A dor latente na lateral de meu corpo crescia e crescia... Aos poucos começava a sentir as pontas de meus dedos formigando. Meus olhos lutavam para permanecerem abertos e a minha visão alternava-se entre um leve embaçado e um super embaçado. Mesmo assim meu pé direito ainda pisava fundo no acelerador e a única coisa que eu conseguia pensar era: "Continue!".

A minha sorte descansava no fato de que, daqui até o meu destino, a estrada era uma linha reta. Nada de curvas desnecessárias que provavelmente só fariam o meu estado piorar. Conforme passava o tempo, cada vez mais tinha certeza de que, no entanto, apenas sorte não seria o suficiente para a minha sobrevivência.

É nessas horas, quando estamos no limiar entre a vida e a morte, que começamos a perceber que puro instinto (como simplesmente continuar) não vai te manter acordado e começamos a procurar em nossas memórias por lembranças consideravelmente boas que nos prendam nesse mundo...

- Seu pai vai cuidar de você, - uma voz suave percorreu meus ouvidos. – Nós duas sabemos que não sou uma boa mãe.

- Nem de longe! – Concordei com um tom carregado de frustração e rancor. Mesmo sendo verdade, era difícil reconhecer que estava sendo abandonada na porta da casa do meu pai. E mesmo concordando que aquilo era o melhor pra mim, demorei a admitir que ter sido largada lá foi um dos momentos mais felizes da minha vida. Pena que eles não duram muito.

Rastejei para fora do carro segurando meu ferimento com a mão direta. Achei que o acesso até a porta da frente daquela casa velha e acabada seria o meu fim. Não aguentava mais um minuto se quer... Um passo... Um inflar de meus pulmões. Eu ia morrer! E jogava toda a culpa desse fato em cima de uma única pessoa.

O motor daquela carranca velha roncou para longe de mim, sumindo ao dobrar a esquina. Respirei fundo, pois sabia que nunca mais veria a minha mãe e com isso poderia enfim ser uma garota de quinze anos normal. Ir à escola, fazer amigos, ter um acompanhante para o baile de final de ano eram, naquela época, meus maiores desejos. Pena que nada durou muito!

Bati meu punho na porta de madeira e estava tão fraca que senti os ossos de meus dedos prestes a se quebrarem no ritmo do barulho emitido do outro lado.

Diferente daquela casa caindo aos pedaços, a porta branca que se abriu diante de meus olhos revelou um lar bem aconchegante. De baixo do batente estava papai, que me esperava com um semblante sério, mas que, de certa forma, parecia bem aliviado. Nós dois já havíamos sofrido demais nas mãos de Lydia e ele finalmente me teria só pra ele... Pena que tudo durou tão pouco!

Respirei fundo... Uma última vez antes de toda a minha visão escurecer. Só tive tempo de reconhecer um rosto aparecendo entre a fresta de madeira e exclamei:

- Bobby!

Meus olhos se fecharam e eu dormi.