O nome

Eu não sabia o nome dela. Constatei isso num estágio já avançado, mas agora não importa mais. O nome foi apenas um bônus a curiosidade natural que ela sempre despertou em mim. Quando pensei a respeito de como tudo começou acabei voltando à Floreios e Borrões, num dos últimos dias antes do início do meu segundo ano letivo em Hogwarts.

Meu pai, sempre uma figura inconveniente no que diz respeito a minha sanidade, fez questão de alimentar a velha rixa naquele dia. Eu poderia morrer na ignorância, se ele não tivesse provocado Arthur Weasley e a corja de cabelos vermelhos. Eu poderia ter evitado o derradeiro motivo para odiar Harry Potter...Tanta coisa poderia ter sido diferente, mas não foi. Eu não deixei de olhar para a figura minúscula e feminina, escondida entre um amontoado de roupas de segunda mão, livros gastos e garotos.

Não, ela não era nem de longe atraente, mas era uma figura curiosa. Estranhamente frágil no meio de tantas figuras impulsivas e rudes. Eu só podia supor que era uma Weasley, porque era a conclusão mais óbvia de todas, com o diferencial. Ela era A Weasley. A garota de onze anos que encarou meu pai com desaforos e petulância, algo que eu sempre quis fazer, mas me faltava coragem.

Foi ali que eu me vi enrolado em uma ironia sem qualquer graça. Eu nunca tinha notado que os Weasleys tinham uma filha. Eu nunca tinha ouvido falar naquela menina, mesmo que minha família fosse extremamente ligada a assuntos como nomes e árvores genealógicas. Eu não sei ao certo os motivos que me levaram a achá-la digna da minha atenção, mas isso era algo que ela fazia naturalmente. Um campo gravitacional, que me prendia num trajeto constante ao redor da figura dela sempre que estávamos num mesmo ambiente.

Claro que com doze anos você não nota a gravidade das coisas, você apenas segue aquela voz irritante, aquela campainha no fundo da sua mente, sem pensar muito no motivo pelo qual ela está tocando. Você não olha completamente para o objeto que te atrai, mas sabe exatamente quando ele se encontra ou não em determinado lugar. Feriu minha vaidade não ter recebido dela um cartão no Dia dos Namorados, com um poeminha brega escrito à mão, mesmo sabendo que nenhum de nós tinha motivos pra querer ou fazer isso. Era mais ou menos assim que a coisa funcionava e naquele tempo eu não precisava dela como preciso agora.

O diário foi uma questão a parte e eu só tive conhecimento da história quanto ela apareceu, salva pelo Santo Potter, das presas de um basilisco feroz. Ela amava aquele imbecil de quatro olhos e ela deve ter repetido isso tantas vezes que até ele acreditou que a amava também.

Por implicância, por prazer, ou por pura inveja, atormentar Harry Potter passou a ter um sabor muito mais agradável ao meu paladar requintado. Eu queria ter aquilo que ele tinha e que o tornava tão especial. Eu queria ser respeitado pelos incrédulos, queria ser amado pelos fieis, queria ter aquela nobreza tão inconseqüente e idiota que tornava Harry Potter o que ele era. Eu queria ser bom para merecer tamanha devoção de alguém tão insignificante quanto a Weasley.

Mas eu não era bom e acho que nunca serei.

Acho que ela sabia quem eu era e na cabeça de uma garota criada por demônios ruivos, eu devia ser a personificação do mal. Até que ponto eu posso culpá-la por pensar isso de mim? Eu não faço idéia. Eu mesmo vivi onze anos acreditando piamente que a família a qual ela pertencia era tudo o que devia ser desprezado.

É claro que quando você toma um soco cavalar de uma sangue ruim a sua vida tende a entrar em perspectiva e você ao menos tem que admitir que Hermione Granger tem um belo cruzado de direita. Se eu podia respeitar minimamente a Granger por quase arrebentar meu nariz, por que eu não podia ver beleza numa Weasley? Hoje tenho certeza de que jamais deveria ter feito essa pergunta.

Sardas não são atraentes. Pessoas de cabelo vermelho tendem a ter uma aparência vulgar e grosseira, ou um aspecto doentio. Ruivas não se encaixavam no padrão de beleza que eu adotava, mas ela existia para quebrar meus paradigmas. Ela destoava de tudo aquilo que eu tinha a minha volta. Ainda uma menina, insegura de suas próprias qualidades, mas sem dúvida eu já havia notado o potencial existente nela muito antes de Zabini comentar a respeito, no meu sexto ano.

Passei três anos observando-a de longe, sem saber ao certo o que fazer com a minha curiosidade. Ela estava no mesmo lugar em que sempre esteve, venerando o herói do mundo mágico e suplicando migalhas da atenção dele. Meio mundo mágico fazia a mesma coisa já que Poter, misteriosamente, foi inscrito no Torneio Tribruxo.

Ela não tinha idade para estar no Baile de Inverno. As vestes eram de segunda mão, o par era digno de pena e eu me perguntava por que ela estava perdendo tempo com o ridículo Longbotom. Na pista de dança ele era uma tragédia e eu tinha certeza de que os pés dela estavam sendo massacrados, enquanto Potter estava babando por Cho Chang.

Ela poderia ser outra coisa, ter outra pessoa, muito mais indicada para o papel de acompanhante. Ela poderia ser mais do que uma Weasley e se resignar a condição de ralé. O irmão dela estava fazendo de si uma figura ainda mais digna de pena do que já era. Potter estava, como sempre, sendo um ridículo perdedor por não conseguir a atenção da Chang. Mas aquela garota estava lá, firme e convicta. Queimando como a chama de uma vela que ninguém mais enxergava.

Eu não devia subestimar a curiosidade, principalmente a minha. Eu também não devia ignorar o poder que as coisas proibidas exercem sobre a imaginação. Minha acompanhante estava entediada e me deixou sozinho no salão de baile, enquanto eu observava a Weasley deslizando para fora, desafiando o inverno, como é costume do fogo fazer.

Contrariando meu bom senso e minha posição eu fui até ela, esperando não sei o que, mas na melhor das hipóteses eu teria um nome. Eu saberia um pouco mais da incógnita filha do meu mais puro ódio. Eu deveria querer o sangue dela, por ser uma traidora como todos os de sua laia, mas não...Sangue seria apenas um acréscimo à tudo o que ela era. Uma profusão infinita de tons vermelhos.

Ela não me ouviu chegar. A pele dela arrepiava com o sopro gelado da noite. A cor era delicada, acomodando-se sobre as curvas que despertavam em um corpo em desenvolvimento. Eu não era tão velho ou tão experiente, mas a visão era instigante. Tocar o inimigo é um erro, eu devia saber disso. Tocar o inimigo é um erro.

Ela se virou para me encarar e eu não soube o que dizer. Numa reação defensiva ela se afastou de mim tanto quanto pode e sacou a varinha. Não sei o que ela pensava que eu ia fazer, não sei se ela pretendia me azarar, mas nenhum de nós fez qualquer movimento para tornar aquilo uma guerra.

- O que está fazendo aqui, Malfoy? – ela questionou ainda com a varinha em punho.

- Que eu saiba o lugar é de livre acesso a qualquer estudante e eu não vejo seu nome gravado em nenhuma parte, Weasley. – respondi sendo indiferente.

- Não devia assustar pessoas desse jeito. – ela resmungou e fez menção a deixar o lugar. Eu não queria aquilo, não agora.

- Eu a assusto, Weasley? – perguntei fazendo pouco caso. Ela parou e me encarou por um momento. O fogo brotava dela, queimava no fundo dos olhos e eu sabia que havia despertado uma leoa adormecida. Era a mesma garota que enfrentou o meu pai.

- O dia em que um Malfoy me assustar, podem me internar em . – ela rebateu no mesmo instante.

- Tive a impressão de que a havia assustado. – dei um passo em direção a ela – Por mais que a idéia tenha seu mérito, não foi a minha intenção.

- O que quer aqui? – ela me encarou desconfiada e eu abaixei a cabeça rindo.

- Absolutamente nada. – eu respondi – O que eu poderia querer?

- Me azarar, talvez? – ela retrucou rápida.

- Não lanço azarações em garotas desprotegidas, sinto muito quebrar suas expectativas. – eu respondi sorrindo.

- Não sou uma garotinha desprotegida. – ela apertou com mais força a varinha em sua mão.

- Aposto que seus irmãos e Potter pensão o contrário. – as bochechas dela ficaram vermelhas. Tenho a impressão de que ela pretendia dizer alguma coisa, mas não disse. Apenas se encolheu quando o vento soprou mais forte – Devia entrar, ou vai ficar doente neste frio.

- Cuide da sua vida. – ela rosnou.

- Tanto faz. – respondi dando de ombros – Longbotom está lá dentro ainda. Acho que descobriu sua vocação pra pé de valsa.

- Um bom motivo pra não entrar lá dentro. Meus pés ainda doem. – ela disse com uma careta. Eu ri.

- Não posso discordar disso. – escorei em uma pilastra.

- Por que está conversando comigo, Malfoy? – ela perguntou por fim.

- Talvez eu não tenha nada melhor pra fazer. – sugeri – Por que isso te incomoda tanto, Weasley?

- Você é um Malfoy, sua simples existência me aborrece. – ela respondeu com descaso – Não bastasse isso, por culpa do seu pai eu quase morri na Câmara Secreta.

- Tive a impressão de que este é um assunto que não gosta de falar. – constatei um tanto surpreso com a naturalidade dela.

- Devo ter medo disso? Não. Eu encarei Tom Riddle e sobrevivi. – ela retrucou petulante.

- Achei que este era um feito exclusivo do Santo Potter. – eu ri – Pelo menos você não sai por ai se gabando disso.

- Você devia ser menos sarcástico quando fala sobre Harry. – ela cruzou os braços na frente do corpo – Podem pensar que morre de inveja.

Fingi que aquilo não era verdade. Eu não queria dar a ela um trunfo sobre mim, nem admitir que minha vaidade chegava ao cúmulo de invejar Harry Potter. Ao invés disso eu a encarei por um momento. Aquela expressão impetuosa e ousada de alguém que tinha plena certeza do que era e do que queria. Ela não parecia uma menina de treze anos.

- Satisfaça minha curiosidade, Weasley. – eu comecei sem qualquer pretensão além de constrange-la – O que há de tão especial numa testa rachada? Quero dizer, o que Harry Potter tem para valer tanta admiração? – fui um cortante no comentário, mas eu queria provocar um incêndio – Por que alguém que te ignora merece tanta devoção da sua parte?

- Por que isso te interessa? – ela questionou defensiva.

- Apenas curiosidade, nada mais. – dei de ombros – Há uma dúzia de garotos mais atraentes aqui, tão ricos quanto, nenhum famoso, mas aposto que isso não é problema.

- Ele é corajoso e leal. – ela disse insegura.

- Como qualquer grifinório deve ser. Isso não é o bastante. – insisti.

- Ele é um bom amigo...

- Você pode fazer melhor que isso. – provoquei. Ela recuou um passo e eu avancei.

- Um ótimo jogador de quadribol. – ela disse – Melhor do que você.

- Essa feriu meus sentimentos. – fingi ressentimento.

- Malfoys não têm sentimentos. – ela disse convicta.

- É isso o que te disseram a vida toda? – eu perguntei mordaz.

- É um fato. – ela rebateu recuando um passo. A essa altura, as costas dela estava escoradas contra a parede e eu podia sentir a respiração dela quente e acelerada.

- Você não me conhece, Weasley. – disse baixo para ela – Não devia acreditar em rumores.

- O que você quer? – ela tentou me afastar com as mãos. Eu a segurei pelos pulsos e encostei-a na parede.

- Matar minha curiosidade. – sussurrei – Um pouco de adrenalina, talvez. – colei meu corpo ao dela e vi seus olhos se arregalarem – Talvez eu só queira saber que gosto tem o inimigo.

- Eu vou gritar. – ela respondeu apavorada.

- Se fosse o caso, já teria gritado. – retruquei maldoso.

- Me solta, sua doninha nojenta. – ela se debateu e eu a pressionei com mais força.

- Quando me disser o seu nome, Weasley. – eu respondi.

- Que diferença faz o meu nome? – ela parecia em pânico.

- Nenhuma. – fui sincero. E sinceramente eu roubei um beijo dos únicos lábios que eu não devia cobiçar. Mas não fazia diferença. Eu nem mesmo sabia o nome dela, só sabia que devia odiá-la.

Num momento de distração minha, ela usou tanta força que conseguiu me afastar dela com um empurrão. Respeitei a distância, ainda que minha curiosidade não estivesse totalmente satisfeita. O cabelo dela brilhava e eu tinha certeza de que ela era uma chama. Um ponto de luz numa noite de inverno.

Ela tremia de frio e raiva, ela era só uma garota que eu não podia ignorar.

- Me deixe em paz. – ela sussurrou.

- Talvez eu faça isso, quando você me deixar em paz. – respondi sem pensar e me arrependi de ter dado a ela essa arma.

- O que você disse? – ela me encarou assustada.

- Esqueça! – ordenei.

- Não! – ela retrucou com uma nova coragem – Repita o que disse!

- Acha que está em posição de me dar ordens? – eu a encarei com raiva e com meu orgulho dilacerado – Quem você pensa que é, Weasley? – contrariando todas as minhas expectativas, ela apenas virou as costas e foi embora. Pensei em ir atrás dela, mas isso reafirmaria a minha incapacidade de ignorar uma menina de cabelos vermelhos, que não era nada e nunca seria alguma coisa. Ela era só uma Weasley que eu beijei num momento de fraqueza e curiosidade.

Nota da autora: Minha idéia é que esse seja o primeiro capítulo da fic, mas as coisas estão meio cinzentas na minha cabeça ainda. Espero que gostem e comentem. Quero saber se querem mais ou não.

Bjux

Bee