado da frente dos McKinnon, depois de uma viagem estranhamente silenciosa no carro dos pais de Lily.
Depois que os Evans e Lily se despediram, eles partiram com o carro, deixando-as sozinhas, olhando para a massiva construção de tijolos.
- Cara, isso parece o antigo internato em que eu passei o ensino fundamental. – comentou Ângela, as sobrancelhas loiras erguidas – Merda, talvez seja até maior.
Lily riu. Ela gostava de Ângela, embora não fossem próximas. Fez uma nota mental para passar mais tempo com ela este ano.
- Vamos, vamos tocar a campainha e ver qual dos dois chega à porta primeiro. – riu Lily.
- Qual dos dois? – perguntou Ângela.
- Os gêmeos. – respondeu Lily enquanto elas subiam os degraus da varanda.
Ângela logo descobriu de quem Lily falava. Clara chegou primeiro. Os gêmeos as conduziram ao jardim dos fundos onde, de acordo com Arthur, Lene e os outros estavam jogando quadribol.
A menção do jogo fez Lily revirar os olhos, ao que os gêmeos riram, mas Ângela sentiu uma pontada no estômago. Ela nunca havia visitado seus colegas de casa durante as férias e não era como se tivesse outros amigos a quem visitar. De repente se sentiu muito fora do lugar, inadequada, sem saber como se portar. Ela teria que jogar também? Só de pensar em subir numa vassoura, Ângela ficava tonta!
Elas saíram para a varanda, de onde imediatamente avistaram os pontinhos riscando o céu com as vassouras, a goles voando de um para o outro. Lily fez sombra nos olhos com as mãos, para melhor identificar os jogadores e Ângela a imitou.
- Oh, ótimo! Toda a trupe reunida. – resmungou Lily. Ângela a olhou inquisitivamente, mas Lily deu de ombros, como quem diz "deixa pra lá".
Sirius, Peter, Remus e, é claro, James Potter, estavam lá em cima, assim como Gwen e Marlene. Nenhum deles as tinha visto ainda, entretidos no jogo, mas Mary McDonald estava sentada a uma mesa de jardim, sob um guarda sol amarelo, e as viu imediatamente.
- Ah, eu achei mesmo ter ouvido a campainha! Aí está você Lils! – ela guinchou, alto o suficiente para o som alcançar o gramado do jogo...
Onde o coração de James Potter deu uma vacilada e logo depois voltou a bater com força, enquanto ele virava a cabeça pra ver a cabeleira vermelha reluzindo no sol lá embaixo, cuja dona era esmagada num abraço de Mary McDonald.
n/a: OH MEU DEUS há quanto tempo não posto nada aqui tô tão feliz e animada pra essa fic vocês não têm noção o que acharam de capítulo fiquei com medo de ter ficado muito sério juro que não vai ser assim vou manter meu bom humor de todas as fics é só esperar pra ver nossa fiquei até sem fôlego...
De verdade agora, esse é meu projeto de fic mais ambicioso e sobre o qual eu estou mais animada! Espero que vocês curtam.
P.S.: Beijo pra você que percebeu as sutis referências aos Beatles no capítulo (tem duas)
