Debaixo de uma chuva torrencial, em uma clareira no meio da floresta, nas proximidades de Kyoto; silêncio, passado, ações, arrependimentos, vitórias sujas, talvez desonradas. Recordações... Desvio de atenção.
Em sua tentativa, passos velozes tentando chegar a uma leve corrida. O som que a folhagem emitia não era o suficiente para encobrir os soluços da jovem.
O rapaz, que até então estava voltado para o passado, agora se levantava e acompanhava a fuga. Não era necessário dar largos passos para acompanhar a moça, pois o obi não lhe permitia maior agilidade.
Talvez pelo cansaço ou pelas lágrimas que bloqueavam seu campo visual, ao encontro de um desnível, o corpo veio ao chão, trazendo consigo uma jovem de pele muito clara e cabelos negros desalinhados de um coque quase desfeito. O kimono que no passado fora de um azul muito claro, agora se encontrava coberto de lama.
Depois de um certo esforço e conseguindo livrar os olhos de novas lágrimas, a jovem pôde levantar o rosto, a tempo de ver que alguém estendia uma das mãos em sua direção.
"- Oro?" - sua voz era rouca e muito baixa, afinal, toda aquela chuva já havia castigado muito a sua saúde.
Instintivamente a menina levantou-se com a ajuda daquele que havia lhe oferecido assistência. Seu corpo pesava muito devido à exaustão, fazendo com que tivesse uma certa dificuldade em se locomover, de modo que o rapaz teve de guiá-la até uma cabana não muito pequena, mas modesta.
Já desperta, porém com os olhos ainda cerrados, tentava destinguir onde estava, se o dia já havia clareado, se ainda chovia, até que passos próximos e um rangido fizeram com que seus olhos abrissem.
"- Desculpe, não tive a intenção de te assustar." - um jovem de cabelos negros e olhos de mesma cor, que entrava na cabana, tentava se desculpar, dando um sorriso em troca.
Sem ter palavras e muito sem graça, só o que a menina pôde fazer foi corar. Então o rapaz continuou:
"- Toma, desculpe não ter nada melhor para lhe oferecer, mas foi o que consegui." - e a menina desviava o seu olhar, do jovem para uma toalha estendida ao seu lado com uma grande variedade de frutas. Afinal, no meio de uma floresta isso não seria tão difícil.
"- Obrigada." - disse a hóspede, num tom quase inaudível.
O dono da cabana continuou:
"- Gostaria de me desculpar, mas não tenho nenhuma roupa que fique bem em uma donzela, acho que a melhor seria esta." - e o menino entregava um Gi e uma Hakama que pela aparência, parecia não ter sido usados por um bom tempo.
As frutas já iam desaparecendo da toalha, quando a jovem viu que seus trajes estavam cobertos de lama, seu cabelo tinha se livrado do coque. Com isso sua face corou rapidamente.
Notando seu embaraço, o rapaz continuou:
"- Bem próximo da clareira há um rio. Se não se importar, pode se limpar em suas águas."
A menina agradeceu, timidamente. Pegando a última cereja se levantou e, com muito cuidado para não sujá-la, pegou a roupa.
A água do rio estava gelada, porém agradável.
A jovem se livrou do kimono e, tocando a água, sentiu um alívio indescritível.
A correnteza ia levando toda a lama, as lágrimas e o cansaço da noite anterior. Depois de se sentir limpa, a moça pegou seu kimono e começou a limpá-lo também.
Saiu de dentro do rio, onde corriam águas tranqüilas e vestiu o Gi que o rapaz havia lhe dado. Não tinha lhe caído mal. Até que seu corpo recebia bem aquele tipo de vestimenta. O Gi era composto por duas tonalidades de azul.
A moça estendeu seu kimono em uma pedra e saiu a procura de alguma flor perfumada.
Não muito longe do rio encontrou uma pequena árvore de onde pendiam miúdas flores com uma tonalidade alva. Seu perfume era doce e suave. Sem muito esforço, ela pegou algumas flores e voltou para o lugar onde deixara o kimono. No caminho encontrou uma pequena pedra e levou consigo.
Sentando-se ao lado de seu kimono, que secava sob os raios do sol, a jovem colocou as flores no chão e com a pedra, pressionou até que uma seiva saiu de seus caules.
O perfume era delicioso e relaxante. Molhando o dedo no líquido recém-tirado das flores de pessegueira, a moça o depositou nos punhos e lóbulos das orelhas. Com as mãos ainda úmidas, deslizou os dedos por entre os fios do cabelo.
O kimono não havia secado totalmente mas mesmo assim ela o pegou e partiu de volta para a cabana. Em agradecimento, a menina resolveu colher algumas flores, agora para dar ao rapaz. No caminho iria encontrar muitas delas, e realmente belíssimas.
A porta estava encostada e, dos fundos da casa, se ouvia o som seco de um machado fazendo troncos virarem lenha.
Ainda com o kimono cuidadosamente dobrado nas mãos e sobre ele algumas das flores que colhera, a jovem foi ver quem estava lá, chegando a um canto e vendo a figura de um rapaz em um Gi azul-escuro e branco.
"- Posso sentir que a donzela parece bem melhor." - a observação a assustou, afinal o menino estava de costas para a jovem.
"- Oro? Como sabia que eu estava aqui?" - ao ouvir a pergunta da menina, o rapaz se levantou, soltando seu Gi e, caminhando para a entrada da cabana, parou em sua frente e respondeu:
"- Quando se é um conhecedor de técnicas na qual envolve uma espada e, principalmente, sua vida, aprendemos a ficar atentos as coisas a volta." - e deu um gentil sorriso para a menina. Continuando o caminho até a entrada da cabana, o jovem ainda disse, agora sem olhar pra trás:
"- Mas com o seu perfume, até uma criança sentiria sua presença."
A menina corou, mas não disse uma palavra, apenas o seguiu e entrou na cabana.
Ainda não era muito tarde e, vendo que o rapaz havia trazido mantimentos da cidade, a jovem se prontificou a preparar o almoço.
Algumas horas se passaram. De repente a porta se abriu e o menino de cabelos negros entrava, um pouco suado e controlando sua respiração acelerada.
"- Não precisava se preocupar. A donzela é minha hóspede, tenho a obrigação de ser seu responsável." - o menino estava embaraçado, mas não perdeu o tom gentil em sua voz.
A moça de longos cabelos, baixando a cabeça, se desculpou.
"- Tudo bem, não se preocupe!" - o jovem lhe sorriu.
Ambos se acomodaram e começaram sua refeição. Os minutos seguintes foram mudos.
"- Perdão, ainda não me apresentei," - o jovem quebrou o silêncio - "me chamo Seta Soujiro."
"- Michi. Hana Michi" - e a jovem fez uma reverência.
"- Caminho florido." - ouviu-se a voz do rapaz.
"- Oro?" - a menina levantou a cabeça, assustada.
"- Seu nome."
"- Hai!" - a jovem sorriu. Seus lábios descreviam um sorriso agradecido, porém triste.
"- A donzela é muito quieta. Há algo de errado? Foi algo que eu disse?"
"- Iie!" - respondeu a moça prontamente.
Soujiro viu que a menina não iria se abrir, então resolveu continuar a refeição em silêncio, até que Hana se manifestou:
"- Posso perguntar-lhe algo?" - meio receosa.
"- Claro. A donzela pode perguntar o que quiser." - com essas palavras uma lágrima caiu dos olhos verdes da jovem.
"- Será que... Você se importa... " - começou a corar - " Será que você poderia me acolher por alguns poucos dias? Posso ajudar no que for preciso; limpar, preparar as refeições..." - o jovem a mirava de forma acolhedora e a menina continuou - "Não posso voltar para o meu daimyo. Takashi irá obrigar-me a casar com ele. Eu não posso, eu não quero!" - agora sua tristeza mesclava-se com desespero e lágrimas voltavam a correr pelo rosto rosado.
Soujiro não esperava ver uma reação daquele tipo. Uma jovem que, antes quase não falava, agora estava a sua frente, falando de suas dores, sofrimentos. Tentando entender o motivo de toda a confusão perguntou:
"- Quem é Takashi?"
"- Takashi Tsukishiro é um comerciante muito conhecido nas proximidades de Ishido. Quando conheceu o meu pai, suas primeiras palavras foram para oferecer quantias pelas terras." - mais uma pausa e recordações - "O daimyo não estava a venda, mas Takashi insistia. Ele queria as terras a qualquer custo... Um dia, ele chegou em Ishido com o pretexto de que havia se apaixonado por mim e que queria se casar. Todos nós já desconfiávamos do plano que ele tinha em mente e ninguém foi a favor da união." - agora as lágrimas fluíam violentamente - "Logo, o único jeito de Takashi conseguir seu objetivo era matando minha família, mas como as terras seriam tomadas pelo Governo, ele forçou um casamento."
Soujiro observava Hana com compaixão. E sorrindo gentilmente, pediu para que continuasse a história.
"- Ele me deixou presa em Ishido durante três semanas, tempo suficiente para preparar tudo para a cerimônia. Só ontem é que finalmente consegui fugir." - a menina baixou a cabeça. As lágrimas já haviam parado de cair, mas a expressão triste em seu rosto permanecia.
Sem obter nenhuma resposta e vendo que o jovem, sentado a frente, estava imóvel, Hana resolveu encará-lo. Em seu rosto um gentil sorriso parecia estampado, ela protestou:
"- Eu lhe conto minha história, o motivo da minha tristeza e sofrimento e sua única reação é um sorriso?!" - gritando revoltadamente.
Soujiro não teve outra reação senão sustentar o sorriso, e falar:
"- Me desculpe. Este sorriso não é algo real! Sinto muito por sua família." - e lembrando do pedido que a jovem tinha feito: - "- É claro que irei lhe acolher. Não precisa se preocupar!"
Ouvindo essas palavras, Hana baixou a cabeça, em agradecimento, e se levantou levando a louça, para lavar. Com isso seus pensamentos agora fervilhavam. *O que ele quis dizer com: - Este sorriso não é algo real?*
Sem sentir que o jovem se aproximava, Hana se viu repetindo oralmente:
"- Não é algo real?"
"- Eu sofri muito durante a minha infância. Uma pessoa me ensinou coisas, que me fizeram ter força pra viver até hoje, embora alguns conceitos tenham se modificado... Meu sorriso é apenas uma forma de esconder meus verdadeiros sentimentos. Assim fico menos vulnerável, não concorda?" - tomando um susto enorme, Hana deu um salto acompanhado de um audível "- ORO?!"
