Os tons de violeta que se espargiam pelos olhos de professor de artes, eram admirados por ele mesmo quando se olhava no espelho pelas manhãs. Os cabelos amarrados em uma trança frouxa transpareciam a noite mal dormida. Não, o dono dos olhos cor de flor de campo não havia dormido, pois passara a noite observando à nebulosa que se estendia no céu escuro e esplêndido, que para ele, se ampliava á uma eternidade de minutos que pareciam mais quadros ou fotografias as quais não conseguia parar de admirar.
O sol começou a nascer frente ao orvalho que se transluzia brilhante nos gramados extensos de Tóquio. Ele coçou os olhos com as costas das duas mãos e se levantou da cama de casal desarrumada. Sim, uma grande cama que apenas ele ocupava.
Olhou para os próprios olhos novamente – assim como em todas as manhãs –, abriu a torneira e juntou as duas mãos embaixo da água formando uma pequena poça. Entre os respingos que caiam na pia branca, ele molhou o rosto e despertou completamente; as olheiras foram completamente ignoradas. Escovou os dentes, penteou os cabelos, vestiu-se de acordo como fazia todas as manhãs orvalhadas, ensolaradas ou chuvosas. Um terno batido, ou algo mais informal, entretanto, nunca mudava o visual que sempre mantinha. A roupa escura fazia-se incompleta diante á matéria que ensinava.
- Bom dia Buyo. – O gato não se moveu, gordo e preguiçoso, como um velho de 80 anos na cadeira de balanço.
Foi até a cozinha espaçosa e preparou, como sempre, seu próprio café da manhã. Comeu calmamente, juntou toda a sua própria bagunça: anotações, apostilas, cadernos e pinceis e jogou tudo dentro da maleta preta, saindo em seguida. Trancou o apartamento do lado de fora. O elevador já estava em seu andar quando notou, rodou os olhos e adentrou o recinto quadriculado, rumando ao estacionamento do prédio, onde pegou o carro que comprara á poucos anos e saiu.
Bem como todas as manhãs, uma vida monótona que o lembrava todos os dias o quanto chata e insuportável ela era. Embora o professor de artes não se importasse muito com isso e ignorasse o fato de que a solidão deixava
ainda mais monótona sua vida chata e insuportável que alimentava á torradas e leite quente.
Ao estacionar sem pressa e andar até os corredores extensos da faculdade em que lecionava, notou as portas abertas e o café do segundo andar cheio de homens e mulheres que, sem se importar com o atraso do professor, tomavam qualquer coisa enquanto conversavam distraidamente. Aproveitando a brecha valiosa para roubar um café, Sesshoumaru encostou os cotovelos no balcão e pediu á garçonete o que queria. Não sorriu á ela, nem lhe deu um bom dia de trabalho, Apenas agradeceu, pagando em seguida o café, pegando-o e rumando em silencio á sala, como sempre, é claro.
Porém, quando chegou ali, depois de colocar sua bolsa e também o café sobre sua mesa, e ter a visão de toda a sala e cadeiras vazias, notou uma só pessoa, sentada na primeira cadeira, da primeira fileira, do primeiro degrau. "Uma ótima aluna", ele poderia ter pensado. Mas como sempre, simplesmente a ignorou, quando a mesma moça olhou em direção ao nada e perguntou se havia alguém ali, deixando de olhar para o livro que seguia com o dedo cada silaba. Ele não se deu ao trabalho de responder, foi até o quadro e com o giz branco escreveu sem dificuldade na parte mais acima da mesma "Arquitetura Romena." Riscando embaixo das palavras.
Repensou sobre a moça, olhando-a com o canto do olho, esperou que percebesse sua presença. Mas não o fez, parecia então tão dispersa em sua leitura que realmente havia ignorado-o.
- Sim, há alguém aqui. – Ela olhou, tirando o dedo do livro e virando a cabeça para todos os lados. Ele ficou indiferente á aquela ação. Virou-se novamente para o quadro e começou a escrever a matéria que planejava para castigar os universitários pela distração. Pois tinha certeza de que a grande maioria que estava no café, o havia visto chegar, e entrar na sala.
- Quem é? – A voz doce, por algum motivo, fez com que ele forçasse o giz a ponto de quebrá-lo em dois; Sesshoumaru não perdeu a postura que, - obviamente – um educador deveria ter. Pegou outro pedaço de giz e voltou a escrever, ignorando o fato que ela eventualmente poderia estar incomodada de ele ter lhe dado as costas.
- Sesshoumaru. – Foi sua resposta simples.
- Por que esta escrevendo no quadro? – Ouviu a cadeira riscar o chão, sinal de que ela havia se levantado.
- Por que sou o professor. – O tom frio e perigoso que usara sem querer fez a moça se calar e sentar novamente, amuada em sua leitura. – Em trinta segundos, fecharei a porta, senhorita, pelo que vejo, é nova na turma. – Pausa. – Faça o que tem que fazer rapidamente. Não levantei ás cinco da manhã para dar aula ao vento. – No instante seguinte, cinco ou seis alunos entraram. O quadro negro já estava preenchido quase que completamente, e a cara que os poucos fizeram não agradou Sesshoumaru.
- Me chamo Rin. – Ela disse. – Meu tutor deve estar prestes a chegar para me ajudar. – Os tons dos olhos dele brilharam em provocação.
- Pois bem, Senhorita Rin, não há tutor algum. Eu sou seu tutor, e a única ajuda que vai precisar se continuar se fazendo de cega e não copiar com rapidez, antes que eu apague, vai ser do coordenador geral para me impedir de lhe dar um F.
Por um minuto ou dois, o silêncio da sala era quebrado pelo barulho que as canetas provocavam ao escrevinhar rápidas nos cadernos. O dono dos olhos violetas se aproximou da universitária, ofendido com seu silêncio.
- Ela é cega, Sesshoumaru. – Parou, dando meia volta ao escutar a voz de Sango na porta. Lembrou da porta que, depois de trinta segundos continuou aberta. Por um momento, teve vontade de mandá-la calar a boca. Embora por outro momento, tenha se sentido profundamente arrependido pela bronca que dera na aluna.
- Desculpe. – Foi sua resposta, frente á cabeça baixa de Rin, que aparentava querer chorar, ou sair correndo se soubesse para onde ir. As pessoas haviam parado de escrever quando o estrondo da porta ecoou pelos cantos da sala. Sango havia batido a porta.
- Pelo que sei, ela poderia processá-lo por isso. – A estudante disse, enquanto Rin levantava a cabeça em desespero.
- Não! Eu não faria isso, Senhor Sesshoumaru, desculpe, procuro ser discreta sobre isso, desculpe, eu não faria isso, não se preocupe. – Ela repetia, exasperada.
- Acalme-se. – Ele se agachou frente á ela. – Sango irá ajudá-la enquanto o seu tutor não chega, sim? Se precisar de algo, me chame. – Surpreendeu-se com o próprio tom de voz, enquanto voltava ao quadro e retornava á postura fria que inevitavelmente tomava conta de sua alma e mente todos os dias pela manhã.
- Obrigada. – Ela agradeceu, embora não o tivesse visto, notara em volta da escuridão de tons que conseguia enxergar a mesma solidão que, sem saber, apossava-se tão silenciosamente dentro de si.
Horas se passaram; longas e cansativas para ele. Preciosas para ela. Aprendizagem era tudo o que ela queria adquirir. Sesshoumaru andou pelos corredores, sozinho como sempre. Gostaria muito de poder num piscar de olhos, voltar no tempo e rever o que errou, ou mesmo, ao puxar o pino de seu relógio caro ter a oportunidade de parar o tempo e não cometer o erro. Entrou na área das salas de música para falar com Kagome, namorada do irmão, a fim de perguntar o porquê de ele não ter ido á aula.
Sorriu. Um sorriso imperceptível qualquer que lhe deu na telha ao ver Kagome parada na porta, o cigarro entre os dedos e os olhos fechados, a cabeça ia e vinha como se negasse algo ao seu amigo imaginário, que sussurrava algo deturpado ao seu lado. O piano soava em algum lugar e Kagome parecia apreciar tanto quanto os ouvidos masculinos os toques doces que pareciam soar de um piano de calda. Ignorou o som por completo, e encarou a professora.
- Kagome. – Ela pareceu acordar aborrecida pela interrupção do outro. – Sabe onde está Inuyasha? –Fingiu que não notou a expressão de "Se eu soubesse, estaria com ele agora" que ela pareceu querer transparecer e continuou calado, esperando pela resposta.
- Não, Sesshy. Mas caso ele apareça, falo que o estava procurando, certo? – Foi sua esperada resposta. Ele balançou a cabeça concordando, dando as costas á ela e começando novamente sua caminhada em direção ao restaurante em que comia todos os dias. Á cinco passos da professora de música, ele parou, olhando por cima do próprio ombro e encarando a moça, que voltara ao seu transe.
- Kagome. – Chamou-a novamente, desta vez ela pareceu irritada. – Quem esta tocando? – Novamente, ele ignorou a expressão de "Vá embora logo de uma vez, infernos!". Não que Kagome o odiasse, não, muito pelo contrario, ela apreciava demasiadamente sua companhia, mas aquele momento em especial, necessitava de silêncio e ele o quebrava a todos os momentos.
- A nova aluna da sua classe, Rin. Ela também é aluna da minha classe. – Ele girou os calcanhares, e voltou o corpo por completo em direção á outra. Estava surpreso e não sabia bem como reagir naquela situação.
- Como? – Perguntou, aproximando novamente á tempo de escutar o suspiro aborrecido da morena.
- Rin, Kenichi Rin. Sua aluna, minha aluna, nossa aluna. – Era como se explicasse para uma criança de 8 anos os verbos e ele entendeu perfeitamente aquilo.
- Obrigada por me explicar tão detalhadamente o que eu já sei. – Seco, e ela hesitou diante aos olhos violetas que aos poucos, se tornavam impacientes e estreitos. Abriu a porta no instante em que Rin havia parado de afundar as teclas.
- Dizem que os que não enxergam, podem ver muito mais cores do que nós podemos, e tem muito mais sentidos do que deveriam ter. – A cunhada sussurrou rente ao seu ombro. A aluna de ambos ficou de pé e pegou a vareta que naquele dia estava escarlate.
- Kagome? – Chamou, abaixando a cabeça por alguns segundos, antes de levantá-la novamente em um impulso e recuar passos duvidosos. – Senhor Sesshoumaru?
Naquele momento, seu estomago embrulhou e sentiu uma doce tontura que nunca em toda sua vida havia tido a oportunidade de experimentar, ele hesitou em escolher o tom que usaria em sua resposta. Hesitou ao falar, ao olhá-la por mais um segundo. Resmungou para si mesmo e cruzou os braços, permanecendo em seu silêncio contraditório... Sim, contraditório, pois queria responder.
- Sim querida, estamos os dois aqui. – Kagome falou por ele.
- Há! Sim... Sim! – Ela gaguejou, enquanto a vareta que a guiava provocava estalos no chão, como bombinhas de carnaval. Andou em direção á porta, Rin contava seus passos e às vezes arrastava os pés. – Bem, eu já vou indo, preciso achar Kouga, se não eu... – Ela continuou a falar, enquanto Sesshoumaru se perguntava se Kouga seria seu tutor, seu irmão, ou seu namorado. Bem, por que ele se importava afinal? – Senhor Sesshoumaru... Com licença. – Ela pediu com extrema doçura e educação. Foi então que o professor pigarreou e sentiu a vareta da menina parada frente ao seu tênis, praticamente o cutucando como se fosse um inseto. Embora ele soubesse que aquele pensamento era absurdo e que taxá-lo como um inseto nunca fora a verdadeira intenção dela, ele simplesmente manteve o apotegma tolo, um tipo de desculpa para mantê-la em sua mente e fazê-lo pensar. De uma forma ou de outra, por bem ou por mal.
Sesshoumaru se afastou para que ela passasse e notou seu sorriso inocente. A verdadeira inocência não estava em seus sorrisos... Mas nos tons pálidos de seus olhos azuis, no rubor de sua face, nos passos... O professor divagou por um segundo ou dois como seria mergulhar naquele azul, e qual seria a sensação que sentiria se ela pudesse realmente vê-lo.
Apesar
de não poder vê-lo
E de não conseguir explicar o por quê
Tal
como uma confiança profunda
Você se estabeleceu em minha vida.
Mas a verdade que ele não havia conseguido entender em poucas horas, era que, quando ela nao o via, ela o sentia.
Queridas Leitoras.
Trago está estória com a melhor das intenções.
Espero que apreciem a leitura e digam-me se posso continuá-la.
Grandes beijos e obrigada por lerem, Laura!
