Louco Amor
Prólogo
Pacifico sul
4 de junho,
Doze aves marinhas planando esplendidas contra o fundo verde e marrom da vegetação da ilha grasnavam alvoroçadas. O sol se derramava sobre a reluzente orla marítima, um caranguejo assustado perfazia na areia uma cômica dança lateral.
De repente, os pássaros se calaram. A brisa leve que balançava as árvores também cessou.
Ouviu-se um ronco estranho. Este durou alguns segundos e então começou a falhar. O paraíso foi cortado por gritos, e um objeto metálico em chamas começou a despencar dos céus.
A máquina prateada ia ao encontro do solo, estraçalhando as copas das árvores no caminho. Com a relva alta a lhe amortecer o impacto, foi derrapando tombada de lado na praia. Até que parou.
O jatinho ainda estava inteiro.
O piloto Sasuke Uchiha perdeu alguns segundos olhando à frente, trêmulo, transpirando de calor, enregelando-se em seguida. Seu coração ribombava dolorosamente. Prendera a respiração por tanto tempo que agora cada inalação profunda soava como o vento tirano de uma tempestade tropical.
Mas conseguira. Pousara o avião, apesar das pouquíssimas chances, das volúveis correntes aéreas do Pacífico Sul, desesperado com o defeito no sistema hidráulico da aeronave que quase os condenara à morte.
Finalmente voltou a raciocinar, atento ao instinto. O sistema hidráulico falhara. Sentia cheiro de combustível.
Sem pestanejar, Sasuke destravou o cinto de segurança e atravessou com dificuldade a cabine da pequena aeronave, à procura da única passageira.
Encontrou-a inconsciente. Ao menos esperava que ela estivesse apenas inconsciente.
Caída para frente, a moça tinha o rosto escondido pela aba larga de um chapéu de feltro bege. Sasuke apertou os dedos em seu pescoço, tentando sentir a pulsação. Estava viva. Afobado, destravou o cinto de segurança e ergueu a jovem nos braços. Com cerca de um metro e sessenta de altura, ela era leve, a estrutura óssea lembrando porcelana delicada.
Mas não era hora de admirar a passageira. Precisavam sair de dentro do jatinho o quanto antes!
Então a moça recobrou a consciência. Grossos cílios se abriram revelando olhos verdes esmeralda dilatados. Olhos felinos, comparou Sasuke, num pensamento fugaz.
Ela o focalizou e emitiu um grito agudo.
Sustentando-a com um braço, ele a esbofeteou com força, temeroso de que sua histeria custasse a vida de ambos.
- Parer! – ordenou, enérgico. – O avião pode explodir!
No mesmo instante, a lucidez deu lugar ao pânico nos olhos da jovem, que parou de se debater.
- Ponha-me no chão! – exigiu ela, arrogante. – Já estou bem.
- Como quiser, madame. – Sasuke a pôs de pé sobre os saltos-agulha e se lançou à porta da aeronave. Esta não se abria, provavelmente avariada durante o pouso forçado. Sem perder tempo com esforços inúteis, procurou a saída de emergência, sobre a asa. Foi quando viu a elegante passageira curvada sobre a poltrona. – O que está fazendo?
- Procurando a minha sacola de mão, ora! – A moça pendurou a alça no ombro coberto por cambraia bege.
- Mulheres – murmurou Sasuke, desgostoso, arremessando o corpo atlético contra a porta de emergência, que cedeu. Rastejou sobre a asa e pulou à terra.
- Já entendi como é – declarou a passageira, de pé na asa. – E em menos tempo do que você esperava, aposto.
- Cale-se e pule para o chão! – ordenou Sasuke, ajudando-a a descer quando ela resolveu obedecer. Agarrou-a pelo pulso. – Agora, madame, sebo nas canelas.
De mãos dadas, correram pela praia pensando apenas em sobreviver. De repente a moça gritou aflita e tombou na areia, obrigando o companheiro a estacar. Ela torcera o tornozelo.
- Droga! – praguejou Sasuke, exasperado. – Por que não descalçou essas porcarias de salto alto? – Sem alternativa, ergue-a nos braços outra vez, junto com a maldita sacola.
- Desculpe – replicou a jovem, amuada, segurando-se no pescoço dele. Fitou-o com os olhos felinos a expressar dor e indignidade. – Quando me arrumei para a viagem, não imaginei que o jatinho fosse cair.
Sasuke apertou o passo, quase correndo agora. O chapéu da passageira escapou, soltando uma cascata de mechas cor de rosa sobre seus ombros.
- Essa bolsa pesa uma tonelada! – resmungou ele, inebriado pelo perfume e maciez da cabeleira, a visão prejudicada pelos cachos mais rebeldes.
Como a moça não replicou, Sasuke resolveu poupar fôlego e se concentrar em pôr o máximo de distância entre ambos e o local da queda. Tinha certeza que o jatinho explodiria. Era como se um sexto sentido o avisasse.
Quando se deu a detonação, foi como se a terra se partisse em mil pedaços. Labaredas buscaram o céu num furor ofuscante em meio a um barulho ensurdecedor. Uma fumaça acre obliterou o dia.
Sasuke não conseguiu se afastar o bastante. Uma onda de ar quente se chocou contra suas costas e o arrebatou, lançando-o para alto sem esforço.
Movido pelo instinto, ele só se preocupou em proteger a criatura leve e frágil que tinha nos braços. Uma mulher.
Consequentemente, foi ele quem mergulhou de volta ao encontro da areia, escorregando até bater a cabeça em um tronco de madeira que as águas haviam depositado na praia.
A passageira caiu em cima do piloto, tendo o impacto amortecido, mas mesmo assim violento.
Ambos viram o mundo enegrecer.
Logo seguida, começou a chover, como se a própria natureza iniciasse o processo de limpeza da terra, apagando o fogo e dissipando o fumo.
