ON THE ROAD

Nota da autora:

Bem, eu tentei me segurar por pelo menos 3 semanas - tão patético. Eu sou como um desses cantores que vivem se aposentando e de repente começam uma tourné de "retorno" antes mesmo que a gente tenha a chance de sentir falta deles. Mas, tudo bem...
Esta é uma sequência de "In Hiding". Se você ainda não leu IH, não vou tentar convencê-lo a ler. Este é para ser auto-explicativo. Kate e Sawyer estão vivendo juntos e agora fogem dos federais. Este capítulo é quase como um prólogo... ele expõe um bocado dos temas e tramas que serão conduzidos na fic. E esta estória irá, provavelmente, se focalizar em Kate, já IH era mais focalizada em Sawyer. Será sombria, mas se você insistir nela, acho que o final não irá desapontá-lo. Seja como for, chega de comentários!

Capítulo 1 – Traduzido por AnaFord

Kate empurrou a porta de tela com o pé para abri-la e desceu pelos toscos degraus de madeira da modesta cabana, construída com três tábuas inclinadas quase que verticalmente, como uma escada de mão. O degrau de baixo estava podre e ela o sentiu curvar-se perigosamente com o seu peso, mas ela pulou fora ligeiramente e se encaminhou para a clareira. Em suas mãos uma jarra azul de plástico, que ela colocou no chão, próximo de uma bomba estreita de metal que se levantava a cerca de um metro e meio do chão. Puxando a alavanca, que rangia e gemia enquanto ela a levantava, Kate esperou impacientemente pela água começar a jorrar.
Subitamente, ela levantou a cabeça, escutando. Ela empurrou a alavanca para baixo, interrompendo a pressão e silenciando a batida regular da bomba. Agora silenciosa de novo.
Uma brisa leve e fria sussurrou pelos altos das árvores e afastou suavemente uma mecha de cabelos de seu rosto. Ela puxou a jaqueta fina de algodão para perto de seu corpo.

Dando um passo para longe da bica d'água, ela examinou a clareira, todos os seus sentidos em alerta. A mata era mais fechada ali, escura, composta, em sua maioria, de pinheiros e abetos, o chão coberto de um grosso tapete de folhas pontudas que abafavam e absorviam os sons. Ainda assim, seus instintos estavam tão afinados que ela estava quase certa de que havia escutado algo.
Ela calculou mentalmente a distância até a cabana, onde as armas estavam. Se ela desse uma corrida, poderia cobri-la em poucos segundos. Mas agora o estalo de um galho a congelou novamente, fazendo-a virar a cabeça na outra direção, os músculos tensos. Ela esperou, segurando o fôlego, gotas de suor frio brotando de toda a parte de seu corpo.

Pelo canto do olho ela viu um brilhante borrão vermelho vindo até ela da outra direção. Antes que ela pudesse virar a cabeça ou levantar os braços por defesa, o mundo estava virando de cabeça para baixo, e ela estremeceu enquanto caía de costas com um barulho surdo, com seus braços seguros acima de sua cabeça, momentaneamente sem ar.
Levantando os olhos, ela encarou por alguns segundos o rosto que pairava sobre ela e então, fechou os olhos, aborrecida.

"Muito engraçado," disse ela.

O cabelo de Sawyer caía como um halo em volta de seu rosto barbado como tufos oleosos de cabelo de milho e seus lábios ressecados e rachados se curvaram para cima, com uma insinuação de divertimento.

"Pensei que tivesse te dito pra levar a arma toda vez que saísse por aquela porta."

"Eu só vim pegar água."
"E olha o que aconteceu," disse ele triunfantemente. "Algum doido sai da floresta e aqui está você, caída no chão, pronta pra ser apanhada."

"Eu podia te fazer uma concussão agora mesmo, se quisesse."

"Pode ser... Mas se tivesse sido um deles, já teriam te colocado umas algemas. Ou talvez te deixado inconsciente com um desses tasers bonitinhos que eles gostam de carregar por aí."

Kate suspirou cansada. "Tudo bem. Você provou sua tese." Ela permitiu que ele aproveitasse uns poucos segundos de vitória e então mandou, "Agora, sai de cima de mim."

"Tem certeza disso?" perguntou ele maliciosamente, se inclinando para soltar o ar levemente em seu pescoço, o que imediatamente causou arrepios em sua pele. Ele largou seus pulsos e correu as mãos por seu corpo, traçando a curva de sua cintura antes de movê-las de novo para cima.

Tirando vantagem de distração momentânea dele, ela se jogou contra seu peito com toda a sua força, jogando seu peso contra ele no mesmo movimento, jogando-o no chão ao seu lado, revertendo suas posições num segundo.

"Tenho certeza," disse ela com um sorriso travesso, ainda enclinada sobre o peito dele.
Ele sorriu de volta, mas enquanto ela o observava, uma sombra passou pelo rosto dele. Toda a brincadeira morreu em sua expressão, enquanto ele se sentava.

"Droga," ele murmurou, parecendo preocupado. "Esqueci."

"Que foi?" perguntou ela, confusa.

Ele voltou o olhar para ela, cuidadosamente. "Eu não devia ter feito isso... te jogar no chão desse jeito. Acho que temos que ser mais cuidadosos daqui em diante."

De repente ela entendeu do que ele estava falando e a idéia a assustou e a irritou ao mesmo tempo. A assustou porque ela tinha esquecido também. Mas a razão da raiva era inexplicável. Não conseguia dizer de onde ela vinha, mas era instantânea e ela a direcionava para Sawyer por falta de uma alternativa melhor.

"Nós não temos certeza ainda," disse ela, o tom sombrio e proibitivo. "E eu estou ótima. Nada tem que mudar."

Ele a observava, sem responder, mas ela podia ver que ele não estava acreditando nem por um segundo. Ele parecia estar triste por ela, o que ela odiava mais que tudo. Também parecia que ele queria falar sobre isso, algo que eles ainda não tinham feito ainda. Mas ela não conseguia. Ainda não estava pronta para passar por isso de novo. E para quê? Não havia nada novo a ser dito, e eles já tinham passado por tudo isso.

E agora parecia que ele estava prestes a chamá-la pelo nome... Ela praticamente podia vê-lo engatando nessa direção, se preparando para isso. Seu rosto se revestiu com aquela expressão séria e pensativa que era o primeiro sinal de aviso.

"Kate," disse ele quietamente, ainda olhando para ela. Exatamente como ela esperava.
Se levantando rapidamente para escapar desse momento, ela caminhou de volta à bomba.
"Você achou?" ela perguntou sem olhar para ele, tentando mudar de assunto.

Ela sentiu ele esperar por alguns segundos, dando-lhe outra chance. Mas ela continuou sem olhar para ele, mantendo sua atenção na alavanca. Finalmente a água começou a jorrar da bica e ela levantou a jarra para apanhá-la.

Ele suspirou, cedendo à vontade dela. "É. Estava bem onde eu achei que estava... O mesmo lugar que costumava ser. Cerca de meia hora de caminhada daqui."

Ela assentiu. "Vamos esperar até que anoiteça."

"Você ainda quer ir esta noite?"

Depois de considerar por um segundo, ela disse, "Acho que devemos. Depois que a gente pegar o que precisar."

"Se importa de dizer o que pode ser?"

Ela olhou para ele por cima do ombro, um sorriso malicioso brincando nos lábios. "Você vai ver," foi tudo que disse.

Abaixando a alavanca para o lugar, ela levantou a jarra pesada e a carregou de volta à cabana. Sawyer a observou, ainda parado, imaginando o que diabos ela estava inventando.

Tinha sido idéia de Kate ficar na área, deixar baixar a poeira por uns dias. Sawyer tinha preferido cair na estrada e não olhar para trás. Seus instintos o instavam a colocar a maior distância possível entre os dois e a casa, e o quanto antes melhor. Foi preciso cada grama que Kate possuía de paciência para convencê-lo que isso era exatamente o que esperavam que eles fizessem. A melhor aposta para eles, ela sabia, era se esconder em algum lugar próximo até a pressão ter acabado - até os agentes desviarem a atenção para algum outro lugar, tentando apanhar seus rastros, desistindo da vizinhança imediata. Então, e somente então, eles poderiam ir a salvo.
Embora ele pudesse eventualmente ver a inteligência de seu plano, não era fácil para ele concordar com isso e era mais difícil ainda levá-lo adiante. Mas ele engoliu em seco e foi em frente.

Logo, em vez de se dirigirem a Oeste ou Norte, eles foram a princípio para Lest, tecendo seu caminho ainda mais adentro das montanhas do nordeste do Tennessee. A idéia inicial de Kate era acampar em algum lugar em volta do Parque Nacional das Montanhas Great Smoky, mas Sawyer determinado a ter alguma opinião pelo menos, havia derrotado esta sugestão com a sua. Em algum lugar na fronteira oeste do parque, ainda na floresta fechada, mas localizada numa propriedade privada, estavam os restos abandonados de um antigo acampamento de verão que tinha sido construído com o propósito de reabilitação de jovens com problemas. Ele sabia disso graças ao fato de ter sido mandado para lá, e a exata localização do campo permanecia gravado em sua memória por ter fugido de lá muitas vezes. Uma grande reabilitação.

Depois de cortar uma parte da cerca de arame farpado caída, eles foram capazes de, por pouco, manobrar a caminhonete pela velha estrada cheia de sulcos que era antes usada pelo pessoal do acampamento. As cabanas que eles acabaram achando estavam caindo aos pedaços por negligência, a pintura verde estava descascando como um bronzeado mal-feito, as telas rasgadas batiam sozinhas com a brisa. A primeira na qual eles se aventuraram a entrar já estava ocupada por uma família de guaxinins que pareceram ofendidos com a invasão. A segunda não tinha uma parte do teto e o chão estava podre e esburacado pelas décadas de exposição à chuva e neve. A terceira parecia pouca coisa mais habitável.

Já que eles planejavam ficar lá por pouco tempo, entretanto, esta foi a que eles escolheram para dormir. As camas eram simples prateleiras de madeira que se entendiam das paredes, pequenas e estreitas, feitas para crianças, tornando o sexo e o sono ambos desafios. Não tinha eletricidade, luz ou aquecimento, exceto pela que eles geravam através do contato de seus corpos. A água corrente consistia em uma bomba de metal no chão do lado de fora e como banheiro, haviam latrinas pré-fabricadas que, a despeito de não serem usadas por vinte anos, ainda retinham um odor que era capaz de te derrubar.

Eles foram cautelosos demais para se arriscarem a fazer uma fogueira na primeira noite, mas nos próximos poucos dias eles acenderam uma pequena braza por baixo de uma grelha, apenas suficiente para aquecer suas mãos e esquentar água para o café. Era início de novembro apenas, e embora úmido e fresco, o verdadeiro frio ainda não havia chegado. Eles haviam trazido comida bastante para durar cerca de três dias, mas ela estava acabando rapidamente.

E embora eles tivessem tido sorte até agora, não tendo visto ou escutado um traço de outro ser humano, sabiam que isso não iria durar. Eles tinham que se ir embora e rápido.

"Então, o que vai ser? México?" Sawyer perguntou enquanto Kate tirava um guia de estrada de sua mochila na noite de sua terceira noite lá. Ele abriu um pacote de carne seca e olhou para ela com nojo.

Ela suspirou profundamente e abriu o livro no mapa do Tennessee. Eles haviam feito apenas uma parada até ali, num posto de gasolina e Kate se apressara a comprar o guia, mesmo custando trinta dólares. Trinta paus por uma porcaria de livro de mapas? Sawyer reclamou. Droga, tudo que a gente tem que fazer é seguir as malditas placas e estamos livres! Mas ela ficou simplesmente olhando para ele até que relutantemente ele deu o dinheiro.

"Eu acho que não," respondeu ela finalmente, para sua surpresa.

Ele esperou, enquanto a observava. Estavam sentados nas camas, atravessados um para o outro, em lados opostos do pequeno cubículo de 2,4 x3 metros. As pernas de Sawyer se penduravam pela beirada de sua cama e os joelhos de Kate estavam dobradas perto de seu peito. Era ridículo o quanto tudo isso parecia como um acampamento de verão, ele pensava. A qualquer minuto o conselheiro iria aparecer e dizer que não eram permitidas garotas no beliche. O pensamento quase o fez sorrir e ele tentou reprimi-lo.

Já que ela não disse nada mais, ele a instigou. "Bem, então o que você tem em mente?"

Ela levantou as sobrancelhas um pouco. "Você não vai gostar da idéia."

"Que tal me dizer o que é e eu decido se gosto ou não?"

Ela deu um segundo e então disse simplesmente, "Canadá."

O olhar em seu rosto foi exatamente o que ela tinha esperado.

"Eu disse que você não ia gostar," disse ela com um sorriso.

"Canadá," repetiu ele, confuso. "Por quê?"

Ela baixou os olhos para as mãos. "Quando sua tia esteve aqui... ela disse que conhecia um cara... ele vive em algum tipo de reserva selvagem por lá, perto de Yukon. Ela achou que ele podia querer nos ajudar nisso... deixar a gente ficar lá."

"O Yukon," ecoou Sawyer sarcasticamente. "Tem o som de uma explosão."

Kate olhou para ele, irritadamente. "Isso não são férias, Sawyer. Eu sei que não parece o melhor lugar do mundo pra se viver, mas nós não podemos nos dar ao luxo de escolher. Ou pelo menos eu não posso," acrescentou ela, mais calmamente. De uma hora para outra, ela pareceu exausta.
Ele se sentiu péssimo. A verdade era que ele não dava a mínima para onde fossem. Ele estava acostumado a levar uma existência sem raízes e um lugar nunca parecia para ele, muito melhor ou pior do que o outro. Existia gente burra para se enganar em todo lugar. Mas tudo o que importava para ele agora era ela. Se ele conseguisse mantê-la perto dele, eles podiam viver no maldito Pólo Norte, pelo muito que ele ligasse.

"Você tá encarregada dos mapas, Freckles," disse ele com uma expressão de desculpa. "Eu vou pra onde você quiser. É só dizer."

Ela encontrou seu olhar, agradecida e deu um pequeno aceno.

"Então eu acho que devemos tentar. Me parece a opção mais segura." Ela voltou a examinar o guia.

A cabana estava ficando mais escura a cada minuto. Sawyer acendeu uma lanterna e direcionava o feixe sem objetivo pelas paredes acima e ao lado da cabeça de Kate.

Ela começou a falar calmamente, quase para si mesma. "Temos que ir devagar. É mais fácil cometer erros quando se está com pressa... e não podemos cometer erros. A chave é ficar nas estradas vicinais. A interestadual pode ser cinco vezes mais rápida, mas é exatamente o que eles esperam que a gente faça.

Eles têm um número certo de pessoal e não vão gastar tempo monitorando as áreas rurais e as rodovias mais antigas." Ela olhou para ele.

Ele estava com o feixe da lanterna apontada para um canto, no alto, onde um antigo interno havia feito, com marcador mágico de cor preta, uma descrição graficamente realista de uma mulher nua.
"Sawyer?" ela chamou.

"Acho que eu desenhei aquilo," ele murmurou distraidamente.

Ela suspirou. "Dá pra prestar atenção, por favor?"

Ele virou a lanterna para ela, fazendo-a piscar com a luz. "Estradas vicinais... Entendi. O que mais?"

"Também devíamos tentar viajar à noite tanto quanto possível. Podemos dormir durante o dia. Desse jeito vai ser mais difícil eles verem quem está dentro da caminhonete."

"Eu dirijo melhor à noite, de qualquer jeito," disse ele sorrindo, tentando ser apoiador.
Ela lhe deu um sorriso de volta, mas ainda parecia tensa e preocupada. Se puxando para fora da cama, ele pegou o guia dela, jogando-o para o lado. Subindo em sua cama, ele se acomodou nela e gesticulou para que ela se juntasse a ele. Ela se inclinou e endireitou as pernas, repousando a cabeça em seu peito, bem embaixo do queixo dele.

Ele suspirou dentro de seus cabelos, levando os braços a volta dela para trazê-la mais próxima dele. "A gente vai repassar todos os detalhes antes de ir," disse ele quietamente. "Não adianta se preocupar tanto por isso agora."

Ela fechou os olhos e ficou escutando a batida firme e reconfortante de seu coração, se deixando levantar e descer junto com a respiração dele.

"Você acha que eles entraram?" perguntou ela sonolenta.

"O quê?"

Ela se ergueu, se apoiando nele, pesquisando seu rosto a alguns centímetros do dela. "Depois que saímos. Acha que eles entraram na casa?"

Ele entendera agora. "Nah," disse ele, tentando parecer casual. "Pode ter mil motivos pra eu não querer eles espiando pela casa. Eu podia ter drogas lá... ou prostitutas... ou algum tipo de pornografia ilegal..." Ele listou, sorrindo. "Provavelmente acharam que eu só fiquei nervoso e me mandei. Duvido que eles tenham se dado ao trabalho." Levantando a mão, ele enfiou uma mecha solta de cabelo para trás da orelha dela, de onde havia caído.

"Porque se eles procurarem por impressões digitais," continuou Kate, como se não o tivesse escutado, "Então eles vão saber com certeza que eu estava com você."

"Eles não entraram," ele sussurrou, olhando direto em seus olhos.

Ela se inclinou e o beijou, suavemente.

"Pronto pra nossa pequena caminhada?" ele perguntou quando ela se levantou de novo.

Ela olhou para as janelas fechadas com telas alinhadas nos lados da cabana. "Acho que já tá bem escuro. Então, depois disso, nós podemos ir em frente e dar o fora." Correndo os dedos pelos cabelos dele, ela disse criticamente, "Você tá precisando de um banho."

"Ah, bem, você também não está cheirando tão bem assim, querida. Mas eu não fico reclamando."

"É por que você gosta assim," ela respondeu com um sorriso.

"Não posso argumentar contra isso," disse ele num tom malicioso. Com as mãos nos quadris dela, ele tentou manobrar os dedos dentro de seus jeans. "Há quantos dias você tá vestindo essa calcinha?"

Virando os olhos, ela tirou as mãos dele e pulou para fora da cama. "Vamos lá, seu pervertido," disse ela, pegando o braço dele e o puxando para que se levantasse. "Eu tenho um trabalho pra você que não envolve a minha calcinha."

"Freckles, pra mim, todo trabalho envolve a sua calcinha... Você só não sabe disso."
Ela riu enquanto abria a porta e saía.

Depois de Kate apanhar algumas coisas e enfiá-las na mochila, eles saíram carregando as lanternas, Sawyer armado com um revólver. Era mais difícil do que ele tinha pensado achar o lugar de novo no escuro, mas ele fingia saber exatamente onde estava indo. Kate fingiu acreditar nele.

Depois de caminharem por cerca de quarenta e cinco minutos, ele parou abruptamente e fez um grande arco com a lanterna. Na extremidade à direita, o feixe mostrou um brilho de metal.
"Está bem ali," disse ele, gesticulando.

Kate se moveu na direção que ele indicou e ele a seguiu bem atrás dela. Ambos pararam diante de uma cerca feita de correntes.

"Uau," disse Kate em tom baixo, "Esta é a coisa mais feia que eu já vi."

Espalhado abaixo deles no lado oposto ao tapume estava uma clareira entre as árvores. Acres e acres de veículos destruídos, sucateados e abandonados jogados longe até onde a vista podia alcançar, iluminados esporadicamente por isoladas lâmpadas halogênicas. Alguns estavam em condiçoes notavelmente boas, enquanto outros eram simplesmente monstruosos e retorcidos pedaços de metal. Uns poucos pareciam novos, mas a maioria datavam dos anos setenta ou oitenta.

"É a auto-estrada lá em baixo?" ela perguntou calmamente, olhando em direção à distante e nebulosa linha de luz, escassamente visível ao norte.

"É," ele respondeu. Esperou por um segundo, então perguntou. "Tudo bem, então está aí... bem como eu tinha dito, uma sucata. Estou pronto pra grande revelação. Se importa em me dizer o que diabos estamos fazemos aqui?"

Ela sorriu reticentemente, mas finalmente se virou para ele, falando num tom conspiratório, como se estivesse cedendo um grande segredo.

"Placas de carro."

Ele olhou como se ela estivesse louca. "O quê?"

Abaixando a mochila dos ombros, ela se ajoelhou e começou a mexer dentro dela. "Eu sei que parece ridículo, mas são os detalhes que importam. Você ia ficar surpreso o quanto ajuda as menores coisinhas. Mesmo que isso nos dê apenas alguns minutos mais, isso pode significar a diferença entre ser apanhado e não ser apanhado."

"Você honestamente acha que ficar trocando as placas de carro vai adiantar alguma coisa?"
Se levantando, ela passou uma chave de fenda. "Vai sim." Ela deu uma pausa. "Você nunca fez isso antes?"

"Acho que não."

Ela sorriu um pouco, mas seus olhos estavam sérios. "Então acho que você vai ter que confiar em mim. Pode ser?"

Ele suspirou aborrecido, mas replicou, "Estou aqui, não estou?"

Ela acenou com a cabeça. "Bom."

Ela, então, se virou para examinar a cerca. "Parece que vamos ter que passar por cima." Sem falar mais nada, ela se agarrou no tapume acima de sua cabeça e se suspendeu, posicionando os pés nos espaços dos elos das correntes para se alavancar.

"Espera um segundinho aí, querida." Sawyer colocou seu braço em volta da cintura dela e a puxou para o chão. "Antes que comece a assobiar o tema de Missão Impossível, você pode querer olhar o aviso." Ele apontou a lanterna para uma informação em letras laranja neon pregada num cartaz. Dizia Cuidado com o cão.

Kate virou os olhos. "Não tô vendo nenhum cão," disse ela impacientemente. "Você tá?"

"É um lugar grande," respondeu ele, preocupado com o quanto ela estava sendo descuidada.

"Bem, nós temos a arma." Ela se virou para a cerca. "Além disso, eles botam esses avisos pra assustar as pessoas, mesmo." Ela começou a escalar de novo.

"Se você acreditar que gente que roube sucata, saiba ler," Resmungou Sawyer baixinho, enquanto a seguia.

Quando ambos alcançaram o outro lado, eles pararam por uns minutos para pegar suas coisas. Kate olhou em volta, pensativamente, avaliando o material.

"Eu sei que a maioria vai ser placa do Tennessee, mas estamos tão pertos da interestadual que deve ter outros aqui, também. Fica de olho em qualquer estado que a gente possa passar no caminho pro Canadá. Não decidi ainda qual o melhor lugar pra atravessar a fronteira, mas qualquer estado a norte ou a oeste daqui vai ser bom ter. Duplicatas são ótimas, também. Quanto mais, melhor."

Sawyer suspirou, ainda não inteiramente convencido. "Você sabe que a maioria das datas deles estão expiradas, né?"

Ela lhe endereçou um olhar quase de pena. "Isso pode ser arrumado."

Ele nem se deu ao trabalho de perguntar como. Obviamente ela tinha resposta para tudo.

"Eu vou começar por esse lado," ele continuou, apontando para a fileira mais perto deles. "Você pode pegar o lado de lá, à direita. Trabalhar na linha da cerca."

"Uou, agora... espera aí," protestou ele, levantando a mão. "Você nunca disse nada de nos separar. Você tá achando mesmo que vou te deixar perambular por aí sozinha?"

"Sawyer, não precisa de duas pessoas lendo um nome numa placa de carro! A gente pode cobrir duas vezes o lugar, no mesmo espaço de tempo desse jeito."

"Não é seguro," insistiu ele.

Kate estava se enchendo. "Olha, eu não te trouxe aqui pra ser minha babá, ok? Eu sei o que estou fazendo. Agora, você quer ajudar ou não?"

Meu Deus, ele queria socá-la às vezes. Eles se encararam em confronto por alguns segundos. Finalmente, com um ar quase magoado, ele puxou a arma da cintura e deu a ela.

Ela hesitou antes de pegar, parecendo um pouco acanhada. Enfiando-a no bolso com coronha para fora para, ela falou com uma expressão mais suave. "Me encontre aqui em vinte minutos."

Enquanto ela caminhava, gritou ele para ela, "E como eu vou saber quando vai ser vinte minutos?"

"Você está usando um relógio!" ela gritou de volta sem se virar.

Ele olhou para o pulso. Maldição. Furioso, ele a olhou mais uma vez e daí se dirigiu num passo arrastado para o outro lado.

Prestando atenção na hora, ele trabalhou o mais rápido que pôde, tentando se manter alerta e escutar qualquer som que ela pudesse fazer no outro lado da sucata. Quando os vinte minutos acabaram, ele voltou para o lugar de onde tinham começado. Para seu imenso alívio, ela já estava lá. Ele também ficou agradavelmente surpreso por sua pilhagem de placas ser maior do que o dela. Não era muito do que se orgulhar, mas o fez se sentir melhor.

"Ora, ora," regozijou-se malevolamente, "Pensei que com toda a sua experiência nisso, você viesse com uma carga de caminhão inteira pronta pra levar."

"Todos os carros desse lado estavam destroçados." disse ela, explicando. "Vamos ver o que você tem."

Ela pegou a pilha dele e começou a examiná-la enquanto caminhavam de volta á cerca. Ela se deteve em uma e olhou para ele, levantando as sobrancelhas, achando graça. "Novo México?"
"O quê?

"Indo pro Canadá, você acha que tem como a gente passar no Novo México?"

"Estava escuro lá," disse ele defensivamente. Ela voltou a atenção para a pilha.

"Além disso," continuou ele, "Um desviozinho pelo deserto não parece tão mal. Você já esteve no Novo México?"

Ela pensou por um segundo. "Roubei um banco lá, uma vez," disse ela em completa seriedade.

Sawyer sorriu e balançou a cabeça vagarosamente. "Essa é a minha garota," murmurou ele.

Kate sorriu também, preferindo encarar da perspectiva dele dessa vez, ao invés do triste viés com que ela geralmente enxergava seu passado.

Eles já estavam alcançando a cerca agora, e ela jogou as placas por cima. Elas caíram com um alto tinido metálico que fez Sawyer piscar, embora não tenha importunado Kate. Ela pulou a cerca de volta e ele rapidamente a seguiu. Apanhando as placas, ela rapidamente examinou e reexaminou as poucas que encontrou, com uma expressão estranha.

"Qual o problema?"

"Tinha que ter uma outra dessas, de Dakota do Sul. Eu sei que tinha duas que combinavam. Eu devo ter deixado cair."

"Que tal a gente simplesmente esperar até chegar a Dakota do Sul e afanar de um carro?" perguntou ele cansadamente.

"Porque alguém vai dar queixa." Ela parecia estar falando com uma criança. Escalando a cerca de novo, ela disse, "Eu sei onde está. Não vai demorar. Espera aqui."

Ela estava certa. Não demorou. Ela desaparecera na escuridão e reaparecera de novo com a placa perdida antes que um minuto inteiro se passasse. Mas quando ela caminhou de volta para ele, um som estranho e estridente ecoou perto deles vindo da direção oposta. Kate parou, se virando para escutar.

Para Sawyer, aquilo soava, absurdamente, como sinos de trenó. Mas essa idéia foi imediatamente descartada quando ele viu o que realmente produzira o barulho. Vindo depressa das sombras estava um grande Doberman, com jeito de faminto, usando uma coleira de grandes tachas de metal que batiam umas nas outras.

Segurando a respiração, Sawyer agarrou a cerca, sem saber o que fazer.

Kate permaneceu parada enquanto o cachorro se aproximava dela. Ele começou a rosnar mesmo antes de parar de correr, o movimento causando um som quase gago. Ele parou cerca de dois metros e meio dela, começando agora a mostrar os dentes, todo o corpo tenso e angulado para frente, em pleno modo de ataque. Grossos fios de saliva escorriam de sua mandíbula.

Ela não havia ainda movido um músculo. Era como se ela estivesse em algum tipo de transe.

"Atira," falou Sawyer através dos dentes apertados, tentando permanecer o mais quieto que pudesse. "Pelo amor de Deus, atira, Kate!"

Mas ela não fez mençaõ de pegar a arma. O cachorro continuou mostrando os dentes, produzindo profundos sons de resfolegadas a cada poucos segundos.

Sawyer estava a ponto de pular a cerca de volta, para tentar distrair aquela coisa, tomar a arma dela e atirar... fazer alguma coisa, pelo menos. Qualquer coisa era melhor do que esta estase terrificante. Mas enquanto ele agarrou a cerca para se jogar por cima dela, entretanto, Kate finalmente se moveu. O que ela fez foi a última coisa que ele poderia esperar, e a estranheza daquilo o fez parar e observá-la, atônito.

Mantendo os braços parados nos lados, ela se ajoelhou em frente do cachorro. Ele rosnou ainda mais alto a princípio, obviamente espantado. Ela continuou a encará-lo diretamente nos olhos.

Sawyer observava esta cena se desenrolar, os dois - Kate e o cachorro - iluminados pelo brilho de uma lâmpada de poste, como se eles estivessem em algum tipo de palco. Mas ao mesmo tempo, era como se ele estivesse testemunhando alguma coisa intensamente particular, como se ele não tivesse o direito de ver Kate dessa maneira.

Pois a expressão em seu rosto era um mistério para ele. Ele não conseguia entendê-lo de jeito algum. Não conseguia nem mesmo discernir que combinações existiam ali. Não era como nada que ele houvesse visto antes e ele sentiu calafrios se espalharem por seus braços e pescoço.

Quase no mesmo instante, o cachorro parou de rosnar. Continuou encarando Kate, ameaçadoramente, dando profundas e desritmadas golfadas de ar. Eles estavam no mesmo nível do olhar e o animal parecia tão intrigado quanto Sawyer. Finalmente, depois do que pareceu uma eternidade, ele baixou a cabeça levemente e com um ar quase solene, se virou e caminhou de volta ás sombras.

O coração de Sawyer ainda estava aos pulos em seu peito, mas ele não conseguia formar nenhuma palavra.

Kate ficou onde estava por alguns segundos mais, seus olhos ainda presos no lugar que o cachorro ocupava há pouco, a expressão ilegível fixada em seu rosto. Dai, lentamente, como se ela estivesse emergindo de uma hipnose profunda, ela pareceu estremecer, olhando em volta, a princípio sem reconhecimento. Reparando em Sawyer ela se levantou e caminhou até ele.

Ela parou na cerca e os dois se olharam cautelosamente.

"O que diabos foi aquilo?" Perguntou Sawyer asperamente. "Por que você não atirou naquela bosta! Você podia ter sido morta!"

"O truque é não mostrar medo," disse ela inconvincentemente. Mas ele não caiu nessa. Isso não tinha nada a ver com o que ele havia acabado de presenciar. Seja lá o qeu tivesse passado na cabeça dela, não era isso.

"Isso é besteira," sussurrou ele com raiva.

Ela olhou para ele calmamente através da cerca que os separava. Os eles de metal riscavam seu rosto, dividindo suas feições em segmentos fragmentados, o que a deixava um tanto estranha a ele.

Sem responder, ela escalou a cerca de desceu do outro lado, enfiando as placas de carro dentro da mochila enquanto ele a observava. Depois de pendurar a mochila nas costas, eles começaram a caminhar.

Quando eles chegaram perto do alto da inclinação, Kate parou e olhou para trás. Sawyer se virou imaginando o que ela ia querer fazer agora. Mas estava tudo bem, ele notou com algum alívio.
Ela agora parecia apenas triste. Triste, cansada e assustada. Infelizmente, essa era uma parte dela que ele reconhecia muito bem. Ela olhou de volta para a sucata, como se estivesse procurando alguma coisa que ela sabia que não seria encontrada ali.

Ele esperou um segundo e depois tocou seu braço. "Ei."

Com relutância, ela virou o rosto para ele.

"Nós temos muito que dirigir ainda," disse ele suavemente.

Concordando com a cabeça, ela recomeçou a caminhar. Ele colocou o braço em seus ombros e a puxou para mais perto dele, sem resistência dela.

Os dois feixes da lanterna desapareceram na distância, iluminando o caminho de volta ao acampamento e à caminhonete arrumada e pronta para partir.