Capítulo 1
Inglaterra, 1806
Querida senhorita Alarch,
Rogo-lhe que me perdoe por ter o atrevimento de me pôr em contato com você de um modo tão pouco convencional…
— Me diga, senhorita Swan, tem alguma experiência?
Em algum lugar da extensa mansão jacobina soou um golpe tremendo. Embora o corpulento mordomo que estava realizando a entrevista se encolheu e a governanta que permanecia atenta junto à mesinha de chá soltou um chiado audível, Isabella nem sequer piscou.
O que fez foi tirar uns pedaços de papéis do bolso lateral da desgastada mala de couro que tinha a seus pés com uma de suas luvas brancas.
— Estou segura de que encontrará minhas cartas de referência em ordem, senhor Beckwith.
Embora fosse meio-dia, no modesto salão havia uma luz abismal. Os raios de sol que entravam pelas frestas das grosas cortinas de veludo se refletiam no suntuoso tapete turco de cor rubi. As velas pulverizadas pelas mesas enchiam as esquinas de sombras trementes. O quarto cheirava a mofo, como se não o tivessem ventilado durante séculos. Não fosse pela ausência de festões negros sobre as janelas e os espelhos, Isabella teria jurado que uma pessoa muito querida tinha morrido recentemente.
O mordomo agarrou os papéis e os desdobrou. Enquanto a governanta estirava seu comprido pescoço para olhar por cima de seu ombro, Isabella rezou para que a débil luz jogasse a seu favor e lhes impedisse de ver bem as assinaturas rabiscadas. A senhora Philpot era uma mulher atrativa de idade indeterminável, tão elegante e magra como redondo era o mordomo. Embora não tinha rugas no rosto, o coque negro que levava na nuca estava coberto de cãs.
— Como pode ver, trabalhei durante dois anos como governanta para lorde e lady Carstairs — lhe informou Isabella enquanto o senhor Beckwith folheava rapidamente os papéis — Quando continuou a guerra, uni a outras governantas como voluntária para atender aos marinheiros e quão soldados voltavam feridos do mar ou do frente.
A governanta apertou um pouco os lábios. Isabella sabia que ainda havia gente que acreditava que as mulheres que cuidavam dos soldados eram pouco mais que donas de cantina. Criaturas indecentes que nem sequer se ruborizavam ao ver um desconhecido nu. Ao sentir que o calor lhe subia pelo rosto, Isabella levantou um pouco mais o queixo.
O senhor Beckwith a examinou por cima de seus óculos de arreios metálica.
—Devo confessar senhorita Swan, que é um pouco mais jovem do que tínhamos pensado. Um trabalho tão árduo requer mais… maturidade. Possivelmente uma das outras aspirantes… — Se deteve o ver que Isabella arqueava as sobrancelhas.
— Eu não vejo nenhuma outra aspirante, senhor Beckwith — assinalou ajustando-as óculos no nariz com um dedo — Com o generoso salário que ofereciam no anúncio, esperava ver fora uma larga cauda.
Então se ouviu outro golpe, mais perto ainda que o último, que soou como se uma espécie de besta fora para sua guarida.
A senhora Philpot rodeou rapidamente a cadeira fazendo ranger suas anáguas engomadas.
— Um pouco mais de chá, querida?
Ao inclinar a bule de porcelana lhe tremia tanto a mão que o chá se derramou no prato de Isabella e caiu sobre seu regaço.
— Obrigado — murmurou Isabella esfregando a mancha com a luva sub-repticiamente.
O chão se estremeceu visivelmente sob seus pés, ao igual que a senhora Philpot. O rugido amortecido que seguiu foi enfeitado com uma enxurrada de juramentos incompreensíveis. Já não havia nenhuma dúvida. Alguém — ou algo — estava se aproximando.
Lançando um olhar de pânico a dobro porta dourada que conduzia à câmara contigua, o senhor Beckwith ficou em pé com sua frente proeminente brilhando de suor.
— Pode que não seja o momento mais oportuno…
Enquanto devolvia a Isabella as cartas de referência, a senhora Philpot lhe tirou a taça e o prato da outra mão e os depositou no carrinho do chá com um ruidoso repico.
— Beckwith tem razão, querida. Terá que nos perdoar. É possível que nos tenhamos precipitado… — A mulher obrigou a Isabella a levantar-se e tentou afastar a da porta empurrando-a para as portas que conduziam ao terraço, que estavam cobertas por umas grosas cortinas.
— Minha bolsa! — protestou Isabella lançando um olhar de impotência à mala por cima do ombro.
—Não se preocupe — lhe assegurou a senhora Philpot chiando os dentes em um amável sorriso — Um dos criados a levará a seu carro.
Enquanto crescia o estrondo dos golpes e as blasfêmias, a mulher cravou as unhas na resistente lã marrom da manga de Isabella para que se movesse. O senhor Beckwith as rodeou rapidamente e abriu um dos balcões, alagando a penumbra com o radiante sol de abril. Mas antes de que a senhora Philpot pudesse fazer sair a Isabella cessou o misterioso alvoroço.
Os três se voltaram de uma vez para olhar as portas douradas ao outro lado da habitação.
Durante um momento não se ouviu nada exceto o suave tic-tac do relógio francês que havia sobre a chaminé. Logo chegou um ruído muito estranho, como se houvesse algo arranhando as portas. Algo grande. E furioso. Isabella deu um passo involuntário para trás, a governanta e o mordomo intercambiaram um olhar apreensivo.
Ao abri-las portas deram um forte golpe às paredes opostas. Mas emoldurado por elas não havia uma besta, a não ser um homem, ou o que ficava dele depois de desfazer-se da capa de verniz da distinção social. O cabelo escuro e desalinhado lhe caía por debaixo dos ombros. Ombros que quase enchiam a largura da porta. De seus estreitos quadris penduravam umas calças de ante que marcavam todas as curvas de suas musculosas pernas. Sua mandíbula estava escurecida por uma barba de vários dias que lhe dava um ar de pirata. Se tivesse tido um facão entre os dentes, Isabella teria fugido da casa temendo por sua honra.
Levava meias três-quartos, mas sem botas. Ao redor do pescoço tinha um lenço frouxo e enrugado, como se alguém tivesse tentado atá-lo várias vezes e se deu por vencido. A sua camisa de linho lhe faltavam a metade dos botões, revelando uma parte de peito bem musculoso com um fino pêlo dourado.
Ali plantado na soleira da porta, inclinou a cabeça em um ângulo estranho, como se estivesse escutando algo que só ele podia ouvir, batendo as asas seu aristocrático nariz.
Isabella sentiu um formigamento na nuca. Não podia livrar-se da sensação de que o que estava procurando era seu aroma. Quando quase se convenceu de que era ridículo começou a caminhar para diante com a graça de um depredador natural, direito para ela.
Mas um banco abarrotado de coisas se interpôs em seu caminho. Embora tentou lançar um grito de advertência, tropeçou-se com o banco e caiu ao chão.
Muito pior que a queda foi como ficou ali convexo, como se não tivesse nenhum sentido especial levantar-se. Nunca.
Isabella ficou paralisada enquanto Beckwith corria a seu lado.
— Senhor! Pensávamos que estava jogando uma sesta!
— Sinto decepcionar — disse o conde do Sheffield com a voz amortecida pelo tapete — A alguém lhe deveu esquecer me agasalhar.
Enquanto se livrava de seu servente e se levantava cambaleando-se, o sol que entrava pela janela aberta lhe deu totalmente no rosto.
Isabella ficou boquiaberta.
Uma cicatriz recente, ainda avermelhada, dividia em duas a esquina de seu olho esquerdo e descia por sua bochecha como um raio, esticando a pele a seu redor. Tinha sido o rosto de um anjo, com essa beleza masculina reservada para os príncipes e os serafins. Mas agora estava marcada para sempre com o selo do diabo. Isabella pensou que possivelmente não fosse o diabo, a não ser Deus que tinha ciúmes de que um simples humano pudesse ser tão perfeito. Sabia que deveria lhe parecer repulsivo, mas não podia apartar a vista. Sua beleza truncada era mais irresistível que sua perfeição.
Levava sua desfiguração como uma máscara, escondendo detrás dela qualquer signo de vulnerabilidade. Mas não podia fazer nada para ocultar o persistente desconcerto de seus olhos verdes como a espuma do mar, com os que estava atravessando a Isabella.
Enrugou o nariz.
— Aqui há uma mulher — anunciou totalmente convencido.
— Sim, senhor — disse animadamente a senhora Philpot — Beckwith e eu estávamos tomando o chá em um pequeno descanso.
A governanta voltou a atirar a Isabella do braço, lhe suplicando em silêncio que escapasse. Mas o olhar cego de Edward Cullen a tinha deixado cravada ao chão. Começou a mover-se para ela, agora mais devagar, mas com a mesma determinação que antes. Nesse momento Isabella se deu conta de que era uma tolice interpretar sua prudência como um signo de debilidade. Seu desespero o fazia ainda mais perigoso, sobre tudo com ela.
Continuou avançando com tanta resolução que inclusive a senhora Philpot se refugiou nas sombras, deixando a Isabella só frente a ele. Embora seu primeiro impulso foi ir-se dali se obrigou a ficar com a cabeça alta. O temor inicial de que poderia equilibrar-se sobre ela estava infundado.
Com uma misteriosa percepção, parou-se a tão somente um metro dela farejando o ar com cautela. Isabella não podia imaginar que a fresca fragrância de fresias que se pôs detrás das orelhas pudesse atrair tanto a um homem. Mas a expressão de seu rosto enquanto enchia os pulmões com seu perfume fez que se sentisse como em um harém esperando o prazer do sultão, e sua pele se estremeceu como se estivesse tocando-a por toda parte sem levantar um dedo.
Quando começou a rodeá-la girou com ele, seguindo um instinto primitivo que não confiava em que estivesse detrás dela. Por fim se deteve, tão perto que pôde sentir o calor animal que irradiava de sua pele e contar cada uma das pestanas de ponta dourada que *bordeaban* esses olhos extraordinários.
— Quem é ela? —perguntou olhando justo por cima de seu ombro esquerdo — E o que quer?
Antes de que algum dos serventes pudesse articular uma resposta, Isabella disse com firmeza:
— Ela, senhor, é a senhorita Isabella Swan, e veio a solicitar o posto de enfermeira.
O conde desviou seu olhar vazio para baixo, franzindo os lábios como se lhe parecesse divertido que sua presa fora tão pequena.
— Quer dizer babá? Alguém que possa me cantar para que durma, dê-me de comer na boca e me limpe… — vacilou o tempo suficiente para que os dois criados se encolhessem de medo —… o queixo se me cai a baba?
— Não tenho voz para cantar canções de ninar, e estou segura de que é perfeitamente capaz de limpár queixo — respondeu Isabella tranqüilamente — Meu trabalho consistiria em lhe ajudar a adaptar-se a suas novas circunstâncias.
Ele se aproximou dela ainda mais.
— E se não quero me adaptar? E se quiser que me deixem sozinho para que possa me apodrecer em paz?
A senhora Philpot ficou boquiaberta, mas Isabella se negou a escandalizar-se.
— Não tem que ruborizar-se por mim, senhora Philpot. Posso lhe assegurar que estou acostumada aos arrebatamentos infantis. Quando trabalhava como governanta a meus tutelados gostavam de provar os limites de minha paciência fazendo birras quando não se saíam com a sua.
Ao ser comparado com um menino de três anos, o conde baixou a voz até que se converteu em um grunhido ameaçador.
— E devo supor que lhes tirou esse hábito?
— Com o tempo adequado, e paciência. E parece que neste momento temos essas duas coisas.
Quando se voltou de repente para o senhor Beckwith e a senhora Philpot Isabella se assustou.
— O que os faz pensar que esta será diferente das outras?
— As outras? — repetiu Isabella arqueando uma sobrancelha.
O mordomo e a governanta intercambiaram um olhar de culpabilidade.
O conde se deu a volta de novo.
— Suponho que não lhe falaram que suas predecessoras. Vejamos, a primeira foi a velha Cora Gringott. Estava quase tão surda como eu cego. Fazíamos um bom casal. Passava-me a maior parte do tempo procurando provas sua trombeta para lhe falar por ela. Se não me falhar a memória, acredito que durou menos de quinze dias.
Começou a passear-se de um lado a outro por diante de Isabella dando exatamente quatro passos para diante e quatro passos para trás com suas largas pernadas. Resultava fácil imaginar passeando pela coberta de um navio com esse domínio, seu cabelo dourado ao vento e seu olhar penetrante fixo no horizonte.
— Logo veio essa moça do Lancashire. Era tão tímida que logo que falava sussurrando. Nem sequer se incomodou em cobrar seu salário ou em recolher suas coisas quando partiu. Foi gritando em metade da noite como se a perseguisse um louco.
— Me imagino — murmurou Isabella.
Depois de uma breve pausa continuou passeando-se.
— E a semana passada perdemos à querida viúva Hawkins. Parecia mais forte e mais inteligente que as outras. Antes de sair daqui muito zangada recomendou ao Beckwith que contratasse a um tratador de animais, porque era evidente que seu amo devia estar em uma jaula.
Isabella se alegrou de que não pudesse ver que estava torcendo os lábios.
— Já vê, senhorita Swan, que sou um caso perdido. Assim pode voltar para a escola ou a creche de onde veio. Não faz falta que perca mais seu precioso tempo. Nem o meu.
— Senhor! — protestou Beckwith — Não é necessário que seja rude com a jovem dama.
—Jovem dama? Já! — Ao estender uma mão o conde esteve a ponto de decapitar um ficus que parecia que não tinham regado em mais de uma década — Posso dizer por sua voz que é uma criatura avinagrada sem um pingo de doçura feminina. Se tivessem querido me buscar uma mulher, no Fleet Street poderiam ter encontrado uma melhor. Não necessito uma enfermeira! O que preciso é um bom…
— Senhor! —gritou a senhora Philpot.
Pode que seu amo fosse cego, mas não estava surdo. Sua súplica escandalizada lhe fez calar-se com mais eficácia que um golpe. Com o fantasma de um encanto que devia ter sido sua segunda natureza, girou sobre um talão e fez uma reverência a um brincalhão justo à esquerda de onde estava Isabella.
— Rogo-lhe que me perdoe por meu arrebatamento infantil, senhorita. Desejo-lhe um bom dia, e uma boa vida.
Reorientando-se para as portas do salão, avançou para diante negando-se a andar mais devagar ou ir medindo seu caminho. Poderia ter alcançado seu destino se não se golpeou o joelho com a esquina de uma mesa de mogno com tanta força que Isabella fez um gesto de compaixão. Lançando um juramento, deu à mesa uma violenta patada e a estrelou contra a parede. Custou-lhe três intentos encontrar os pomos de marfim, mas por fim conseguiu fechar as portas detrás dele com um golpe impressionante.
Enquanto se retirava às profundidades da casa, os ruídos e as blasfêmias esporádicas se foram desvanecendo.
Depois de fechar brandamente a janela, a senhora Philpot voltou para carrinho e se serviu uma taça de chá. Logo se sentou no bordo do sofá como se fosse uma convidada, entrechocando ruidosamente a taça contra o prato.
O senhor Beckwith se afundou pesadamente a seu lado. Tirando um lenço engomado do bolso de seu colete, secou-se o suor da frente antes de lançar a Isabella um olhar contrito.
— Temo-me que lhe devemos uma desculpa, senhorita Swan. Não fomos de tudo sinceros.
Isabella se acomodou no brincalhão e cruzou as mãos enluvadas sobre seu regaço, surpreendida ao descobrir que também ela estava tremendo. Agradecida pelo refúgio que proporcionavam as sombras, disse:
— Bom, o conde não é o pobre inválido que descreviam em seu anúncio.
— Não foi ele mesmo desde que voltou dessa maldita batalha. Se lhe tivesse conhecido antes… — A senhora Philpot tragou saliva com seus olhos cinzas cheios de lágrimas.
Beckwith lhe deu seu lenço.
— Lavinia tem razão. Era todo um cavalheiro, um autêntico príncipe. Às vezes penso que o golpe que lhe deixou cego também lhe afetou à mente.
— Ao menos a suas maneiras — disse Isabella secamente — Seu engenho não parece ter sofrido nenhum dano.
A governanta se passou o lenço por seu estreito nariz.
— Era um menino brilhante, sempre tão rápido com os números e as respostas. Era estranho lhe ver sem um livro debaixo do braço. Quando era pequeno tinha que lhe tirar a vela na hora de lhe deitar por medo de que colocasse um livro na cama e queimasse as mantas.
Isabella se estremeceu ao dar-se conta de que também lhe tinham privado desse prazer. Era difícil imaginar uma vida sem o consolo que podiam proporcionar os livros.
Beckwith assentiu com os olhos brilhantes pelas lembranças de tempos melhores.
— Era a alegria e o orgulho de seus pais. Quando lhe ocorreu a absurda idéia de alistar-se na Marinha Real, sua mãe e suas irmãs ficaram histéricas e lhe suplicaram que não fosse, e seu pai, o marquês, ameaçou-lhe lhe deserdando. Mas quando chegou o momento de embarcar se reuniram todos no mole para lhe dar sua bênção e despedir-se dele.
Isabella estirou uma de suas luvas.
— Não é muito freqüente que um nobre, sobre tudo sendo o primogênito, dita fazer uma carreira naval, verdade? Pensava que o exército atraía aos ricos e aos que tinham títulos nobiliários, enquanto que a marinha era o refúgio dos pobres e os ambiciosos.
— Não deu nenhuma explicação — interveio a senhora Philpot — Só disse que tinha que seguir a seu coração em qualquer lugar que lhe levasse. Negou-se a comprar uma fila como fazia a maioria da gente, e insistiu em chegar aí por seus próprios méritos. Quando receberam a notícia de que lhe tinham subido a tenente a bordo do Victory sua mãe chorou de alegria, e seu pai estava tão orgulhoso que esteve a ponto de arrebentar os botões de seu colete.
— O Victory — murmurou Isabella. O nome desse navio tinha sido profético. Com a ajuda de outras naves derrotou à armada do Napoleão no Trafalgar, destruindo o sonho do imperador de dominar os mares. Mas o preço da vitória foi muito elevado. O almirante Nelson ganhou a batalha, mas perdeu sua vida, como muitos de quão jovens lutaram valorosamente a seu lado.
Suas dívidas estavam saldadas, mas Edward Cullen seguiria pagando o resto de sua vida.
Isabella sentiu um arrebatamento de ira.
— Se tem uma família tão fiel, onde estão agora?
— Viajando pelo estrangeiro.
— Em sua residência de Londres.
Depois de responder ao uníssono, os serventes intercambiaram um olhar de vergonha. A senhora Philpot suspirou.
— O conde passou a maior parte de sua juventude no Cullen Park. De todas as propriedades de seu pai, sempre foi seu favorita. Tem uma casa em Londres, é obvio, mas tendo em conta a crueldade de suas feridas, sua família pensou que seria mais fácil que se recuperasse no lar de sua infância, afastado da curiosidade da sociedade.
— Mais fácil para quem? Para ele ou para eles?
Beckwith apartou a vista.
— Em sua defesa devo dizer que a última vez que vieram a lhe ver os jogou do imóvel. Por um momento temi que ordenasse ao guarda que soltasse aos cães.
— Duvido que fora tão difícil livrar-se deles. — Isabella fechou um momento os olhos e fez um esforço para recuperar a compostura. Não tinha nenhum direito a julgar a sua família por sua falta de lealdade — passaram mais de cinco meses desde que resultou ferido. Deu-lhe seu médico alguma esperança de que possa recuperar algum dia a vista?
O mordomo moveu a cabeça com tristeza.
— Muito poucas. Só há um ou dois casos documentados nos que se conseguiu desculpar uma perda tão grande.
Isabella inclinou a cabeça.
O senhor Beckwith se levantou. Com suas bochechas carnudas e sua expressão abatida parecia um bulldog melancólico.
— Espero que nos perdoe por esbanjar seu tempo, senhorita Swan. Sei que teve que alugar um carro para vir aqui. E estarei encantado de pagar de meu bolso sua volta à cidade.
Isabella ficou em pé.
— Isso não será necessário, senhor Beckwith. De momento não vou voltar para Londres.
O mordomo intercambiou um olhar de desconcerto com a senhora Philpot.
— Desculpe?
Isabella se aproximou da cadeira que tinha ocupado em um princípio e agarrou sua mala.
— Ficarei aqui. Aceito o posto de enfermeira do conde. Agora, se forem tão amáveis de pedir a um de quão criados recolha meu baú do carro e me mostrar minha habitação, prepararei-me para começar com minhas obrigações.
Ainda podia cheirá-la.
Como se quisesse lhe torturar lhe recordando o que tinha perdido, o sentido do olfato de Edward se havia aguçado nos últimos meses. Quando passava pelas cozinhas podia dizer imediatamente se Étienne, o cozinheiro francês, estava preparando um fricandó de vitela ou uma cremosa besamel para tentar seu apetite. O mínimo rastro de fumaça lhe informava se o fogo da deserta biblioteca tinha sido avivado recentemente ou estava apagando-se. Enquanto se derrubava na cama na habitação que se converteu em uma guarida mais que em um quarto, assaltou-lhe o rançoso aroma de seu próprio suor pego aos lençóis enrugados.
Era ali aonde tinha retornado para curar suas feridas, onde dava voltas pelas noites, que só se distinguiam dos dias por seu silêncio sufocante. Entre o crepúsculo e o amanhecer às vezes se sentia como se fosse o único ser vivo no mundo.
Edward apoiou o dorso da mão sobre sua frente e fechou os olhos seguindo um velho hábito. Ao entrar no salão identificou imediatamente a água de lavanda que usava a senhora Philpot e a loção capilar de almíscar que se tornava Beckwith no pouco cabelo que ficava. Mas não reconheceu a fresca fragrância que perfumava o ar. Era um aroma doce e azedo, suave e atrevido de uma vez.
A senhorita Swan não cheirava como uma enfermeira. A velha Cora Gringott cheirava a naftalina, e a viúva Hawkins às amêndoas amargas que tanto gostava. Mas a senhorita Swan tampouco cheirava à solteirona murcha que parecia quando falava. Se o tom de sua voz era indicativo, seus poros deveriam emanar uma mescla venenosa de couve podre e cinzas.
Ao aproximar-se dela descobriu algo mais surpreendente ainda. Baixo esse limpo aroma cítrico havia um aroma que lhe voltava louco e nublava o pouco que ficava de seus sentidos e de seu bom julgamento.
Cheirava a mulher.
Edward grunhiu apertando os dentes. Não havia sentido nenhum desejo desde que despertou nesse hospital de Londres e descobriu que seu mundo se tornou escuro. Entretanto, o doce aroma da senhorita Swan lhe tinha feito evocar uma confusa mescla de vagas lembranças: beijos roubados em um jardim iluminado pela lua, roucos murmúrios, a pele acetinada de uma mulher sob seus lábios. Todos os prazeres que nunca voltaria a conhecer.
Quando abriu os olhos descobriu que o mundo seguia envolto em sombras. Pode que o que havia dito ao Beckwith fosse certo. Pode que necessitasse os serviços de outro tipo de mulher. Se pagasse o suficiente é possível que fosse capaz de olhar seu rosto destroçado sem sentir repugnância. Mas que importava? Pensou Edward soltando uma gargalhada. Nunca saberia. Enquanto fechava os olhos e imaginava que era o cavalheiro de seus sonhos, ele podia supor que era o tipo de mulher que sussurraria seu nome e lhe faria promessas de lealdade eterna.
Promessas que não tinha nenhuma intenção de cumprir.
Edward se levantou da cama. Essa maldita mulher! Não tinha direito a lhe tentar tão amargamente e a cheirar tão bem. Menos mal que tinha ordenado ao Beckwith que a jogasse. Assim não teria que voltar a preocupar-se com ele.
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Obrigada, Débora
