— Haikyuu! e seus personagens pertencem a Furudate Haruichi ;

— Essa é uma fanfic yaoi, ou seja, contém relacionamento homossexual entre os personagens. Se você não gosta ou sente-se ofendido com esse tipo de conteúdo sugiro que vá ser feliz lendo shoujo;

— Capa da fanfic: .


Capítulo 01

A primeira vez que ele ouviu aquele boato foi no começo do primeiro ano.

Sugawara se lembrava bem do dia, uma manhã chuvosa de primavera. Aquele período seria livre, visto que o professor avisara de antemão que não lecionaria por motivos pessoais. Metade da classe estava em outro lugar e os alunos que permaneceram se dividiram em grupos, como pequenas ilhas. O grupo em que ele estava era composto por Daichi, Asahi e mais dois garotos. O assunto que falavam era trivial, a inauguração de um novo arcade próximo à loja de conveniência e o desejo compartilhado de que visitassem o local o quanto antes. Uma das garotas da classe se aproximou, avisando que havia alguém do lado de fora que gostaria de falar com Daichi.

Michimiya Yui sempre foi uma garota fácil de socializar. Ela fora apresentada por Daichi assim que ele juntou-se ao time, pois a garota também fazia parte da equipe de vôlei feminina. A primeira impressão de Sugawara foi ótima. Ele nunca teve problemas em falar com o sexo oposto e achava interessante uma garota que gostasse de voleibol. Algumas vezes, depois dos treinos, Yui se juntava a eles e os quatro se divertiam na quadra brincando de passar a bola e comentando algum jogo que assistiram na tv. Naquela época, ao ver Daichi levantar-se e ir até a entrada da classe, ele não sentiu absolutamente nada. Um dos rapazes se virou e sussurrou a pergunta que habitaria sua mente algumas vezes e por alguns anos:

"Nee, eles estão namorando?"

Sua resposta foi um dar de ombros.

O moreno nunca havia comentado sobre ter ou não namorada e pela maneira como ele e Yui se tratavam não havia sinal de que existisse nada além de amizade. Os dois se conheciam desde o ensino fundamental, então era esperado que as pessoas criassem certas opiniões e expectativas a respeito da proximidade que tinham. Naquele dia, porém, o jovem rapaz de cabelos acinzentados não fazia ideia de que, seis meses depois, ele estaria fazendo aquela mesma pergunta, mas dessa vez direcionada a Daichi e em circunstâncias totalmente inusitadas: amizade e companheirismo que se transformaram em amor, um beijo trocado após um treino, tímidas e mútuas confissões... Seu amigo, colega de classe e capitão do time havia se tornado seu namorado.

A pergunta soou natural durante uma conversa na volta para casa de um treino e a resposta foi uma baixa risada, acompanhada por um risonho "Eu não acredito que você está me perguntando isso, Kou." A negativa, no entanto, foi enfática e Daichi fez questão de parar de andar para respondê-lo. Que ele era uma pessoa séria e responsável, Sugawara já sabia. Contudo, foi aquela resposta que o fez perceber que aquele relacionamento não era uma brincadeira ou algo para passar o tempo. O modo como Daichi enfrentava tudo de frente e sem vacilar, mesmo que fosse uma pergunta boba, era uma das qualidades que ele mais admirava. Talvez, se o moreno houvesse dito outra coisa ou respondido com menos consciência, ele não tivesse se permitido envolver-se tão profundamente.

Olhando para o passado, e com a perspectiva do presente, apaixonar-se por aquela pessoa foi inevitável.

Dois anos depois, entretanto, Sugawara se depararia com situação semelhante e que lhe acarretou um estranho e indigesto déjà vu. Dessa vez ele não estava na classe e em uma aula vaga, mas em quadra e ao lado de seus colegas de time. O treino estava para começar e os alunos do terceiro ano, com exceção do capitão, já haviam se aquecido e preparavam a quadra para a chegada do restante dos rapazes. Os primeiros a surgirem foram alguns dos alunos do segundo ano e até então ele não havia percebido nada de diferente. A aparição de Tsukishima e Yamaguchi também não despertou nenhuma desconfiança, com exceção de certo olhar por parte do segundo, mas que poderia ser facilmente traduzido como timidez excessiva.

Os remanescentes da comitiva chegaram ao mesmo tempo e envoltos em um estranho e suspeito silêncio. Hinata estava corado, Kageyama ainda mais intimidante, enquanto Nishinoya e Tanaka pareciam dois abutres sobre a presa. Eles se aproximaram às pressas, certificando-se de que eram os únicos ali e basicamente arrastando Sugawara e Asahi para um semicírculo.

"Nee, é verdade?" Tanaka sussurrava e olhava ao redor.

"Eu não posso acreditar!" Hinata cobriu a boca com as mãos.

"O que aconteceu?" Sugawara até aquele momento estava completamente alheio à comoção.

"Por que vocês estão perdendo tempo com essa bobagem," a voz de Tsukishima foi acompanhada por um olhar de soslaio e um ajeitar de óculos perfeito, "não vejo que diferença vá fazer na qualidade do time se ele está ou não namorando."

"Namorando? Quem?" Ennoshita e outros jogadores haviam se aproximado e de repente o semicírculo se tornou um grande círculo.

"Daichi-san!" Nishinoya lançou um significativo olhar na direção do Ace do time. "Por que você não me contou nada, Asahi-san?"

"E-Eu? C-Contar?" Asahi corou e arregalou os olhos. "Eu não tenho nada para contar."

"Mas é claro que tem!" Os olhos de Tanaka se ergueram e fitaram Sugawara com curiosidade. "Se tem alguém que sabe a resposta é você, Suga-san."

Vários pares de olhos o encararam e foi impossível não sentir-se acuado. O silêncio pairava no ar e parecia que nenhum deles ousava sequer respirar.

"Nee, eles estão namorando?"

A pergunta foi feita por um jovem, inocente e adorável Hinata Shoyo, que não poderia fazer ideia do que aquelas quatro palavras poderiam significar. Os anos retrocederam e Sugawara viu-se novamente na classe, no meio de seus colegas e sendo questionado sobre a vida amorosa de um amigo. Bem, aquela era a visão que ele tinha certeza que transmitia, mas que não correspondia à atual realidade. Ao contrário do que aconteceu no passado, dessa vez seus ombros não se moveram. Eles? Quem?

"Do que vocês estão falando?" Asahi tomou a voz, genuinamente perdido.

"Daichi-san! As pessoas estão dizendo que ele e a Michimiya-san estão namorando!" Tanaka tinha fogo nos olhos. A ideia de alguém se dando bem antes dele era inconcebível.

"Os dois foram embora juntos ontem..." Nishinoya colocou a mão no queixo enquanto falava. "Quem sabe o que aconteceu..."

Ontem eu precisei ir mais cedo porque minha mãe chegaria em casa tarde e eu me comprometi a fazer o jantar. Daichi se prontificou a ir comigo, mas eu disse que não era necessário. Ele engoliu seco, sentindo a bebida energética que havia tomado antes de entrar no ginásio dar voltas em seu estômago. O que era aquela sensação?

"I-Isso é somente boato," Asahi corou violentamente, mas sua voz soou séria, "Daichi-san e Michimiya-san não estão namorando eu tenho certeza."

O olhar que seguiu aquela afirmação fez o coração do rapaz de cabelos acinzentados se aquecer. Asahi era o único do time que sabia do relacionamento entre capitão e vice-capitão e isso porque eles deliberadamente contaram a verdade. Estávamos juntos há três meses e decidimos que não era justo que Asahi não soubesse. O amigo ouviu a tudo depois da aula, sentado em seu assento e olhando de um para o outro sem esboçar nenhuma reação. Sugawara lembrava-se de ter ficado nervoso, temendo alguma oposição e até mesmo palavras duras e preconceituosas. Em momento algum ele esqueceu-se de que eram dois rapazes e aos olhos da sociedade aquela relação era um erro.

A reação de Asahi, todavia, foi um sincero parabéns, seguido por um caloroso sorriso. Ele agradeceu o voto de confiança e disse que estava feliz por saber de algo tão íntimo. Ao ser questionado se não achava estranho ou se aquele detalhe não afetaria a amizade que tinham, o sorriso se desfez e em um dos raros momentos ele ficou sério e afirmou que não era aquele tipo de pessoa, e que jamais deixaria que isso fosse um empecilho. Pouco mais de um ano após aquela conversa, seria a vez do moreno passar por situação parecida, ainda que não houvesse chegado o dia em que ele abriria seu coração e confirmaria o que Sugawara vinha desconfiando há algum tempo: que seu amigo e o Líbero do time eram mais do que meros colegas.

"O que está acontecendo? O que eu perdi?"

A voz calou o círculo e todos os olhos se focaram em sua direção. Daichi havia retornado e segurava uma bola de vôlei em uma de suas mãos, encarando-os com curiosidade.

"Então, do que vocês estão falando?"

Ninguém ousou responder e aos poucos o círculo se desfez, com cada um seguindo para um lado. Sugawara conservou-se onde estava, remoendo o que havia escutado e sem entender porque agora, depois de anos, ele se importava com aqueles boatos. Eu melhor do que ninguém sei que são falsos. Porém, embora sua mente soubesse disso, seu coração tornou-se apertado e foi impossível forçar um sorriso quando Daichi se aproximou e indagou mais uma vez o motivo de toda aquela agitação. Ele sabia que poderia simplesmente responder, mas as palavras lhe faltaram e tudo o que conseguiu foi menear a cabeça em negativo, afirmando que não era nada importante.

O treino daquela tarde foi diferente do que ele imaginou quando pisou no ginásio. Os levantamentos foram divididos com Kageyama e o rapaz de cabelos acinzentados teve várias chances de mostrar seu talento, no entanto, dessa vez sua concentração estava em frangalhos. O corpo poderia saber onde deveria jogar a bola, mas a comunicação não funcionou e de todas as suas tentativas apenas duas foram bem sucedidas. Os olhares preocupados em sua direção só pioravam a situação e ele desculpou-se antes de sentar-se no banco, alegando que não se sentia muito bem. Hinata se prontificou a acompanhá-lo até a enfermaria, contudo, teve a sugestão negada com um meio sorriso e a garantia de que o mal estar passaria após um pouco de descanso.

O restante do tempo foi passado ao lado do treinador Ukai, que vez ou outra fazia alguma pergunta sobre os lances, cujas respostas eram vagas. Sugawara encarava a quadrada e seus jogadores, mas em sua mente tudo o que passava era a cena de Daichi acompanhando Yui até sua casa. Ao final, o treinador bateu palmas e fez algumas observações antes de dispensá-los. Ele sentiu-se culpado por sua desatenção, sabendo que estavam em um momento crucial e que exigia que sua atenção fosse 100% no time.

"Sugawara..." A voz de Ukai o fez virar o rosto. "Você sabe o que mantém esse time de pé?"

"Bons... jogadores?" A resposta demorou alguns segundos para ser dada.

"Isso também, mas há algo mais. Você precisa de mente e coração para levar um time para frente. Não importa quantas jogadas mirabolantes sejam criadas, se não houver interação entre os jogadores elas serão perdidas."

"Entendo..."

"Daichi é o cérebro desse time e também a alma. Ele conhece o potencial de cada um, seus defeitos e qualidades, e os utiliza da melhor forma possível para obter o melhor resultado. Mas você, Sugawara, você é o coração."

"E-Eu?" Ele surpreendeu-se pela denominação.

"Sim. É você, ao lado de Daichi, que mantém esse time vivo, por isso é importante que você nunca se esqueça que esses rapazes dependem de você, seja dentro ou fora das quadras."

A pausa foi proposital e somente naquele instante ele percebeu que estavam sendo observados. Hinata enxugava o suor com uma toalha, entretanto, lançava olhares preocupados, Asahi vestia uma expressão triste e parecia pronto para se desculpar... aos poucos os olhares aumentaram e as palavras de Ukai fizeram sentido.

"Desculpe, eu estou distraído hoje."

"Você não precisa se desculpar, todos nós temos problemas e cada um sabe a melhor maneira de resolvê-los." Uma pesada mão pousou sobre um de seus ombros. "Resolva o que tiver de ser resolvido, Sugawara, e retorne para o time com o coração aberto. Eles precisam de você."

Ukai apertou levemente seu ombro antes de se afastar, deixando-o totalmente sem palavras. O sentimento de culpa por ter se distraído com algo tão ridículo quanto um boato o atingiu fundo, e saber que havia preocupado não apenas seus colegas de time, como também o técnico, intensificou aquela sensação de pura derrota. Eu mal jogo e ainda preocupo os outros. Francamente, eu sou uma decepção. Os lábios tremeram levemente, todavia, ele respirou fundo, afastando o desânimo. Nada que algum tempo cozinhando na banheira e uma noite bem dormida não curassem.

Sugawara optou por tomar banho em casa, mas esperou que os amigos deixassem o vestiário. Grande parte do time já havia ido embora, porém, como sempre acontecia, aquele grupo em especial geralmente deixava os treinos juntos e naquele começo de noite não seria diferente. Nishinoya sugeriu que fossem comer nikuman e todos consentiram. O rapaz de cabelos acinzentados não estava com fome, mas sentia que se decidisse ir direto para casa acabaria criando mais preocupações desnecessárias.

"Você melhorou, Suga?" A voz de Daichi veio do seu lado direito e acompanhada por olhos sérios. "Eu posso te acompanhar até sua casa, se quiser."

Ele engoliu seco e imaginou se fora dessa maneira desinteressada que o moreno propôs acompanhar Michiyama Yui. O pensamento fez seu estômago dar voltas e aquela estranha sensação retornou, fazendo-o sentir um repentino incômodo.

"Eu estou bem, obrigado."

Hinata e Nishinoya saíram da loja de conveniência com dois sacos cheios de nikuman. Sugawara agradeceu, mas disse que não se sentia bem para extravagâncias e sugeriu que Hinata comesse o seu. A caminhada a partir dali seria curta, já que em determinado ponto eles seguiriam caminhos distintos. As conversas cessaram enquanto os bolinhos eram degustados, mas não por muito tempo. Sugawara havia percebido que Nishinoya e Tanaka estavam ainda mais inquietos do que o normal e suspeitava do que se tratava aquela hiperatividade extra.

"Daichi-san, por favor, diga a verdade!" Tanaka foi para frente do grupo e abriu os braços.

"Nós precisamos saber!" Nishinoya correu para o seu lado e repetiu o gesto.

Daichi parou de andar, arregalando os olhos e tentando manter o bolinho pendurado em sua boca enquanto utilizava as mãos para ajeitar a alça da bolsa esportiva. Sua expressão era de genuína surpresa e ele não se importou em escutar o que tinham a dizer. Quando a pergunta foi repetida, Sugawara apertou a jaqueta que vestia, sentindo o coração bater mais forte e receando ouvir a resposta. Asahi aproximou-se de Nishinoya, puxando-o e implorando que ele parasse com aquela história.

Os olhos do amigo pousaram sobre Sugawara como se pedissem desculpas.

O capitão do time não respondeu, pelo menos por algum tempo, o que elevou a curiosidade até mesmo daqueles que fingiam não se importar, como Tsukishima. O silêncio foi arrastado e Sugawara ousou erguer o rosto, esperando ver que tipo de expressão Daichi exibia. A pessoa ao seu lado olhava para frente, como se escolhesse as palavras que deveria usar. No entanto, quando se sentiu observado, ele virou o rosto e foi impossível que não se encarassem.

"Não, eu não estou namorando a Yui." A resposta soou normal, sem exageros ou entonações. "Somos somente amigos."

"M-Mas você a levou até em casa, não é?" Tanaka parecia uma donzela corada degustando qualquer sinal de romance alheio.

"Sim, e daí? Eu também acompanho Shimizu. Hinata e Kageyama às vezes levam Yachi até em casa. O que há de mal nisso?" O moreno virou-se para os dois rapazes em questão. "Algum de vocês está namorando a Yachi?"

"Não!"

A resposta de Hinata e Kageyama foi em uníssono, e por um momento Sugawara sentiu-se sorrir. Você é maldoso, Daichi. Você sabe que Kageyama e Hinata estão juntos. O clima tornou-se menos pesado e o restante do caminho foi feito entre gracejos e brincadeiras, com Tanaka e Nishinoya desejando acompanharem Kiyoko até sua casa. A despedida foi um breve aceno e eles se dispersaram em duplas e trios. Tsukishima seguiu com Yamaguchi, Kageyama com Hinata, e Tanaka juntou-se a Nishinoya e Asahi. O rapaz de cabelos acinzentados suspirou, sabendo que não estava sozinho e que seria escoltado até sua casa de qualquer maneira.

"Eu estou apenas preocupado com você," sua companhia pontuou ao recomeçarem a andar, "e porque quero passar um pouco mais de tempo ao seu lado."

"Eu estou melhor, foi só um mal estar," ele sentiu-se péssimo por mentir, mas soava melhor do que a verdade.

"Era esse o assunto que vocês estavam falando quando entrei no ginásio? Eu estranhei vê-los em círculo e tão quietos." Daichi tocou no assunto com extrema naturalidade. "De onde eles tiraram aquelas coisas?"

"Alguém te viu acompanhando a Yui. Várias pessoas estão falando sobre isso."

O moreno suspirou longamente, movendo a cabeça de um lado para o outro e reafirmando que a imaginação dos colegas de time era infinita. Sugawara concordou e riu, contudo, somente por fora. Ele compreendia que aquele assunto era descabido e que não havia a menor chance de Daichi e Yui serem mais do que amigos, mas aquele novo sentimento parecia incrustado em seu peito.

Caminhar ao lado daquela pessoa após um longo dia era um de seus momentos favoritos, entretanto, naquele fim de tarde Sugawara desejou estar só, com seus pensamentos e tentando entender o que era aquela nova e incômoda sensação. O problema era que, se ele falasse que poderia ir sozinho, acabaria criando questões que gerariam outras questões e, no final, certamente se arrependeria de não ter andado de boca fechada.

Sua casa surgiu após alguns minutos em silêncio. Os assuntos terminaram depois alguns quarteirões e infelizmente ele não se sentiu inclinado a elaborar nada. As luzes estavam acessas e Sugawara abriu o pequeno portão enquanto se despedia para ganhar tempo. Uma conhecida mão o segurou pelo braço com gentileza, tornando impossível que os dois não se encarassem uma última vez.

"Se cuide, está bem? Tome um banho quente e coma alguma coisa e descanse." Os olhos sempre sérios e atentos exibiam uma genuína preocupação e ele sentiu-se ainda pior por tentar evitá-lo. Por que eu não consigo dizer o que estou sentindo? Nós nunca escondemos nada um do outro.

"D-Daichi, eu..." Sugawara mordeu o lábio inferior, recuando. O que eu direi? Como vou explicar? Isso é patético! A cabeça meneou em negativo e o mesmo sorriso de todos os dias pintou seus lábios, como uma máscara. "Obrigado por se preocupar, nos vemos amanhã."

"Boa noite."

Ele deu as costas sabendo que estava sendo observado. Seu corpo virou-se antes de abrir a porta, acenando e tentando ao máximo passar a imagem de que tudo estava bem, embora não estivesse. Quando a porta se fechou, o baixo "Estou em casa" foi tão desanimado que a mãe não chegou a ouvi-lo. Os tênis foram retirados sem emoção e Sugawara jogou-se em um dos sofás, cobrindo o rosto com um dos braços e sentindo-se a pior pessoa do mundo.

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O longo e relaxante banho, o jantar reforçado e delicioso, a noite bem dormida... nada disso ajudou, e aqueles sentimentos negativos pareciam crescer a cada dia, roubando pouco a pouco o que lhe dava ânimo e esperança. As suspeitas do pseudo namoro entre Daichi e Yui não cessaram e era o assunto favorito entre Nishinoya e Tanaka. Hinata e Kageyama pareciam menos motivados a se juntar à conversa, e ele sabia bem o motivo: os dois rapazes eram como crianças que mudavam o foco assim que outra coisa mais interessante surgia.

Havia se passado três dias desde que os boatos recomeçaram e nesse tempo o contato entre Sugawara e Daichi foi basicamente em quadra. Os treinos se estendiam até tarde e todos retornavam exaustos para casa. Aquela rotina muito lhe agradava, uma vez que não criava qualquer oportunidade para ser questionado. As mensagens trocadas à noite continuaram, e daquela forma ele sentia-se menos culpado. Todavia, com o final de semana se aproximando, sua segurança vacilou. Ele ainda não compreendia totalmente o que estava acontecendo e não sabia como reagiria quando estivessem sozinhos. Nós sempre saímos aos finais de semana. Se eu desmarcar Daichi desconfiará. Sugawara ansiava por aquelas horas a sós, sentindo falta do companheirismo, dos toques...

"Eu estava pensando em cozinhar, o que acha?"

A pergunta o trouxe de volta à realidade e o lembrou de que seria impossível continuar a fugir.

"Eu gosto da ideia. Eu levarei a sobremesa. Pudim?"

"Pudim!"

Os pais de Daichi viajariam no final de semana e deixariam a casa livre. Aquele dia estava sendo planejado há pouco mais de dois meses e Sugawara sabia que precisaria lidar com aquelas emoções até o sábado. Eu me recuso a jogar uma chance dessas no lixo. É tão difícil termos a casa somente para nós. Seus passos diminuíram de velocidade até pararem completamente. Daichi ainda caminhou um pouco até notar que estava sozinho, virando-se devagar e o olhando com curiosidade. Os lábios se entreabriram e ele viu ali a oportunidade de compartilhar o que sentia na esperança de se fazer entender.

Sugawara não queria mais mentir ou forçar sorrisos. Aqueles não eram eles.

"D-Daichi..."

O moreno o encarou, esperando pelo que viria em seguida.

Porém, seu foco mudou e os olhos negros saíram daquela altura, fixando-se em outra coisa, outra pessoa. Alguém passou rapidamente ao lado de Sugawara, parando em frente a Daichi. A garota era baixa, cabelos curtos e vestindo o uniforme do colégio. Sua voz era energética e ela parecia ansiosa, implorando para falar com ele ainda naquele dia.

De onde estava, o rapaz de cabelos acinzentados viu o envelope que Yui tentava esconder e deduziu do que se tratava. Seu estômago deu tantas voltas que seu café da manhã, mesmo que digerido, parecia querer retornar. A dor em seu peito havia piorado e apesar de saber que encará-los o machucaria mais era impossível desviar os olhos.

Não quando aqueles dois pareciam tão naturais juntos.

A cena de anos atrás retornou e ele viu-se claramente sentado no ginásio e recostado a uma das paredes. O time já havia ido para casa e ambos eram os únicos que ficaram para treinar. Suas pernas estavam doloridas e seus dedos cansados de fazer tantos levantamentos, mas ele se sentia genuinamente feliz. Ultimamente, não havia nada que colocasse um sorriso em seus lábios como jogar vôlei com aquela pessoa.

Nós estávamos rindo de alguma coisa e eu me lembro de ter bebido um pouco da bebida em minha garrafa. Era uma bebida esportiva de cereja. Aquele seria também o gosto de seu primeiro beijo com Daichi. Os dois se encararam e como se o universo houvesse se alinhado, as faces se aproximaram e os lábios se encontraram. O beijo foi longo e perfeito. As bocas se encaixavam como se houvessem sido feitas para aquele instante. O local, o contexto, o fato de serem dois rapazes... de repente nada disso importou e Sugawara sentiu que todos aqueles meses de amizade o levaram para aquele exato momento.

Quando os olhos finalmente se abaixaram a dor em seu peito havia se modificado. Sim, ele continuava triste por saber que não importasse o quanto tentasse jamais poderia assumir totalmente o lugar de uma garota. No entanto, havia mais do que tristeza, uma raiva que não estava ali até ontem ou anteontem. Ver Daichi tentando se desvencilhar da garota o deixou irritado, sem entender porque ele simplesmente não dizia que estava ocupado. Seus pés deram meia-volta e o rapaz de cabelos acinzentados cruzou o corredor com passos largos e firmes. Nutrir aqueles sentimentos negativos não fazia parte de sua personalidade ou filosofia de vida, mas eles existiam, eram parte de quem ele era.

Antes de Daichi, Sugawara teve duas namoradas e foi o responsável por terminar ambos os relacionamentos sem sentir nada além de um pouco de culpa. Com o moreno, era como se suas emoções estivessem sempre na superfície. O entendimento mútuo que sempre foi a característica principal da amizade que tinham havia se potencializado quando começaram a namorar. O único porém era que, por serem mais do que amigos, algumas coisas, alguns sentimentos, eram difíceis de transmitir.

Ele o fazia rir quando estavam a sós assistindo tv.

Ele o fazia corar quando estavam sobre o futon.

Ele o fazia sentir-se erótico enquanto faziam amor.

E ele o fazia tão feliz que o simples pensamento de perdê-lo despertou algo que havia permanecido dormente por todos esses anos.

Continua...