Harry Potter e demais personagens, lugares e nomes são pertencentes a J. K. Rowling e seus outros detentores. Esta obra é meramente fictícia, cujo desenvolvimento se passa entre o último capítulo e o epílogo de Harry Potter and the Deathly Hallows.


Verdades Inconvenientes

CAPÍTULO UM

Quando finalmente me tiraram os feitiços e as enfermeiras me persuadiram a usar os membros com prudência - sentindo-me nauseado por elas falarem comigo como se fosse um bebê -, Eliot Cole disse que eu deveria ir viver no campo.

- Um bom ar, uma vida calma e nada para fazer – recomendou ele, com sua cara bonachona. - É o que lhe receito, sr. Potter. Coma, durma e tente imitar o reino vegetal o máximo que puder.

Não lhe perguntei se alguma vez poderia voltar a ativa. Há perguntas que não se fazem com medo das respostas. Foi por essa razão que nos últimos cinco meses nunca perguntei se estava condenado a passar toda a minha vida entrevado. Temia uma resposta tranqudizadora e hipócrita das enfermeiras ou do próprio Cole, que me parecia um homem sensato, embora pudesse fazer o mesmo jogo que as primeiras.

Por isso, não perguntei e correu tudo bem. Não ia ser um inválido desamparado. Podia mexer as pernas, firmar-me nelas e finalmente dar alguns passos. Talvez demorasse um pouco para me reestabelecer, mas a idéia não me deixava assim tão mal.

- O senhor se recuperará completamente – voltou Eliot Cole, assutando-me com aquela afirmativa, pois parecia ter acabado de ler a minha mente. - Tivemos dúvidas até terça-feira passada, quando o examinamos pela última vez, mas agora posso lhe afirmar com certeza. Porém... vai ser um trabalho longo. Um trabalho longo e, se me permite dizer, cansativo. Quando se trata de curar os nervos e os músculos, o cérebro tem de ajudar o corpo. Qualquer impaciência, qualquer inquietação o fará regredir. E, faça o que fizer, não obstine em melhorar depressa. Qualquer coisa desse gênero e dará de novo neste hospital! Tem de levar a vida lenta e brandamente, a marcação do tempo será essencial. Não é só o seu corpo que terá que se recuperar; os seus nervos também estão debilitados porque tivemos de mantê-los sob medicação durante muito tempo.

Cole deu um longo pigarro, um tanto assustador para mim, é verdade.

- É por isso que digo: vá para o campo, alugue uma casa, se interesse pela política e pelos escândalos locais, pelos mexericos da aldeia. Se interesse pela vida de seus vizinhos. Se me permite uma sugestão, vá para uma parte do mundo onde não tenha amigos nem familiares espalhados pelas imediações. É bom tê-los por perto, é claro, mas longe suficiente das chateações que proporcionam, pelo menos por enquanto.

Acenei que sim com a cabeça, emendando:

- Eu já tinha pensado nisso, quero dizer, Ginny havia sugerido a mesma coisa.

Então, assim que tive alta de St. Mungos, Ginny e eu tratamos de procurar um lugar agradável que fizesse jus as recomentações do dr. Cole.

Após uma corrida desesperada por imobiliárias, escolhemos Little Kent, em Fridgestone, ao sul da Inglaterra, como a nossa nova morada. A casa ficava a oitocentos metros dos limites da cidade, na estrada que levava às charnecas. Era uma casa branca, baixa e simples, com uma varanda vitoriana inclinada, pintada de azul. Tinha uma vista agradável sobre uma encosta coberta de lirios, onde podia se ver quase toda a cidade.

Little Kent pertencera a uma família de senhoras solteiras, as quais só restava uma, a distina srta. Hawkins.

A srta. Evelyn Hawkins era uma velhinha encantadora que se assemelhava incrivelmente a casa. Numa voz afável e arrastada explicou à Ginny que nunca tinha alugado a casa antes, na verdade, nunca pensara em tal coisa, mas atualmente as coisas estavam diferentes.

- Oh, os impostos e depois os valores da bolsa, que sempre imaginei tão seguros, e havia sido o gerente do banco em pessoa que me recomendara a aplicar, porém parece que hoje em dia não rendem absolutamente nada. Estrangeiros, claro! E isso torna tudo muito dificil. Uma pessoa não gosta - tenho a certeza de que me compreende, minha querida, e que não vai se ofender, parece tão amável - da ideia de alugar a casa a desconhecidos... mas tenho de fazer alguma coisa e, na verdade, agora que a vi vou ficar bastante satisfeita por pensar em sair daqui... Tive medo de alugar Little Kent a esses estranhos que tanto povoam a Inglaterra hoje em dia. Dizem que são bruxos, mas na verdade acho todos um bando de delinquentes. Pode ter certeza que estes nunca teriam lugar em minha casa.

Notei um certo desconforto em Ginny, de modo que ela desviou o assunto habilmente, tendo em foco minha convalescencia

- Oh, meu Deus! Sim, estou vendo. Que pena! – grasnou a velha, me cercando como as enfermeiras de St. Mungos. - Um terrivel acidente após um cerco de bandidos? Oh, são tão corajosos estes homens! Por outro lado, o seu marido está praticamente inválido, não é mesmo, querida?

O rumo da conversa me deixou um pouco constrangido, ainda mais com o olho gordo da srta. Hawkins sobre meu estado. Logo resolvi mudar de assunto, tratando dos negócios do aluguel da casa. Ficou resolvido que alugaríamos Little Kent por um período de seis meses, com opção de mais três.

O contrato então foi assinado e, no momento devido, minha esposa e eu chegamos e nos instalamos, e como Floribel, a criada da srta. Evelyn Hawkins, concordara em ficar, fomos muito bem tratados e recebidos.

Floribel, uma mulher de meia-idade, magra e austera, cozinhava admiravelmente, e embora discordasse de jantares tardios, adaptou-se aos nossos hábitos muito rapidamente.

Quando já estávamos instalados em Little Kent havia uma semana, Evelyn Hawkins apareceu e deixou o seu cartão de visita. Seu exemplo foi seguido pela sra. Stone, a mulher do advogado, srta. Holmes , a irmã do médico local, sra. McTail, a mulher do vigário, e o sr. Summer, da mansão conhecida como Flint Harbor.

Ginny ficou um pouco impressionada com o festival de cartões de visita.

- Não sabia - disse ela numa voz horrorizada - que as pessoas faziam mesmo visitas... com cartões.

- Isso é porque você não sabe nada sobre o campo, principalmente o campesinato trouxa – disse eu.

- Ei! Eu morei no campo, para o seu conhecimento.

- Isso não é de forma alguma a mesma coisa - retornei. – Você viveu na parte bruxa, mágica, enfim... não é a mesma coisa.

Sou um ano mais velho do que Ginny, e estamos casados há dois. Quando terminei os estudos no curso de aurores e ela iniciado a jogar quadribol num time de pouca expressão da Inglaterra, decidimos, juntos, que seria a hora oportuna de nos unir.

Fora um casamento simples, mas grandioso em minhas recordações. Ginny havia ficado linda, fantástica, os cabelos ruivos presos num estilo diferente, os olhos verdes brilhantes e as flores presas em seu corpo, formando um conjunto deslumbrante. E atrás desta obra-prima, a Toca se perfazia como um interessante elemento do cenário, assim como os inumeros convidados.

Lembro-me agora da Toca, uma casa grande e em mau estado, onde ela vivia quando era mais jovem ao lado de sua familia. Recordo-me das aventuras que passei com o seu irmão, Ron Weasley, hoje casado com a querida amiga Hermione. Por mais que os tempos fossem sombrios naquela época, sem dúvida, sou muito grato por ter convivido ao lado de meus companheiros, independente da ameça eminente de Voldemort e da sina reservada a mim ao termino da guerra.

Embora me desperte tantas ruminanças, umas boas e outras ruins, julgo que não seja importante colocar meu passado e a de Voldemort aqui. O que importaria agora seria o futuro e como as coisas iriam se desenrolar daqui para frente. Como diria Albus Dumbledore, que tanto me ensinara, o que tiver que ser será, e nós o enfrentaremos quando vier.

Nesse espirito aventureiro, mesmo que entrevado momentaneamente (chegará o momento que explicarei como me ocorreu o acidente), passei a seguir as instruções do dr. Cole. Como ele havia me dito mesmo? Ah, sim... deveria me deleitar com os escandalos locais. Claro que que não suspeitava da forma como iria tomar conhecimento desses escandalos.

O mais estranho foi que a carta, quando chegou, nos divertiu mais do que qualquer outra coisa.

Se não me engano, havia chegado na hora do café da manhã. Virei-a ocasionalmente e vi que se tratava de uma correspondencia local, com o endereço datilografado.

Abri a misteriosa carta antes das outras duas, que vieram juntas ao bolo que Floribel tinha feito e me entregado na ocasião. O conteúdo não podia ser mais estranho. Palavras e letras recortadas numa folha amarelada de papel. Durante um minuto ou dois olhei para as palavras sem as perceber. Depois respirei com dificuldade.

Ginny, que franzia a testa enquanto via umas contas, ergueu o olhar:

- O que foi, meu bem? – perguntou ela - Parece espantado.

Usando termos dos mais grosseiros, a carta exprimia a opinião do autor de que eu me interessava por homens e Ginny se tratava de uma autêntica vadia. Encerrava dizendo que nosso casamento era puramente de fachada.

- É uma carta anônima particularmente obscena e maldosa - disse eu.

Ainda estava em estado de choque. Por qualquer razão, uma pessoa não esperava esse tipo de coisa na calmaria chamada Fridgestone.

Ginny mostrou logo um vivo interesse.

- Sério? Deixe-me ver!

Reparei que, nos romances, as cartas anônimas de tipo infame e repugnante nunca são mostradas, se possível, às mulheres. Dá a entender que as mulheres deveriam ser protegidas a todo o custo do choque que elas produziriam nos seus delicados sistemas nervosos.

Lamento dizer que nunca me ocorreu não mostrar a carta à Ginny. Ela não era do tipo frágil, tampouco se impressionaria tanto ao ponto de se jogar em lágrimas. Por isso, entreguei-lhe imediatamente.

Ela justificou a minha crença na sua firmeza de espírito, não traindo qualquer outra emoção além de divertimento.

- Que coisa nojenta! Sempre ouvi falar de cartas anônimas, mas nunca tinha visto nenhuma. São sempre assim?

- Não sei dizer - falei. - Também é a minha primeira experiência.

Ginny teorizou.

- Suponho que alguém tenha descoberto nossa condição mágica, Harry, e agora quer nos atacar com estas... estas coisas sem o menor cabimento. Talvez a pacata srta. Hawkins?

- Não creio, se fosse a srta. Hawkins já teria feito um levante com archotes para nos expulsar de sua casa. E outra, também não agimos como loucos mostrando nossas varinhas por aí.

Ginny anuiu pensativamente.

- Sim, é verdade.

- Há alguém que quer ser engraçadinho, tomando esta brincadeira como uma espécie de boas vindas – argumentei sem muita emoção.

Ginny disse que achava tudo horrivelmente cômico. Balançou a carta pensativamente por uma ponta e perguntou o que íamos fazer com ela.

- Creio que o procedimento correto - disse eu - é jogá-la à lareira com uma viva exclamação de nojo.

Pus em prática o que disse, e Ginny aplaudiu.

- Fez muito senhor de si, hm? - acrescentou ela. - Deveria ter sido ator ao invés de auror, que na primeira missão, já se mete em confusão e fica entrevado.

- O cesto dos papéis seria muito menos dramático – comentei, ignorando a observação ironica feita por minha esposa. - Claro que eu podia ter atiçado fogo com minha varinha e ter ficado vendo a carta arder... vagarosamente.

- As coisas nunca ardem quando nós queremos - disse Ginny. - Apagam-se. Provavelmente teria que ficar atiçando o fogo com a varinha várias vezes.

Levantou-se e foi até à janela. Depois virou a cabeça bruscamente.

- Gostaria de saber quem a escreveu - disse ela.

- Provavelmente nunca saberemos.

- Não, suponho que não. - Ficou calada um momento e depois disse: - Pensando bem, não tem graça nenhuma. Sabe, eu achava que eles... que eles gostassem de nós.

- E gostam - disse eu. - Isto é só um cérebro tresloucado no limite da sanidade.

- Suponho que sim. Que desagradável!

Quando ela saiu para a luz do sol, e enquanto observava a paisagem pela janela, pensei com os meus botões que ela tinha razão. Era bastante desagradável. Alguém estava ressentido com a nossa vinda para cá, alguém se ressentia da beleza viva, jovem e sofisticada de Ginny... alguém queria nos fazer magoar. Reagir a isto com uma gargalhada talvez fosse a melhor maneira, mas lá no fundo não tinha graça nenhuma...

O que eu não sabia naquele instante era que as coisas só estavam começando. Um jogo ardiloso, repleto de armadilhas, preparava-se para me pegar em cheio.