In a different light
Capítulo 1: Uma figura solitária.
Written by: TheMaven.
Translated by: Shampoo-chan
O Lorde das Terras do Oeste estava preocupado.
Dúvida, suspeita, remorso e, talvez... apenas talvez, uma pontada de medo espalhava-se pela alma dele enquanto o fogo do acampamento começava a diminuir e a apagar, a chama florescente agora reduzia a madeira queimada a ardentes cinzas. Ele suspirou intimamente e mudou a posição do assento sob os ramos da árvore de magnólia.
Rin ainda não havia voltado, e a lua cheia estava alta no horizonte, fornecendo uma iluminação assustadora às terras e floresta, as sombras das árvores mais próximas envolviam as feições dele e dos dois companheiros dele – Ah-Un e Jaken – numa aveludada capa noturna. Jaken estava acomodado numa árvore e segurava o Bastão das Cabeças firmemente naquele sonolento alcance, e Ah-Un estava enrolado junto a fogueira, as duas cabeças descansando tranqüilamente no chão da floresta. Mas, diante daquele silêncio, Sesshoumaru sentia-se intranqüilo.
Rin havia mudado. Diante dos olhos dourados dele, sob o olfato canino, ela tinha evoluído de uma muito tagarela e incômoda criança para uma encantadora jovem. De fato, quando a olhava agora, tinha dificuldades de reconhecer a jovem rebelde que ela costumava ser e que agora era a mulher que pouco ousava encará-lo. Ela era... cativante.
Claro, essa mudança tinha sido gradual. A mais notável veio na altura. No começo ela era literalmente na altura do joelho, apenas uns poucos centímetros mais alta que Jaken. Depois ela ficou na altura das pernas, os braços ainda incapazes de dar-lhe um abraço apropriado. Das pernas, ela atingiu o quadril dele, depois a cintura, depois ficou um pouco abaixo do peito dele. Nesse ponto, ela podia abraçá-lo com os finos braços e mãos desajeitadas, mas o fez apenas em pouquíssimas ocasiões. Também, nessa época, ela começou a desenvolver mais atributos femininos.
O cabelo dela ficou maior e brilhante. A face afinou e o quadril alargou-se. E um aumento evidente podia ser notado na área do peito dela... Tinha sido também quando ela ficou excitada pela primeira vez, e ele afastou-se de Rin... O cheiro dela havia mudado de algo muito doce e floral para algo mais almiscarado e velado – de um campo de flores silvestres que desabrocham no vento de uma única vez ao sol do meio-dia.
Respirou profundamente, relembrando a primeira vez que ele sentiu o cheiro dela alterado... Rosas... Não, não rosas, plural; rosa, singular. Ninguém exalava o mesmo perfume que ela... Humano, demônio ou qualquer outro. Rin era a única. E ela não o deixou insensível a isso.
Embora ele tivesse as rédeas das próprias paixões e dos desejos, Rin tinha sido escrava das emoções e dos furiosos hormônios. Naqueles dias, o lorde demônio pensava, ela era um problema para Jaken, mais do que quando a acolheram. Estava sempre choramingando e lamuriando-se, odiando a própria imagem, negando-se a deixar que qualquer um se aproximasse do quarto, mesmo que fosse para chamá-la para as refeições ou para limpar o quarto, porque, nas palavras dela, estava muito feia para ser vista. Ou estava brava e descontente, enfurecendo-se facilmente pelas coisas mais simples.
O rabo-de-cavalo era amarrado num ângulo estranho e ela não conseguia abaixá-lo, então parou de usá-lo e parou também de penteá-lo por quase um mês. As roupas também se tornaram outro problema. Os quimono não mais serviam nela, não importasse quantas vezes ela os puxasse e os segurasse, então ela os rasgava em pedacinhos e obrigava Jaken a arrumar-lhe novos. E os novos eram sempre da cor ou modelo errados, ou muito curtos ou muito longos, e ela os jogava fora com raiva, insistindo que Jaken a odiava e queria que ela parecesse com algum tipo de troll.
E as refeições não eram diferentes. Se ela não estava gritando e arremessando os pratos em alguém porque a sopa estava fria demais ou o peixe estava muito seco, ela estava fazendo caretas sob os ombros de Jaken quando este preparava a comida, só para confirmar se ele adicionou a quantidade certa de temperos ou não cozinhou demais o arroz ou a carne. Numa ocasião, ele teve que intervir e repreendê-la por ela ter literalmente escaldado o pequeno demônio com uma caçarola de sopa fervendo. Quando ele perguntou o porquê dela ter feito tal coisa, ela replicou: "Ele sabe que eu ODEIO cebolas". Aparentemente, ela tinha dito a ele para não pôr cebolas, e ele colocou do mesmo jeito.
Reprimiu um sorriso. Graças aos deuses que esses dias acabaram.
A garota era atrapalhada, desajeitada e grosseira, as mãos e os pés largos demais para uma figura tão pequena. Estava constantemente tropeçando e caindo, esbarrando nas coisas e quebrando-as. Olhos roxos e machucados, galos na cabeça, cortes e contusões, joelhos esfolados e cotovelos arranhados... Como humanos sempre sobreviviam e iam para a maturidade era um grande mistério para ele.
Mas eles conseguiam. E ela também.
Agora ela estava na altura do ombro dele, e as reviravoltas do humor cessaram. Ela era contente e jovial, a risada infantil substituída por um gorjeio trinado. O rosto ficou mais fino e o corpo completou-se, dando-lhe as medidas dos quadris comumente associadas à beleza feminina. O cabelo agora ia até abaixo da cintura em ondulações suaves e brilhantes, o preto da franja dando-lhe um surpreendente, mas não desagradável, contraste com o pálido marfim da pele dela... Ela era...
Estreitou o olhar e serrilhou os dentes.
Era... Ela não era para ele, ele finalmente decidiu.
Afinal, ela era humana. E humanos tinham seu próprio lugar com outros humanos. Era sem sentido e potencialmente perigoso ir contra a ordem natural das coisas... Não que ele fugisse do perigo. Perigo era um dos passatempos favoritos dele – enfrentando hordas de demônios, esmagando golpes de estado e rebeliões em massa, defendendo as fronteiras dele de predadores e invasores potenciais, desmembrando ocasionais oponentes que pensavam que poderiam enfrentá-lo numa batalha. Sim, ele gostava da adrenalina que sentia quando derrotava um inimigo particularmente perigoso e do olhar de medo no rosto do adversário quando este percebia que seria a única luta que não seria capaz de fugir.
Sorriu, convencido. Perigo era praticamente uma parte da vida diária dele, e ele mesmo era considerado um dos mais perigosos demônios de todas as terras. Mas havia outros tipos de perigo – aventura, ameaça, risco, miséria. E enquanto fosse considerado... covardia fugir de certos tipos de perigo, enfrentar outros seria considerado imprudência.
Jaken remexeu-se durante o sono dele e resmungou algo inteligível antes de cair para o outro lado e abraçar mais forte o Bastão das Cabeças.
Sesshoumaru decidiu ir para um lugar mais afastado e quieto para fazer mais meditações. Ele encontrou um tronco de árvore caída a uns 50 passos de onde estava antes. Sentou-se e retomou os pensamentos.
Sim, o pai dele assumiu um ato inútil, ir contra a ordem natural das coisas, escolhendo uma nobre humana como esposa... Izayoi, mãe de InuYasha. E quais foram os frutos do esforço dele? A morte dele, dela e um tormento sem fim para o filho pobre e mestiço deles.
A mulher tinha enfraquecido o pai dele, tomou conta dos pensamentos dele e lealdades, tornando impossível proteger os territórios e conservar o respeito que tinha perante outros companheiros demônios. Ele desistiu de tudo por ela, pela noiva humana, e o que ele conseguiu em troca? Morte, destruição e desonra... Desonra que ele mesmo não queria para si.
Cruzou os braços e franziu a testa.
Nunca sentiu-se tão... desapontado com alguém em toda a vida. O pai dele, o grande Lorde InuTaisho, deixou-se levar por uma simples humana. Rebaixou-se ao amor. Dizimou-se pelo desejo. Enfraquecido por uma humana inútil. E Rin não era exatamente a mesma coisa?
Sentiu uma pontada no peito, uma dor enfadonha, um minuto de contração.
"Não", ele falou em voz alta. Ela não era a mesma coisa. Rin era diferente.
Rin não o tornou fraco; ela o fazia sentir-se... calmo... quieto, tranqüilo... concentrado. Sim, ele decidiu. Ela o fazia sentir-se concentrado. Ele sabia quem era quando ela estava por perto. Sabia o que era esperado dele e o que ela esperava dele. Não sentia-se tão perdido e à deriva, compelido a andar e vagar à procura de... qualquer coisa – Tessaiga, Totosai, Kaijinbo, Toukijin, Naraku... Estes eram apenas distrações. Passatempos para completar os dias. Passatempos para interromper as noites sem dormir. Passatempos para ocupar a mente enquanto o corpo dele ansiava contato físico e o coração doía por compaixão.
Zombou da própria consciência. Ele, o Lorde das Terras do Oeste, solitário?
E, ainda mais, desde a morte do pai, ele notou um certo... vazio na própria existência. Uma falta de foco, propósito e significado. Sem amigos, sem família respeitável, sem futuro previsível diante do imediato... Não que todas essas coisas fossem de grande importância, mas...
Era sem sentido morar no passado. Especialmente quando ele tinha tantos negócios no presente atormentando-lhe a mente.
Rin... tinha sido outra distração. Um foco temporário do pensamento imutável dele. Um menor divertimento entre as folgas da existência diária. Verdade, foi Tenseiga que o forçou inicialmente a revivê-la, mas a curiosidade o levou a permitir que ela continuasse com Jaken e ele... Por que o pai dele os achava tão fascinantes? E o que levou o irmão dele a manter como companhia não uma, mas duas humanas?
Deveria ser algo que estava faltando a ele. Algo que sabia que não percebia. Algo que ele não podia aprender apenas observando e só podia entender através da experiência. E uma experiência tinha sido.
Um sorriso passou-lhe pelos lábios.
Seria tão simples nos primeiros dias abandoná-la ao longo do caminho, deixando-a numa das muitas vilas que eles passaram. Ele tinha um pouco de apego pela criança, e às vezes a presença dela era um pouco cansativa e chata, muito mais para Jaken que para ele. Mas logo ele ficou acostumado com as manias dela – as risadas incessantes, a compulsão por apanhar flores e a tagarelice. Ela nunca hesitava em falar o que viesse-lhe à mente e era um pouco corajosa naquela época. E ele nunca se cansou dos constantes desafios que ela apresentava a Jaken, fossem eles verbais ou físicos. "O quão útil você é ao Lorde Sesshoumaru?", ela perguntava.
O quão útil, certamente? Ele pensou com uma risada seca. Quantas vezes ele não deixava Rin aos cuidados dele para voltar e descobrir que ela estava desaparecida, seqüestrada ou vagando perdida por entre as árvores? Entretanto, com o tempo e um treinamento adicional, Sesshoumaru podia dizer, sem sombra de dúvida, que Jaken tornou-se um servo mais competente sob o olhar observador de Rin.
Sim, parecia que ela sempre tinha os melhores interesses dele em mente. E talvez agora ele a considerasse o melhor dos interesses.
Vagando pelas terras em companhia de três demônios não era certamente algo da vida de qualquer jovem. O que ela precisava era, certamente, estabilidade, um lugar que pudesse chamar de lar. E, em teoria, ele podia providenciar, tinha providenciado aquilo. Ele tinha o castelo, e eles ficaram lá por muitos anos depois da derrota de Naraku. Rin estava confortável no castelo. Sabia dos caminhos pelos campos, era gentil com todos os servos, e estava perfeitamente segura ali.
A única razão para ela não estar lá no momento era porque ele insistiu em levá-la junto para a patrulha anual da fronteira. Verdade, seria mais fácil e mais eficiente fazer a jornada sem ela, mas ela se divertia lá fora, e, pela parte dele, não... não queria ficar sem a companhia dela por um período tão longo. Uma patrulha anual das fronteiras podia levar meses, três meses para ser mais exato, e o pensamento de viajar tanto tempo apenas com Jaken ao lado dele era... menos que agradável. Ele... precisava vê-la. Precisava escutar a voz e sentir o cheiro dela, ver o sorriso e escutar a risada dela. Precisava saber que ela estava bem e cuidar bem dela. Ele precisava...
Uma dor fantasma passou pelo ombro esquerdo dele, onde costumava ficar o braço dele. Ele esfregou a ponta e franziu a testa. Era impressionante quanta dor algo podia causar simplesmente não estando ali.
Suspirou. Ele não tinha certeza de quando, não tinha certeza do porquê, e não tinha certeza de como... mas tinha se tornado dependente da presença de Rin. Precisava dela. E sempre pensou que ela precisava dele também... até hoje.
Tinha cometido... Ele não queria dizer "erro" porque o Lorde das Terras do Oeste não dado a cometer erros. Ele tinha cometido um engano.
No castelo, quando Rin ficava na "época do mês", como ela mesma chamava, ele simplesmente deixava as terras por alguns dias até que ela voltasse ao normal. Mas enquanto eles viajavam, tinha sido ela quem desapareceu numa vila próxima até que o ciclo dela tivesse corrido. Era uma época desagradável para ambos, mas ela reconhecia a necessidade da separação. Sim, ele tinha uma rédea sobre os desejos, mas mesmo os mais fortes laços tinham as suas falhas, e, quando ela cresceu, o cheiro dela ficou mais forte, mais sedutor, mais insistente. E quaisquer ações durante esse período podiam ser irreversíveis... Não que ele tivesse aversão em dormir com Rin... Mas usá-la daquela maneira, quando não tinha intenções definidas por ela, podia ser vergonhoso.
Haviam outras mulheres no mundo para tais coisas.
E ele as conhecia. Encontrou diversas delas. Flertando e bajulando, suspirando e passando a mão [1], desejo nos olhos e domínio sobre as mentes. Sim, ele encontrou algumas daquele tipo ao longo da vida dele, e usou-as espontaneamente.
Mas Rin não era aquele tipo de mulher, e ele se recusou a mostrar esse lado a ela. Ela parecia pensar mais dele que aquilo, e ele não tinha o hábito de desapontá-la. Mas ela tinha, de certa forma, desapontado-o.
Passaram-se já cinco dias, sendo este o quinto dia, e ele estava um pouco ansioso pelo retorno dela para poderem continuar as viagens e retornar ao castelo antes do começo do inverno. Ela levara diversas coisas para a vila, então ele pensou que seria prudente esperá-la pelos arredores da vila para poder ajudá-la com a bagagem. Mas enquanto a esperava, algo chamou a atenção dele – cantando, uma canção de mulher, uma canção de Rin. Ele pensou que não haveria tanto mal em procurá-la, então sobressaiu-se pelos topos de algumas árvores e observou de cima. Encontrou-a perto do lado contrário da saída da aldeia, entretendo um pequeno grupo de crianças da vila.
Enquanto os adultos e as crianças mais velhas da vila colhiam e catavam os grãos, ela cantava para as crianças mais novas para mantê-las em pé. Estas corriam ao redor dela em círculos confusos quando Rin tentou agarrá-las e fazê-las sentar. Mas, depois de certa luta e resistência, as crianças cederam e sentaram-se em semicírculo em frente a ela. Rin cantou e acalmou-os, puxando a mais nova para o colo dela para fazer-lhe tranças no cabelo.
Sesshoumaru encontrou-se satisfeito com a visão. A maneira com que ela controlava a atenção delas e demandava respeito. O jeito que acariciava a mais nova e velava as outras... Tinha os trejeitos de uma excelente mãe. Era gentil, carinhosa e atenciosa. Velava sem ser superprotetora. Rigorosa sem ser severa. Indulgente sem parecer fraca. Qualquer criança deixada sob os cuidados dela poderia crescer e ter sucesso em toda ambição.
Mas a canção logo terminou, a trança estava feita, e os pais começaram a chamar os filhos para voltarem para casa assim que terminaram o trabalho na plantação. Rin sorriu e acenou quando as viu irem embora, e estava para ir também quando um jovem da vila aproximou-se dela.
O demônio lorde fixou os olhos no humano. Ele parecia ter a mesma idade de Rin e, a julgar pelo algodão grosseiro das roupas, era nada mais que um normal, um trabalhador, um camponês. O corpo dele estava coberto de suor e sujeira das plantações e o cabelo curto estava amarrado num rabo-de-cavalo no topo da cabeça. Sesshoumaru supôs que, pelos padrões humanos, aquele jovem poderia ser considerado... atraente, e Rin não parecia perceber a óbvia atenção que ele estava dando a ela. Ela parecia um pouco nervosa e, talvez, um pouco surpresa pelo interesse público dele, não convidando-o para aproximar-se e nem afastando-se dele.
O demônio desejou que ela se afastasse. Mas, em vez disso, ela ficou e continuou conversando com ele. Eles falaram de coisas mundanas – o nome dele, o nome dela, o tempo... "Você é nova na vila, não?", o garoto perguntou.
Sesshoumaru escutou quando Rin explicou que ela estava de passagem e provavelmente nunca mais voltaria ali.
"É uma pena que não possa ficar mais tempo", o garoto falou. "Nós teremos nosso festival da colheita em breve. Terá dança, banquete e música. Todo mundo sempre se diverte muito."
"Eu não posso ficar", ela explicou.
"Bem, isso é realmente uma pena", ele disse. "Especialmente você sendo uma excelente cantora. Tenho certeza de que todos adorariam escutar você cantar."
Rin inclinou-se com um sorriso.
O garoto aproximou-se mais um pouco, falando um pouco mais alto, olhando-a mais intencionalmente. "Ajudaria se eu fizesse a você um convite pessoal?"
Rin corou, e nessa hora Sesshoumaru virou-se.
O demônio destruiu as árvores e retornou ao acampamento. Ele estava esperando por ela e ainda estava um pouco... confuso pelo que presenciara entre Rin e o camponês.
Claro, ele estava furioso. O descaramento daquele garoto. Fazendo propostas a ela daquele jeito. Lançando-lhe olhares maliciosos. Desejando-a com o olhar. A insolência, a audácia, a...
Inspirou e expirou profundamente, forçando as ondas explosivas de ira que ameaçavam dominá-lo a irem para um frio e desolado abismo. Sim, o garoto tinha sido audacioso. Mas Rin tinha sido... Ele mentalmente chocou-se com as palavras enquanto a mente processava as imagens mentais.
Sim, o garoto tinha sido audacioso. Mas Rin tinha sido... receptiva... às propostas dele. Ela gostou da atenção. Corou ante ao flerte dele. Ela...
A dor enfadonha retornou ao peito.
A garota não era dele, e ele tinha razão alguma para sentir-se desse jeito. Se ela... Se ela escolhesse um marido humano, por que ele ficaria surpreso? Ela era humana afinal, simplesmente escolhendo a ordem natural das coisas.
E se o deixasse, vivendo na vila, sendo casada com algum garoto tolo, fazendo-a feliz, quem era ele para ficar no caminho dela?
Quem era ele para negar-lhe felicidade? Tinha ele alguma vez negado-lhe algo? Começaria agora?
"Não", ele sussurrou ao vento. Ele queria que ela fosse feliz. Ela merecia ser feliz. Mas ele não a fazia feliz? Ela não era feliz com ele? E Jaken, Ah-Un e o castelo? Ela não gostava do quarto dela? E as jóias e os quimonos? Ela não gostava do jardim, da estrebaria e da casa de banho? Não gostava dos servos, de Jaken e de Ah-Un? Ela não gostava... dele?
Claro, ela não era mais uma criança. Ela não mais o seguia para todos os lugares que ele ia. Nunca mais esperou cantando pelo retorno dele. Nunca mais pegou flores para ele ou tentou fazer tranças no cabelo dele. Nunca mais foi para o quarto dele chorando porque teve um pesadelo ou queria dormir com ele. Nunca mais abraçou-lhe as pernas ou beijou-lhe o rosto ou... nada. De fato, ela era cuidadosa em manter distância dele agora. Mesmo quando não tinha razão para ser tão cautelosa.
Talvez agora que tinha crescido, percebera o que ele era e o quão vis, repugnantes e desprezíveis criaturas os demônios eram. Destruidores de vilas, comedores de almas, o lado negro da humanidade. Talvez agora ela desprezasse ambos, a ele e a situação em que a colocou... Uma criança humana vivendo entre demônios.
E talvez ela justificasse com aqueles sentimentos.
Depois de tudo que ele fizera por ela, depois de tudo que deu a ela. Depois de todas as batalhas e resgates. Depois de todas as roupas e acampamentos. O castelo, os servos, as bonecas de porcelana e os pentes de ouro. As mais finas sedas, os mais raros temperos, o melhor do melhor, e ela ainda o rejeitava? Ela o deixaria? Iria abandoná-lo? Deixá-lo? E por um humano, o pior de tudo.
Um rosnado fez caminho para sair da garganta dele. O descaramento dele, deles, dela!
A mão cerrou num forte punho, as garras cravando fundo na carne, derramando gotas vermelhas de sangue na grama.
Não era justo! Ele a viu primeiro. Ele a conheceu primeiro. Ele a amou primeiro. Ele... Ele o quê?
A mão relaxou e as feridas instantaneamente sararam.
Amou-a primeiro? Ele a amava? E o que era isso? Era isso que estava sentindo? Amor?
Riu secamente para si mesmo. Talvez ela o tivesse enfraquecido, no final das contas.
Aborrecer-se com uma tão simples... Ela estava conversando com um garoto. Aquilo não significava nada. Era natural que um garoto ficasse atraído por ela, e, pela parte dela, respondeu do único jeito que conhecia... com modéstia. E mesmo que ela estivesse interessada nele, era direito dela. Contrariando as assertivas anteriores, ela não o devia nada. Ela nunca pediu nada a ele... exceto pela companhia dele e aprovação. E ele queria a aprovação dela. Tudo que fazia por ela, fazia por livre vontade. Ele o fazia para mantê-la segura. Fazia para ver o sorriso dela. Fazia para escutar a risada dela e fazê-la feliz. Fazia porque a amava.
Um sorriso forçado passou-lhe pelos lábios. Tanta coisa para evitar iniciativas imprudentes...
A dor fantasma reapareceu no ombro esquerdo. Ele procurou acalmar a dor no membro que faltava aumentando a pressão na mão direita.
Mas e se ela não retornasse? Talvez não naquela noite, mas em outra? E se ela realmente decidisse que ela queria deixá-lo? Que queria a própria vida longe dele? E se ela não quisesse, não pudesse retornar os sentimentos dele? E se...
"Meu lorde?"
Estava tão distraído com os próprios pensamentos que nem escutou-a aproximar-se. "Rin..."
***
[1] Flirting and fawning, panting and pawing, no original. É um recurso literário que teve que ser perdido com a tradução.
***
Nota da Tradutora:
Ai, ai...
Finalmente eu consegui achar UM capítulo deste fic! Estou procurando pelos outros, mas se eu não os encontrar em uma semana, começarei a digitá-los novamente. Será uma distração enquanto não escrevo mais capítulos dos meus fics... Isso porque eu não consigo me concentrar neste pc porque sempre tem alguém me enchendo... -.-;; é bem melhor ter algo já pronto e apenas digitar aqui do que esperar por um momento de concentração para escrever algo da cabeça.
Espero que tenham gostado deste capítulo! ^_^ Mais capítulos em breve!
Kisu no Shampoo-chan.
