Mas que figura exótica tu eras. A pele pálida, uma tela branca, salpicada de respingadas sardas acobreadas. Parecia tão macia de se tocar, tive que me conter várias vezes, pela inconveniência do momento. Os lábios, finos, levemente curvos, que belos ficavam quando falavas, favorecidos pelo sotaque francês atenuado. Certamente era charmoso. Um olhar sábio, íris de um castanho-avermelhado invejável e até duvidoso, pareciam sempre distantes, olhando através das janelas, como entretidas em uma realidade além da nossa. Deveras, eras escritor. Canetas e cadernos, e na falta destes, guardanapos, te faziam sempre companhia. Não bastasse as descrições já feitas de trejeitos e de seu belo rosto, este era emoldurado com longos e sedosos cabelos ruivos, que mantinhas soltos em franja e certo desalinho proposital. Ás vezes, quando o tempo proporcionava certo frio, estavam encobertos com uma boina escura discreta, que combinava com o sobretudo. Creio que o local lhe fosse inspirador, ou era simplesmente conveniência, mas sempre estavas naquele café. E quando, fortuito dia que lhe vi ali pela primeira vez, tragado pelo magnetismo impactante que transmitias, permiti-me testar no dia seguinte se o frequentava pontualmente, e confirmando, passei a estar ali os dias necessários para as constatações anteriores. Sentavas sempre no mesmo lugar, mais afastado, ao fundo, com pouca luz e muita história. Nunca acompanhado, te bastavam as ideias e o café. Até então, conhecia sua voz baixa apenas pelo pedido de café, preto e com açúcar, s'il vous plaît. Qual foi meu prazer ao ouvir, quando decidira apresentar-me, tua voz calma a me dizer que demorei ao fazê-lo. Sim, ingênuo fui em pensar que estivesses tão submerso em si mesmo que não perceberias um estranho a fitar-lhe tantos dias seguidos. Sentei-me à sua frente, e conversamos como se nos conhecêssemos há tempos. Em seus olhos, vistos dessa vez diretamente refletidos nos meus, senti o calor de uma alma densa e independente, porém receptiva. E quando suas mãos, de dedos longos e finos deixaram a xícara e se encontraram com as minhas por cima da mesa, percebi que eram frias, mas me envolveram com ternura. A música ao fundo, curiosamente francesa, fez-se oportuna em embalar nosso primeiro beijo. Um leve roçar de lábios, cúmplices, breves. Nos demos conta do horário quando o bom senhor educadamente disse que precisava fechar. Atravessamos a porta de mãos dadas, acompanhados dos cadernos, canetas e café para viagem. As folhas amareladas embaladas pelo vento nas calçadas, e o por do sol no horizonte. Um dia, o primeiro de muitos anos, ao seu lado.