AO VENCEDOR...

Por Lamari

Disclaimer: Saint Seiya não me pertence.

 

ATENÇÃO: Essa é uma fic yaoi, ou seja, de relacionamento entre homens. Se não gosta, não leia.

 

Resumo: Um jogo de cartas, coisas que precisam ser ditas. Quem será o vencedor?

 

Nota da autora: Aqueles que me conhecem sabem que eu fiquei um bom tempo longe do mundo das fics e etc. Não foi por mal, foram coisas que foram acontecendo em cima de coisas e jogaram minha vida de cabeça para baixo. Essa não é uma fic qualquer pra mim. É uma catarse, uma tentativa de me livrar de meus próprios fantasmas. Por isso, os personagens estão OOC e o estilo da fic não condiz muito com o que eu costumava escrever. Peço paciência de vocês. Foi importante escrever essa para conseguir ao menos pensar em rearranjar minha vida e escrever o que eu gostava.

Obrigada pela compreensão!

 

Lamari

 

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Ao vencedor...

O sorriso meio de lado e os olhos brilhando como se, marotamente, escondesse entre os dedos longos e finos o truque que poria fim àquilo. Assim eu o via, dessa forma eu o encarava. Tentava decifrar seus olhos verdes, esforçando-me para discernir entre a verdade e o blefe. Tentava a todo custo antecipar o próximo passo, o próximo movimento.

– Você me parece estranho hoje...

Um comentário dito assim, sem mais nem menos, seguido por mais uma carta à mesa. O que se passa naquela mente? Por que eu, logo eu, não consigo decifrá-la? Logo a única mente que eu realmente desejei entender? Sem medos, sem paranóias, sem véus ou convenções sociais, dessa forma eu gostaria de ver meu adversário. – Impressão sua.  

– Você está distraído...

Não estava distraído, meu caro, estava cansado. Cansado de ter de ficar ali, olhando para você sem te entender. Sem me entender. Estava cansado dessa confusão, desse saber sem saber, dessa vontade de não se sabe o quê. E estava cansado de estar cansado disso tudo. – Já disse, impressão sua.

– Se você assim o diz, Camus, eu não hei de contestá-lo....

 E por que não contesta, Milo? Não sou digno de ser contestado? Por que não insiste, por que não pergunta, por que não tenta tirar de mim a verdade por trás de tudo isso? A verdade que nem eu nem você queremos encarar, a verdade que é suja demais para que sequer possamos mencioná-la. Ah, uma hesitação quase fatal, um falso blefe: cartas boas são desperdiçadas à toa. – Agora é você quem está distraído.

– Você é quem pensa. Todos os meus movimentos são previamente estudados, tudo é milimetricamente testado, todos os passos são medidos antes de serem tomados, Camus. Esqueceu com quem está falando?

Claro que não esqueci, Milo. Você é o general da Guarda do Santuário, um homem que mesmo na explosão é capaz de estudar adversário e ambiente a fim de tomar as decisões corretas. Eu sabia quem você é, Milo, e eu ainda sei. Você é um jovem como eu, que como eu viveu muitas coisas e amadureceu cedo demais. Como eu é alguém que sente, sem dúvidas. Mas será que, como eu, você se esforça heroicamente para esconder o que sente? Fato é que você me intimidava, Milo de Escorpião, e ainda me intimida. Me intimida a ponto de eu não conseguir enxergar se seus atos e palavras são blefes ou não. – Eu não vejo onde você quer chegar com isso. Para mim você acaba de cometer um erro crasso.

– Você verá, Camus. Ou talvez não. O tempo dirá.

Minha mão se fechou com força por debaixo da mesa. Por que ele tem sempre de falar dessa forma? Por que não pode ser claro? Por que não vai direto ao ponto? Eu não agüentava mais esses joguinhos, estava cansado de tudo isso... Mas e se tudo não passasse de um oásis num deserto escaldante, do qual nunca conseguiríamos nos aproximar? E se tudo não passasse de imaginação, de má interpretação? E se eu estivesse lendo entrelinhas que nunca houvessem sido escritas? – Você não me assusta com esse seu riso e esses seus olhos faiscantes, Milo. Talvez você esteja blefando.

– Ou talvez não. Você tem de se arriscar para saber.

Por trás de minha impassibilidade de sempre, de minha pele marmórea e de meus olhos opacos, eu queimava. Teimava em ver segunda intenção onde só havia a primeira. Ora, Milo me conhecia também, e ainda me conhece. Ele sabia e ainda sabe que eu não sou de demonstrar o que sinto ou o que deixo de sentir, mas isso não significa nem nunca significou que eu não sentisse ou não sinta. E, se ele sabia disso, se me conhecia e me conhece ainda tão bem, por que não foi claro? Porque não havia e não há nada turvo, Camus de Aquário. Nada além das provocações de um adversário perspicaz. – Sua facilidade em ser irônico por vezes me irrita, Milo.

– Assim como essa sua impassibilidade que esconde um turbilhão de dúvidas e inquietações me irrita, Camus. Se você quiser, podemos conversar. Sobre... qualquer coisa.

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I don't wanna talk

Eu não quero falar

About the things we've been through

Sobre as coisas pelas quais passamos

Though it's hurting

Embora machuque

Now it's history

Agora é história

I've played all my cards

Joguei todas as minhas cartas

And that's what you've done too

E foi o que você fez também

Nothing more to say

Nada mais a dizer

No more ace to play

Nenhum outro ás para jogar

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Eu me lembro de ter respirado fundo e fechado os olhos para abri-los logo em seguida. E esse foi o único e súbito lampejo de reação que eu tive naquela noite. Do lado de fora as luzes estavam opacas e caía uma chuva intensa, mas do lado de dentro de minha casa as luzes iluminavam o rosto traiçoeiro de Milo de Escorpião. Sem dúvida ele me convidara a falar. A confessar talvez? Confessar todas as culpas, todas as mentiras, tudo o que tem sido escondido e sufocado durante tantos e tantos anos? Minha culpa é cristalina como o gelo que precipito: eu era, ainda sou e sempre serei apaixonado por Milo. Sim, simples assim. Eu sei disso, já faz um bom tempo que admiti pra mim mesmo. Mas admitir pra ele? Ora, aí sim temos um problema complexo. – Eu não quero falar.

– Tem certeza?

O oito de paus continuava parado entre os dedos dele, Milo não fazia a mínima menção de atirar a carta por cima das outras que jaziam inertes, testemunhas mudas por sobre o pano verde. O que ele queria que eu dissesse? Ora, sinceramente, eu era e ainda sou o melhor amigo. Era pra mim que ele corria e ainda corre quando algo dá errado ou quando uma antiga nova paixão reaparece ou quando alguém o conquista ou quando alguma dúvida o assola ou quando... é, eu não conseguia e ainda não consigo organizar meus pensamentos. Talvez ele me pudesse ajudar a fazê-lo. Mas contar para ele? Abrir-me dessa forma? Não, eu jamais confessaria, não. Eu não tinha e ainda não tenho chance alguma. Para que me arriscar então? Céus, esse não era e não sou eu... mas que seja. Até os retos temem, até os justos titubeiam. Titubeei. Pronto, sou réu confesso. Vão fazer o quê, prender-me? Prendam-me então por ser complexo, por ser um paradoxo em mim mesmo: um cavaleiro que foge mas ao mesmo tempo que é fiel a si mesmo. Ou não fiz eu um pacto comigo mesmo e com a Deusa, de nunca me mostrar, de nunca me despir, de nunca, jamais demonstrar sentir? – Tenho.

– Eu pensava que era seu amigo, Camus. E pensava que você confiasse em mim.

Ele começara com as pseudo chantagens emocionais típicas de Escorpião. Não tardaria e me acusaria de ser um receptáculo sem vida e inerte de suas emoções mais recônditas.

– Eu confio e sempre confiei em você, Camus. Sempre me abri com você. Mas se você não quiser me contar o que te aflige, tudo bem... eu entendo.

Eu já sabia talvez fosse a frase mais acertada no momento. Eu conhecia seus métodos, eu ainda conheço. Eu somente ignorava como ainda ignoro o que se passava nessa sua cabeça, o que você quis dizer com seus sentidos duplos. Mas a essência eu conhecia como ainda conheço, e naquele momento eu soube que você não desistiria tão fácil. Mais por curiosidade do que por verdadeira preocupação, mas quem disse que eu me importava? Ou que ainda me importo? – O que é passado é passado, Milo, e ficou pra trás. Mas por vezes o passado volta, como uma ferida que dói quando esbarramos nela.

– Ah, eu entendo bem, Camus. Você não faz idéia de quem veio de papinho de novo pra cima de mim! Afrodite! Acredita? Faz tempo, não é? O que você acha que eu devo fazer?

Eu sinceramente achava que você deveria congelar para todo o sempre. Mas com você sempre foi e ainda é assim, não é, Milo? Você, você, você... onde ficava eu nessa história toda? Ao seu lado eternamente, servindo de muleta, enquanto você corria atrás de amantes fugazes, de moças e rapazes indolentes mas donos de corpos e rostos espetacularmente belos? Era só isso que importava e ainda importa: beleza, não é? Beleza! Por isso essa obsessão por Afrodite?  – Ele é bem bonito, Milo. Vá em frente. E jogue a carta, ou então ficaremos aqui durante toda a madrugada.

– Ah, claro, a carta... mas o que você dizia mesmo, sobre o passado...?

Não me dignei a responder. Estudei minhas cartas, procurava a maneira mais rápida para acabar logo com aquele jogo e me ver livre dele. Eu queria ser forte o suficiente para mandá-lo embora para nunca mais voltar. Mas força não era meu forte, embora eu sempre demonstrasse o contrário. Meu carinho por Hyoga, meu amor por Milo, meu medo de perder tudo o que me era e sempre me será caro. Sentimentos nunca externados, mas tampouco sufocados. – Acho que preciso de um analista...

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The winner takes it all

O vencedor fica com tudo

The loser standing small

O perdedor torna-se pequeno

Beside the victory

Ao lado da vitória

That's her destiny

É o seu destino

 

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Ele riu diante de minha confissão à meia voz. Ele riu. Era como se dissesse "você, precisar de um analista? ora faça-me rir!" Acredito até mesmo que ele tenha dito algo parecido. Não me importava mais. Naquele momento, naquela noite, eu perdi. Eu já deveria estar acostumado a perder... foram tantas as perdas desde.. desde quando? Ora, desde sempre. Não haveria nunca mais um trunfo, não haveria nem uma carta na manga, nunca mais. Eu reconheci a vitória de meu adversário, de um adversário que sequer estava presente. Um inimigo contra o qual eu nada podia. Logo eu, não poder nada contra um inimigo. Logo eu. Mas o vencedor fica com o prêmio. – Nove de copas.

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I was in your arms

Eu estive em seus braços

Thinking I belonged there

Acreditei que lá pertencia

I figured it made sense

Eu descobri que fazia sentido

Building me a fence

Construir uma cerca

Building me a home

Construir uma casa

Thinking I'd be strong there

Achando que lá eu seria forte

But I was a fool

Mas eu fui um tolo

Playing by the rules

Jogando pelas regras

 

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– Dez de espadas!

Ele atirou a carta e eu olhei para o pedaço de papel que pousava no chão. Abaixei-me para pegá-lo e ele fez o mesmo movimento, nós nos encontramos cara a cara debaixo da mesa de jogos. Uma cena típica de alguma novela boba e sentimental, e eu como a mocinha boba e sentimental da novela boba e sentimental cruzei meus olhos com os dele e um nó se formou em minha garganta. Aquelas noites chuvosas de jogo de cartas seriam para sempre minhas. Ele precisava de mim, isso era e ainda é fato. Ele corre pra mim, ele me liga bêbado das baladas em plena madrugada. E eu atendo, pois o amo. E por ele posso enfrentar tudo, posso até mesmo me apagar, me tornar a pedra de gelo na qual eu aprendi a conviver. Posso ser Camus, o Homem da Máscara de Ferro: sem rosto, sem sentimento, porém vivo o bastante para estar sempre lá. – Acredito que, nessa noite, a vitória será sua.

– Camus, eu sempre venço.

É verdade, ele sempre vencia. Eu deixava, ele ficava tão contente quando ganhava. E eu ficava e ainda fico feliz ao vê-lo assim. E enquanto jogávamos cartas eu me pus a lembrar... da Guerra de Hades, quando quase morto fui levado nos braços de Milo até a presença de Atena. Naquele curto caminho eu me senti aquecido, eu me senti bem... eu tive esperança. Foi ali que eu entendi, foi ali que eu admiti. Nos preciosos minutos que antecederam minha morte eu vislumbrei uma vida feliz, ao lado de Milo, vivendo com ele... juntos teríamos um lar, construiríamos o lar que nunca tivemos. Seria fácil, bastava que estivéssemos juntos. Mas eu perdi. E ao perdedor nada resta. – Sete de ouros.

– Você está aéreo há horas.

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The gods may throw a dice

Os deuses podem jogar dados

Their minds as cold as ice

Suas mentes frias como gelo

And someone way down here

E alguém aqui embaixo

Loses someone dear

Perde alguém querido

The winner takes it all

O vencedor fica com tudo

The loser has to fall

O vencedor tem de cair

It's simple and it's plain

É simples e direto

Why should I complain

Por que eu deveria reclamar

 

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Aéreo. Sim, era uma boa definição. Eu estava mesmo afundando em pensamentos, em sentimentos e em possibilidades que não se concretizaram e nunca se concretizariam. Eu morria aos poucos a cada menção de um novo amor, de uma nova conquista. Mas a morte seria súbita se, de repente, eu simplesmente não pudesse mais vê-lo. Ninguém conseguiu nem consegue me entender. – Por que os deuses brincaram conosco dessa forma, Milo? Como se fôssemos marionetes, como se fôssemos vasos sem alma nem coração?

– Você ainda é capaz de me surpreender, Camus, e isso é maravilhoso. Eu não sei. Eu não faço a menor idéia do porquê nós, justamente nós, fomod escolhidos pra isso. Do porquê os deuses te tiraram de mim por duas vezes... céus, eu não sei como agüentei. Por que nunca conversamos sobre isso, Camus? Por que não falar sobre o passado?

Ao menos ele sentiu minha falta, quando morri. Quando morri por duas vezes. Talvez eu devesse morrer de novo, quem sabe assim não... Não, melhor era nem pensar nisso e encarar a derrota de uma vez por todas. Nós não falávamos sobre o passado, era um assunto doloroso demais. Não tínhamos e não temos a intenção de abrir antigas feridas, de fazer sangrar o que já está cicatrizado. – Porque eu não quero falar sobre as coisas pelas quais passamos. Embora ainda machuque, tudo não passa de história agora. Eu joguei minhas cartas, Milo, assim como você jogou as suas. Até hoje o vencedor não foi definido. Ou talvez já tenha sido e você simplesmente não saiba. Não sei. Eu infelizmente não tenho as respostas. Eu gostaria de tê-las, claro. Mas somos cavaleiros e temos regras a obedecer, regras que são claras, claras até demais. Deveria bastar para nós, são regras simples embora difíceis de cumprir. Deveria bastar... por que reclamar?

– Você não fala coisa com coisa...

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But tell me does she kiss

Mas me diga se ela beija

Like I used to kiss you?

Como eu te beijava?

Does it feel the same

É a mesma coisa

When she calls your name?

Quando ela chama seu nome?

Somewhere deep inside

Em algum lugar dentro de você

You must know I miss you

Você deve saber que eu sinto sua falta

But what can I say?

Mas o que posso dizer?

Rules must be obeyed

Regras devem ser obedecidas

 

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Realmente eu não falava coisa com coisa. Pela primeira vez em toda minha vida eu simplesmente não soube o que dizer. Eu olhava para ele e só conseguia imaginar os Afrodites beijando-o, acariciando-o, tomando-o para si. Fazendo tudo aquilo que eu sempre tive vontade de fazer e nunca pude, nem nunca poderei fazer. Por pura covardia, diria alguém. Eu sou Camus de Aquário, e se há um defeito que não tenho esse defeito é a covardia. Mas uma qualidade também me falta: transparência. Talvez eu até demonstrasse... talvez eu ainda demonstre. Do meu jeito, sem palavras de amor ou gestos de carinho. Mas um olhar mais terno, um presente bem escolhido sem nenhuma data especial, uma forma de dizer seu nome... não são também uma forma de demonstrar? O que me consola é que nunca seria como se fosse comigo... os beijos nunca seriam os mesmos, o sexo não seria nem parecido. Eu sou único e sei disso. Ele ainda teria saudade de algo que nunca existiu. E eu ainda sentiria tanta falta dele, tanta até meu corpo queimar mesmo no zero absoluto. – Regras nos foram impostas e regras têm de ser obedecidas. Desisti de reclamar.

– Valete de copas! E só pra constar, você nunca foi de reclamar... e nunca deixou de obedecer as regras ou de fazer seu dever.

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The judges will decide

Os juízes decidirão

The likes of me abide

Meus gostos congelados

Spectators of the show

Espectadores do show

Always staying low

Sempre lá embaixo

The game is on again

O jogo começa de novo

A lover or a friend

Um amante ou amigo

A big thing or a small

Algo grande ou pequeno

The winner takes it all

O vencedor fica com tudo

 

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Eu me permiti um pequeno meio sorriso quase imperceptível para mim mesmo. Espero que ele não tenha visto, que não tenha percebido minha fração de fraqueza descarnada, desnuda. Sim, eu nunca deixei de ser leal, mesmo quando todos pensaram o contrário. Meu coração sempre foi e sempre será verdadeiro. Silencioso e verdadeiro. Partido e verdadeiro. Eu finalmente entendi e aceitei a derrota. Joguei de acordo com as regras e fui vencido. Às vezes é preciso coragem para resignar-se. – Se eu cumpri ou não minha missão nesse mundo, Milo, infelizmente não cabe a você julgar. Dois de copas.

– Dama de paus!

Acredito que a vida seja um show. Uma sucessão de artistas que entram e saem de um picadeiro sem fim. Cada qual tem seu papel em determinado momento. Meu papel na vida de Milo é o de coadjuvante. Um coadjuvante merecedor de um Oscar, mas ainda assim um coadjuvante. Às vezes é preciso coragem para resignar-se. Eu tomei um passo em direção à minha redenção. – Mas vamos falar de coisas melhores. Me diga, então ele voltou? Afrodite? Você deve estar feliz...

– Eu estou. Talvez eu pudesse estar melhor. Talvez eu precise de algo mais profundo do que Afrodite pode me dar. O que você pensa?

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I don't wanna talk

Eu não quero falar

If it makes you feel sad

Se isso te faz triste

And I understand

E eu entendo

You've come to shake my hand

Você veio para me apertar a mão

I apologize

Peço desculpas

If it makes you feel bad

Se você se sente mal

Seeing me so tense

Ao me ver tão tenso

No self-confidence

Sem autoconfiança

But you see

Mas você sabe

The winner takes it all

O vencedor fica com tudo

 

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O que eu pensava? Que ele poderia ter em mim um amigo e um amante. Alguém sempre disposto a estar com ele, alguém que não daria somente sexo mas também carinho. Alguém que o compreenderia como ninguém jamais o havia compreendido. Alguém que o conhecia e o amava, alguém que não se importaria – que nunca se importou – com seus defeitos, grandes ou pequenos. – Eu acho que você tem de decidir o que você realmente quer, Milo.

– O que você acha que eu quero?

Eu já fui um pouco de tudo nessa vida, menos telepata. E até mesmo o cosmo tem suas limitações. Como eu saberia o que Milo queria? Não, ele mesmo deveria descobrir, deveria se afundar nele mesmo, mergulhar em sua própria alma para emergir mais sábio, mais adulto talvez. Mais seguro. Eu decidi usar de toda a sinceridade permitida pela situação. – Eu não sei, Milo. Eu não tenho como saber. Eu sou só um jovem de 24 anos, cheio de dúvidas, de problemas, de incertezas, de rancores, de amores... eu não sei. Não tenho como saber, não tenho como conhecer caminhos ainda não trilhados, sendas ainda desconhecidas. Eu não sei o que a vida reserva pra você, eu não sei o que a vida reserva pra mim. Tenho medo, sim, não me olhe desse jeito, eu tenho medo do porvir, eu tenho medo de morrer, tenho medo de te perder, de ver você partir sabe-se lá pra onde e com quem... eu tenho medo de partir sabe-se lá pra onde e com quem. Não deveríamos nos preocupar. As coisas deveriam ser bem mais simples, mas não são... O vencedor fica com tudo, ao perdedor só resta resignar-se e por vezes chorar baixinho uma ausência que nunca será preenchida!

– Você me assusta. Nunca te vi assim. Você me entristece. Se nem você, que sempre foi minha fortaleza, sabe o que fazer... o que eu posso? O que eu posso contra tudo isso?

Ele chorou. Até hoje eu não sei porque, acho que nunca saberei. Eu me aproximei dele, encostei seu peito no meu e acariciei seus cabelos. Milo era e ainda é um menino. Um menino poderoso, mas ainda assim um menino. Um menino amadurecido pelos sofrimentos que a vida lhe impôs, mas ainda assim um menino. – Me desculpe, chèr, se eu te deixei triste. Me desculpe por te deixar me ver assim, tenso e sem autoconfiança. Mas não fique triste. Nós temos de nos permitir pequenos deslizes de vez em quando. Eu vou sempre ser sua fortaleza, acredite em mim. Sempre. Longe ou perto, vivo ou morto, eu sempre vou estar com você. Não é bobagem melodramática, é verdade. Você me conhece, agora mais do que ninguém... talvez mais do que eu mesmo. Eu me mostrei a você, Milo, para que você entendesse que ninguém é uma fortaleza. A fortaleza é onde nos escondemos, é nosso abrigo... mas assim como nossas armaduras, a fortaleza não faz parte do nosso corpo.

– Obrigado, Camus... Ás de paus. Fim de jogo!

Nós dois rimos, ele apertou minha mão e foi embora.

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The winner takes it all

O vencedor fica com tudo

And the loser standing small

E o perdedor fica pequeno

 

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Já se passaram alguns anos. O vencedor ficou com tudo... eu os vejo na praia durante a tarde, os raios de sol a acompanhar seus passos incertos. Há dias em que eu penso que Milo sabe, que Milo sabe de tudo, de todo meu sentimento, de tudo o que eu tento a todo custo esconder... logo em seguida penso que é coisa da minha cabeça e deixo pra lá. Aprendi que certas coisas simplesmente não podem ser. C'est la vie. Ainda nos vemos... ele ainda precisa de mim, de meus conselhos, de minha presença calmante. Talvez seja melhor assim.

Nunca mais jogamos cartas. Naquela noite, Afrodite me venceu. Milo me venceu. A vida me venceu. E eu sinceramente não tenho mais forças para lutar contra todos eles.

Eu sorrio. Sinceramente, estou feliz. Alguns nasceram para estar juntos, outros para estarem sozinhos. Uns são personagens principais, outros meros coadjuvantes. Creio que eu seja um bom coadjuvante, eu ao menos me esforço pra ser.

Mas o vencedor fica com tudo... o vencedor fica com tudo... com tudo...

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Música: The Winner Takes it All, Abba. Alguém aí viu Mamma Mia no cinema? Desde que eu assisti que fiquei com essa idéia na cabeça...

Nota final: Quem chegou até aqui e quiser deixar um review... vou ficar mais do que feliz. Mas lembrem-se: essa fic é mais um trabalho original do que qualquer outra coisa. Talvez aqui Camus e Milo sejam somente nomes...