Ai wo Kinji

Prólogo

Início do século 17, período Sengoku.

O Japão estava passando por um momento difícil, com constantes guerras militares. Após o declínio do xogunato Ashikaga, vários clãs próximos do xogum tentavam aplicar um golpe de estado, a fim de tomar o poder do país, já que o xogunato anterior estava caindo após quatrocentos anos de governo. Inicia-se uma guerra civil em que todos os clãs mediam forças para tomar o poder. O conflito se transforma num sangrento combate, pois os portugueses haviam trazido para o Japão a espingarda.

Tudo parecia difícil naquele momento para a família principal, mas todos que estavam a favor do xogum, ficavam ao seu lado e o ajudava a proteger tanto seu líder quanto seus familiares.

Era inverno, estava nevando, mas isso não impedia que todos aproveitassem aquele dia lindo, apesar de frio. As crianças dos clãs aliados brincavam livremente consigo mesmas enquanto eram observadas por seus pais e pelo clã do xogum. Estar na presença de tais pessoas importantes era gratificante e isso fazia com que os mais velhos tentassem podar as ações das crianças que não entendiam o porquê de serem tão formais.

O clã Tokugawa, o clã majoritário e líder de todo o país assistia as brincadeiras das crianças como se fosse um festival, julgavam humoradamente os bonecos de neve, os anjos de neve e até mesmo as batalhas de bolinhas de neve nas quais as crianças se divertiam. Mas uma das crianças ali presente não participava das brincadeiras, estava frustrada por não poder participar, até por que, seu pai, o xogum, não autorizava tais atitudes da pequena Tokugawa Akane de apenas sete anos de idade. Apesar de muito jovem, a garota já era bela e chamava a atenção dos pequenos garotinhos dos outros clãs. Cabelos longos e negros como noite, contrastando com a pele alva como a neve. Olhos amendoados, grandes e brilhantes, mesmo que se mostrassem tristes agora, eram chamativos, e quando alegres, contagiavam a todos. Seu corpinho pequeno quase se tornava ainda menor com os dois quimonos que usava. Um branco e simples por de baixo de um quimono rosa claro com estampas de pétalas de cerejeiras.

"É uma princesa, Akane! Tem de se portar como tal a partir de agora, pois um dia você crescerá e ocupara meu lugar!", essa foi à explicação de seu pai quando pediu para participar das brincadeiras e desde então, assistia a diversão dos outros com tristeza. Sua mãe estava inquieta com a tristeza de sua única filha, mas mesmo assim não interveio, seu marido já havia tomado uma decisão e não seria ela que contrariaria o xogum. Foi então que uma surpresa aconteceu para os olhos de todos, até mesmo para o Tokugawa e sua filha.

Um garotinho, cabelos cumpridos e negros na altura de seus ombros, soltos depois de tanto correr e brincar, olhos negros e penetrantes, com um brilho jamais visto. Ajoelhou-se a frente do xogum, de sua esposa e filha com a cabeça baixa, mostrando respeito e admiração. Impressionado com a aproximação do garoto, Tokugawa levantou a mão autorizando que o menino pronunciasse seu pedido.

– Qual o seu clã, pequeno? – perguntou o homem imponente e o moreninho levantou minimamente seu rosto.

– Okabe, senhor! – respondeu firme e isso fez nascer um sorriso singelo no rosto do mais velho.

– Seu nome? – perguntou o Tokugawa.

– Satoru, Senhor. – respondeu simplesmente.

– E o que quer? – o Tokugawa se levantou de onde estava sentado e se aproximou do pequeno. Satoru levantou seu rosto impressionado com a aproximação de seu superior e sorrindo infantilmente, como qualquer garoto de sete anos faria em ver seu ídolo tão próximo.

– Eu... Eu queria saber se Tokugawa-san autorizaria que Akane-Hime-san pudesse brincar comigo e minhas irmãs? – Satoru pediu abaixando seu rosto.

Akane não conseguiu esconder o sorriso espontâneo. Estavam querendo que ela participasse de toda aquela animação, mas mesmo assim não conseguia esconder o quanto tinha medo da recusa de seu pai. Ela ficaria dias e dias sem falar com ele se ele recusasse. Mesmo que ele brigasse com ela depois, não falaria com ele. Tokugawa parecia pensativo, possivelmente consideraria a idéia.

– Eu... Eu prometo cuidar para que ela não se machuque nem com um floco de neve, senhor. – o rapazinho gaguejou inicialmente, mas se mostrou confiante em seu acréscimo ao pedido, dando um orgulho maior que imaginava ao seu pai.

Tokugawa sorriu com o pedido tão simples e tão seguro do pequeno Okabe, lançou um olhar rápido para o pai do pequeno ainda sorrindo e depois para a filha, que não conseguia esconder o olhar esperançoso.

– Divirta-se minha pequena Akane! – o homem disse para a alegria de Akane que sorriu estonteante, contagiando seus pais. Satoru era outro que não conseguia esconder a alegria, mas se conteve para não fazer o pai da garota voltar atrás. – Tome cuidado e obedeça aos cuidados de Satoru.

- Sim, papai! – ela calçou sua gueta, e animada, correu na direção de Satoru e seu pai. O Mais velho acariciou seus cabelos sorrindo e voltou a se sentar ao lado de sua esposa enquanto deixava os dois pequenos a sós. – Foi muito corajoso de a sua parte vir pedir para o papai me deixar brincar com você. – a garota disse sorrindo gentilmente enquanto Satoru se colocava de pé, mostrando-se meros centímetros menores que ela.

– Não precisa disso, Hime-san. Eu e minhas irmãs vimos o quanto você estava triste e eu não conseguia te ver daquele jeito. – ele corou então e mexeu nervosamente nas mangas de seu quimono. – Quer dizer, nós não conseguíamos te ver daquele jeito.

– Obrigada, Satoru-kun! – Akane fez uma leve reverencia acompanhada de Satoru que ainda corado, sorria para a menina.

Satoru levou Akane até suas irmãs e as apresentou logo se amigaram e começaram a brincar. Construíram vários bonecos de neve, vários anjos de neve, só não brincaram de Guerra de Neve, afinal, havia feito uma promessa ao pai da garota e ela não se machucaria, entretanto havia varias outras coisas que poderiam fazer, e isso animavam Akane de um jeito que ela nunca imaginou sentir.

De longe, Tokugawa assistia a alegria de sua única filha e não podia deixar de se sentir bem em ter autorizado a aproximação de Satoru com Akane. O jovem Okabe mostrava que cumpria sua promessa e isso fazia crescer uma boa imagem para os olhos do líder.

– Tokugawa-sama! – uma voz rouca chamou pelo homem desviando a atenção de sua pequena filha para um homem, aparentemente de sua mesma idade, ajoelhado ao seu lado.

– Seu filho parece-me tão responsável quanto você, general Okabe! – o Tokugawa mais velho sorriu, voltando a observar a diversão das crianças. – Treine-o adequadamente e ele se tornará ainda mais forte e respeitado quanto você.

– Sim, senhor! – o homem se levantou. – Parece que ele e Akane-Hime-san se tornaram amigos.

– Isso é bom, não quero que ela seja como eu quando pequeno. – comentou olhando para a neve sendo pego pelas lembranças de sua juventude solitária, até que conheceu sua esposa, casou-se, herdou o posto e teve Akane. Tudo passando em sua mente como um flash rápido. – Quando Satoru estiver maior, o quero como guarda-costas de Akane, além de ter alguém de minha confiança, ela terá um amigo para que lhe faça companhia.

– Sim senhor! Passarei a ele sua decisão e iniciarei o treinamento dele amanhã pela manhã. – O Okabe reverenciou o líder e sorrindo, voltou ao encontro de sua esposa, não tinha orgulho maior que esse que se abrangia a família Okabe.

Em um determinado momento, Akane estava tão entretida com o novo boneco de neve que construía com as irmãs de Satoru, que não percebeu que o moreninho havia se afastado. O garoto não estava longe, olhava próximas as raízes de algumas árvores que tinha próximo a onde Akane estava, e poderia ficar de olho se algo acontecesse. Logo achou o que queria; um lírio, grande e rosado, com um pouco de neve, mas depois de ser arrancada do solo pelo garoto, a neve se dissipou e um sorriso nasceu nos lábios do pequeno.

Correu para o encontro das garotas, mas acabou por escorregar e desmoronar o boneco de neve que as meninas se esforçaram para fazer. Akane apenas riu, enquanto que as irmãs de Satoru brigavam com ele.

– Satoru, olha o que fez! – reclamou a mais velha.

– Destruiu o boneco. – resmungou a outra.

– Desculpa, foi sem querer! – Satoru se levantou desajeitado e limpou a neve de seu quimono. – Eu juro, foi sem querer, eu escorreguei na neve.

– Tudo bem! Construímos outro. – Akane se mostrou imparcial com a destruição do boneco e se animou já pegando um pouco de neve para começar a reconstruir o boneco.

– Er... Hime-san! – Satoru a chamou notando suas irmãs já entretidas com a reconstrução do boneco. Akane parou o que fazia e se virou para o seu novo amigo, sorrindo, Satoru entregou a flor encantando a garota. – Pra você!

– Obrigada, Satoru-kun! – Akane pegou a flor, segurando-a com delicadeza, sentiu seu rosto esquentar e em instantes suas maçãs ficaram coradas.

Com a flor presa em seu cabelo, Akane brincou com os Okabe durante o dia todo. A Garota estava tão empolgada com Satoru que nem fome os dois sentiam. Ao anoitecer, Satoru e Akane se jogaram na neve, um ao lado do outro, olhando para o céu, vendo o tom azul celeste tomar uma cor alaranjada, depois arroxeada para então, ficar escuro. O céu escuro contrastava com a lua brilhante e as estrelas que formavam um manto brilhante e apaixonante. Tudo parecia perfeito, até que chegou a hora de a princesa ir embora.

– Akane... Hora de irmos. – chamou o pai da garota e se levantou do chão com a ajuda de Satoru.

– Estou indo papai! – ela gritou de onde estava parada em frente de Satoru. – Obrigada! Hoje foi muito divertido.

– Digo o mesmo, Hime-san! – Satoru reverenciou a garota de forma respeitosa quanto ao nível da hierarquia ao qual ela pertencia e enquanto sentia seu rosto esquentar.

– Espero poder brincar com você em outra oportunidade. – Akane também reverenciou sorrindo para o garoto com suas maçãs coradas. – Até outro dia, Satoru-kun!

Em uma atitude inesperada, Akane vai à direção de Satoru, dando um beijo estalado na bochecha do rapaz o fazendo o mesmo ficando mais vermelho do que ficou o dia todo. Akane não percebeu a vermelhidão e a carinha de bobo que Satoru fazia enquanto a garota se afastava, para a felicidade dele.

Porem, mal sabia Satoru que seu destino em relação à Akane já estava traçado e que nada, além de amizade, ambos teriam de ter.