Olá! Após quase uma década com essa conta, estou aqui pela primeira vez como autora.
Pretendo postar uma vez por semana, às quartas-feiras. Desculpe qualquer erro, estou arriscando sem beta.
Disclaimer: Shingeki no Kyojin não me pertence. Peguei seu cenário emprestado para que meus originais brinquem um pouco.
Boa leitura! :)
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Que tipo de mulher é Scarlet Mills?
A resposta para essa pergunta valia ouro nas mãos dos jornalistas, por isso havia uma quantidade absurda de pessoas dispostas a respondê-la. Da garçonete que atendeu Scarlet no restaurante ao empresário que a acompanhava há anos. Algumas respostas eram genéricas, do tipo ela é deslumbrante ou seu talento me levou às lágrimas. Outras, perversas, eram amplamente divulgadas, como o boato de se tratar de um demônio travestido de mulher, que seduzia homens com o seu canto. Gentinha criativa...
Pessoalmente, eu considerava Scarlet intimidante.
Ela era demais. Tudo demais. A aparência, a atitude, a personalidade, a fama... Nós duas jamais conseguiríamos ser amigas. Uma pena, realmente, já que ela sou eu.
A única vantagem que eu via em ser a incrível Scarlet era poder falar através dela. No campo no qual eu me encolheria amedrontada, Scarlet se erguia com ousadia. Não seria exagero dizer que eu precisava dela muito mais do que ela precisava de mim. Existiam portas que só ela podia cruzar, caminhos que só se abriam aos seus pés e homens — ah, esses homens — que só ela conseguia seduzir.
Nesse sentido, também podia chamar Scarlet de passaporte.
Era útil, muito útil. Principalmente quando buscava os esqueletos escondidos sob o brilho reluzente da nobreza. E eram tantos. Costumavam aparecer quando menos se esperava.
Scarlet precisava estar atenta aos mínimos detalhes.
Para confirmar isso, a maior parte dos convidados no salão de baile sequer notou a saída apressada e furtiva do anfitrião da festa, lorde Nicholas Lobov.
Ninguém, absolutamente ninguém, pareceu ver o tipo sombrio e mal-encarado que espreitava o lorde na extremidade do jardim externo. Os dois seguiram juntos pelo gramado, ocultos pelas sombras da noite.
Sozinha naquela situação, eu teria perdido preciosos segundos debatendo os riscos de seguir o nobre e seu companheiro suspeito. O suor na minha testa proclamaria o nervosismo de alguém que sabia que era culpada. O meu rosto traidor revelaria cada pensamento com leves, mas perceptíveis expressões.
Sorte que Scarlet mentia bem.
Uma desculpa convincente sempre estava na ponta da língua. As pessoas, os nobres em vestes luxuosas e modos elegantes, aceitavam a rápida escapada como o prelúdio de um encontro tórrido no canto mais afastado do salão. O que mais esperar de uma cantora que dera a sorte de cair no gosto da aristocracia? Um amante rico e habilidoso era tudo com o qual ela poderia sonhar.
Pois bem.
Não era um amante ávido que aguardava em meio aos pinheirinhos e canteiros de botões de rosa; era o lorde Lobov, a figura estranha e uma conversa muito, muito interessante.
— Ele não vai conseguir! — exclamava o nobre. — Um maldito soldado não tem poder contra mim.
Interessante demais.
O capanga, criado, serviçal, seja lá o que fosse, se manifestou:
— Meu lorde, devemos matá-lo antes que a suspeita aumente?
Lobov emitiu uma sequência de palavrões.
— Primeiro preciso descobrir que provas ele possui — declarou. — Quero ver esse documento.
Atrás de uma cerca viva frondosa, eu ouvia a voz de ambos com clareza. O céu escuro, sem lua, mergulhava o ambiente numa escuridão opressiva, embora favorável aos meus objetivos. À distância, a animação do salão de baile e o brilho das tochas permanecia inabalável em sua constância.
— Podemos fazer as duas coisas — sugeriu o desconhecido. — Podemos pegar os documentos e dar cabo de Erwin de uma só vez.
E eram esses momentos que evidenciavam a diferença entre Scarlet e eu. O que Scarlet fizera ao ouvir àquilo? Saltara em alarme? Ofegara como se todo o ar houvesse escapado dos pulmões? Estremecera como uma garotinha abandonada? Não. Ela permaneceu silenciosa, com o mais breve arregalar de olhos já desaparecendo de suas feições.
Por dentro, num ponto remoto, eu me equilibrava numa corda bamba sobre um profundo abismo. Um caso simples de associação de palavras: se me dissessem cor, pensaria em vermelho; se me dissessem muralha, pensaria em Sina; se me dissessem doce, pensaria em geleia; se me dissessem Erwin, pensaria em... nada, eu sentiria. Sentiria várias coisas.
— Existe um rumor que Erwin quer recrutar um grupo de criminosos da cidade subterrânea — continuou o estranho. — Podemos fazer um acordo com esses homens antes dele. São vermes do submundo que se voltam para a melhor proposta, meu lorde. Prometemos uma boa recompensa em troca do documento e da vida de Erwin.
Uma longa pausa se estendeu enquanto Lobov parecia considerar.
— E se eles entregarem tudo como fez o último infiltrado que enviamos à tropa de exploração? Nada disso estaria acontecendo se ele tivesse mantido a boca fechada.
— Ele era um jovem recruta — o capanga argumentou. — Essa gente do subterrâneo tem experiência, só assim conseguem viver naquele lixo. Podemos pedir fidelidade em troca da liberdade deles. Se balançarmos uma carta de cidadania, farão tudo o que quisermos.
Ah, a nobreza! Como não odiar?
Era de se imaginar que num mundo com recursos limitados, no qual a fome, peste e violência espreitavam a maior parcela da população, uma pessoa se daria por satisfeita em viver na muralha mais segura, com uma casa, refeições diárias e dinheiro para pagar passatempos. Porém esse não era o biótipo padrão da sociedade de Sina. Os nobres, assim como aqueles que os orbitavam, queriam mais, sempre mais.
Lorde Lobov, por exemplo, nasceu numa família rica. Nunca passou necessidades ou privações; sua influência no parlamento inspirava respeito entre seus semelhantes e temeridade entre os plebeus. Por que, em nome das Muralhas, ele desviava verba da polícia militar?
Eu só conseguia pensar em porque ele é um filho da puta como resposta.
Havia parado de tentar entender os crimes da nobreza anos atrás. Agora, apenas os registrava num arquivo mental, separado entre o que era relevante para mim e o que devia ser mandado para o arquivo morto. Meu objetivo era de caráter particular e não podia ser desviado pelas nojeiras que encontrava no caminho.
A conversa de Lobov seria arquivada na última gaveta do armário se não fosse aquele nome.
Erwin.
Havia um Erwin no meu passado, um que entrara para a tropa de exploração uma década atrás e com quem nunca mais tive contato. Se eu fosse um pouco mais sincera, admitiria que pensei nele ao longo dos anos, me perguntando se encontrara aquilo que buscava ou se, pelo menos, permanecia vivo. Mas sinceridade era superestimada, então...
— Entre em contato com esses bandidos. — Ouvi Lobov ordenar. — Eles devem entrar na tropa de exploração e recuperar o documento. Isso é o principal. A morte de Erwin só aumentaria as suspeitas contra mim. É um último recurso, entende?
— Sim, meu lorde.
— Também prometa mais que a cidadania. Diga que terão uma vida luxuosa e...
Com cuidado, me esgueirei para longe da cerca viva e me afastei a passos brandos. Troquei de lugar com Scarlet em algum ponto da conversa, pois minhas mãos tremiam enquanto as esfregava no rosto. Alguém, um Erwin da tropa de exploração, acabara de entrar na mira de assassinos. Meu instinto de autopreservação exigia que o assunto fosse deixado de lado, como tantos outros já haviam sido deixados. O papel de heroína não combinava comigo.
Mas era um Erwin que corria perigo. E ainda da tropa de exploração! Não podia ignorar.
Há uma década devia um favor à Erwin Smith. Se fosse o mesmo homem, seria a hora de acertar as contas.
