Título: Anita
Shipper: Edmund e PO
Classificação: M
Disclaimer: As personagens pertencem exclusivamente ao escritor C.S. Lewis. Se pertencessem a mim, eu ensinaria Edmund a ser Justo.
Anita
Parte I
Anita olhava com um ar curioso o horizonte, o vento forte e gelado batia em seu rosto delicado, levando com ele os cabelos dourados; o cheiro de maresia era familiar demais para que ela ficasse incomodada. Sentia em seu próprio corpo as consequências da ansiedade pelo grande dia, mas, ao contrário dos moradores de Avra, não criava nenhuma expectativa. Não poderia.
- Você vai virar uma estátua daqui a pouco, se continuar na mesma posição.
Ela se virou para o lugar de onde a voz calma viera e sorriu, Marta estava perto do batente da porta, indicando que havia acabado de entrar na cozinha; carregava um pouco de lenha nas mãos e sorria de forma bondosa. A mulher adicionou os pedaços de madeira onde alguns já queimavam, fazendo o fogo aumentar e o cheiro da comida se intensificar.
- Será que vai demorar?
Marta se virou novamente para Anita e revirou os olhos, sorrindo. Pegou uma colher de madeira e começou a mexer vagarosamente o caldo que estava na segunda panela.
- Acalme-se, menina, um dia eles terão que chegar, não?
Anita apenas assentiu e voltou a olhar para o horizonte, o céu já estava em um tom azul claro, o tom característico do meio da tarde. Não tinha nenhuma nuvem por perto e ela conseguia ver as pessoas andando pelas ruas de pedras, fazendo seus deveres do dia, vivendo,enquanto Anita estava apenas sonhando.
- Chame o seu pai para almoçar. Ande um pouco para suas pernas não virarem pedras!
Marta lhe disse em um tom brincalhão e Anita riu, saindo da janela da cozinha depois de horas e depositando um beijo na bochecha gorda da mulher, antes de correr em direção ao quintal. Como amava aquela casa! Como amava Marta e Benjamim, como se fossem os seus pais. Sabia que não eram. Os cabelos dourados e os olhos azuis não eram nem um pouco compatíveis com os cabelos negros e os olhos achocolatados dos dois, e isso infelizmente foi motivo de deboche em alguns momentos de sua vida.
Mas Marta e Benjamim faziam questão de frisar que, mesmo que Anita não fosse uma filha biológica, eles a amavam como se fosse sangue do próprio sangue.
"Você foi um presente de Aslan." Benjamim lhe disse certa vez, quando a garota perguntou sua origem.
Tal fato agora não lhe incomodava, sentia apenas uma curiosidade oculta de saber de onde era, mas esquecia-se disso completamente quando estava com seus pais por perto. Ela conseguiu avistar Benjamim dando a ração para os animais e o chamou, apontandopara a janela da cozinha. Ele sorriu e assentiu com a cabeça, jogando a saca de ração no chão e caminhando em direção à filha.
Foram juntos para a cozinha conversando trivialidades, como sempre faziam. O cheiro delicioso da comida de Marta atingiu os dois quando eles passaram pela porta, o estômago de Anita roncou ao ver seu prato preferido à mesa. Carne de porco ao molho Marta. Porque esse ninguém nunca saberia a receita.
Sentaram-se à mesa e a mãe percebeu que os olhos azuis da filha, sempre bonitos, agora estavam com um brilho diferente. Ela parecia ansiosa, e Marta não precisaria de mais de um dia a observando para saber o motivo.
- Você está ansiosa.
A garota a olhou, um rubor fraco surgindo em sua pele clara, e depois voltou a fitar o prato, cutucando a carne levemente com o garfo.
- Só quero conhecê-los.
Benjamim limpou o bigode com o guardanapo e sorriu para a filha. Marta apenas revirou os olhos, mas logo voltou a olhar para ela.
- Sabe que as lendas são verdadeiras, Anita. Tem tanta curiosidade em vê-los pessoalmente?
Perguntou à filha e Benjamim apenas permaneceu calado, esperando a resposta da garota.
- Claro!
- Se tem tanta vontade, levarei você até o porto depois do almoço. Quem sabe temos sorte?
Benjamim disse e Marta sorriu. O rosto de Anita se iluminou, e ela deu duas palminhas, demonstrando sua felicidade. Quicou na cadeira e começou a devorar a carne, olhando de canto de olho de vez em quando a janela, para ver se o navio já aparecia na linha de horizonte. Mas nada.
- Anita, querida, sabe que não poderá ir à festa, não?
A felicidade da garota se esvaiu em menos de segundos e ela abaixou a cabeça, concordando levemente com um gesto, porém protestando.
- É injusto.
- Concordo!
- Benjamim!
Marta olhou para o marido, um misto de raiva e diversão percorrendo seu rosto rechonchudo. Ele tinha a grande mania de concordar com tudo o que Anita dizia, aumentando as expectativas da garota e fazendo-a mais sonhadora do que já era. O marido olhou para Marta e levantou as mãos.
- Só acho que temos tanto direito quanto as pessoas mais ricas da cidade.
Marta riu e Anita olhou com atenção o pai. De repente a mulher abriu a boca.
- Seria engraçado, dois lavradores entrando na festa em homenagem aos reis. Imagina? Não teríamos nem roupas, e ficaríamos totalmente desiguais aos restantes. Seria um contraste incrível, peles morenas e queimadas de sol com peles alvas.
- Anita poderia ir sem que ninguém percebesse. - ele acrescentou em um tom quase inaudível.
- Benjamim!
Marta fechou a cara, ficando um pouco vermelha. Anita apenas riu do medo de seu pai quando este se encolheu. A mulher não conseguiu ficar séria por muito tempo.
- Vocês dois deviam ser contadores de histórias!
E com isso voltaram a comer, travando uma conversa inútil sobre como conseguiriam entrar na festa real.
Edmund subia no cavalo narniano com cuidado, sabia que este não gostava quando o peso de um homem lhe dizia que ele era apenas um cavalo de montaria, mesmo que não fosse. Lucy, Peter e Susan faziam o mesmo nos seus respectivos cavalos. O céu de Avra estava colorido em um tom alaranjado, indicando que já estavam quase no crepúsculo do dia. Céus! Como o navio havia demorado!
Edmund não conseguia escutar a conversa dos irmãos, sua atenção estava focada apenas no barulho de protesto que seu estômago fazia por causa das horas sem comida. Tudo o que queria era se instalar no castelo principal de Avra e descansar da longa viagem que havia feito. Mesmo que estivesse acostumado a ficar dias dentro do navio, preferia estar em terra firme.
- Edmund! Olha!
A voz de Lucy lhe chamou a atenção. Sua irmã estava com um largo sorriso e também parecia alegre por estar pisando em um solo depois de dias. Ele olhou na direção onde o dedo de Lucy apontava e ficou surpreso ao ver a recepção grandiosa que os esperavam. Peter ia na frente com Susan, sendo seguidos por Edmund e Lucy. Logo depois estavam os guardas de Nárnia, com seus impetuosos escudos e alguns animais que nenhum morador de Avra havia visto, confirmando assim, a lenda que escutavam desde pequenos.
- Viva o rei Peter!
Um menino gritou de longe e Peter sorriu e acenou. Lucy e Susan faziam o mesmo enquanto os cavalos cortavam a multidão de pessoas elétricas.
- Viva Nárnia! Viva Aslan!
Edmund conseguia discernir algumas vozes entre o barulho enorme da multidão. Alguns chamavam o nome dos seus irmãos, mas ele conseguia escutar o seu nome também. Não pôde deixar de sorrir, adorava quando alguém lembrava que ele também era rei. Rei de Nárnia,assim como Peter.
Os olhos perscrutaram o ambiente festivo, analisando as pessoas ao redor. Tinha muito tempo que não visitava Avra. A última vez que voltara para Nárnia focou-se tanto em disseminar o restante dos seguidores da Feiticeira Branca, que não encontrava em mente a última vez que se hospedara na mais aconchegante das Ilhas Solitárias.
Ele podia distinguir alguns nobres da ilha, alguns moderadores mais simples e lavradores. Esses ficavam mais acanhados, permanecendo no mesmo lugar enquanto os cavalos passavam,apenas acenando. Possuíam uma pele morena muito bonita e cabelos negros. Edmund fitou o grupo com mais atenção, sorrindo para os homens que tiravam as boinas surradas.
Foi quando os olhos castanhos intensos encontraram os olhos azuis celestes.
Ele ficou surpreso ao perceber que a garota lhe fitava com um interesse maior. Ela sorriu, mostrando os dentes perfeitos e as covinhas. Não parecia nem um pouco com o homem que estava ao lado dela, ela se destacava em meio à multidão mais simples. Não teve tempo de retribuir o gesto, o cavalo trotou mais fortemente e ele se virou para frente, dando-se conta de que a multidão se esvaíra e o castelo estava próximo.
Anita entrou em sua casa extasiada. Conseguira ver todos os reis de Nárnia, eles eram reais! E poderia jurar que o mais novo havia até notado sua presença. Ainda não conseguia encontrar um motivo para ter sorrido para ele, apenas pensou que ele tinha ficado por último quando os cavalos aceleram para o grande castelo, tornando-se o único que ela conseguiu ver mais de perto.
- E então? Agora acredita nas lendas?
A voz materna lhe perguntou e Anita correu para a mãe, sentando-se em frente a ela no banco da mesa da cozinha, enquanto via Marta separar as frutas podres das frutas boas colhidas pela parte da tarde.
- Oh, mamãe! São lindos! Há uma garota um pouco mais velha que eu... Creio que é a Rainha Susan. Imaginava Lucy um pouco mais velha também... Imponente. Mas ela tem o rosto mais bondoso que já vi... Acha que é muito nova para reinar?
- Ah, querida... – Benjamim havia entrado no cômodo e depositava a boina na mesa de madeira, sentando-se – Os quatro reis de Nárnia não são lendários por qualquer motivo... Sem contar a confiança que Aslan deposita sobre eles...
O rosto de Anita se iluminou e ela voltou a olhar para a mãe, que parecia mais interessada na conversa depois da menção ao leão.
- E os reis, Anita?
Marta a olhou, curiosa. Anita pensou um pouco e depois deu de ombros, gesto que surpreendeu sua mãe; achou que a filha desataria a falar.
- Não os vi com atenção. Alguém entrou na minha frente quando o rei Peter passou, mas eu consegui escutar os gritinhos histéricos das meninas – a garota riu por um momento – E eu tentei chamar a atenção do mais novo... Mas não sei...
Anita começou a divagar sobre o possível encontro de olhares. Poderia ser uma invenção de sua mente, sempre lhe pregando peças. Mas poderia realmente ser verdade. Porém, por mais que ela pensasse, não conseguia achar uma situação em que um rei de Nárnia lhe dedicasse um pouco de atenção.
Marta levantou-se e colocou as frutas boas em uma cesta, dizendo que a noite estava ótima, mas que estava cansada e pretendia dormir cedo. Benjamim concordou, mas acendeu seu cachimbo antes, exercendo, assim, a mesma mania de sempre: fumar antes de tomar seu banho e se recolher.
Anita desejou boa noite para seus pais, mas quando ia deixar a cozinha, Benjamim lhe cutucou, esperando que Marta saísse definitivamente do cômodo.
- Sabe onde fica o castelo, não?
Anita concordou com a cabeça, já sorrindo.
- Se você conseguir chegar à janela da floresta leste, terá uma visão privilegiada do baile.
O pai piscou para a garota e saiu. Anita sorriu, subindo para o quarto e esperando que o relógio marcasse onze horas da noite. Tomaria um banho e se agasalharia, mesmo que estivesse acostumada a andar pela pequena floresta, essa sempre estava fria devido ao ar marítimo da noite.
Edmund observava tudo com um ar de calma, mas por dentro se sentia inquieto. A música agora estava mais alta, depois da cerimônia que sempre antecedia a diversão. Os animais narnianos dançavam com alegria com os moradores de Avra. Lucy ria de algo que um nobre lhe contava. Peter e Susan conversavam descontraídos com um centauro.
Ele não sabia dizer por que não se sentia totalmente à vontade em uma festa tão boa. Talvez fosse por causa da presença em peso de nobres e dealguns moderadores mais influentes. Não entendera o motivo de vetar a participação de todos de Avra, e sabia que seus irmãos não haviam concordado com isso, principalmente Susan e Lucy. Poderia ser também porque Aslan não estava presente, ou porque havia muito tempo que não participava de uma festa nessa ilha em específico.
Mas ele sabia que, no fundo,o que lhe incomodava era algo que sempre veria. Algo que lhe ocorreria em qualquer das Ilhas Solitárias, em qualquer lugar que não fosse Nárnia. Pensando melhor, isso poderia lhe ocorrer até mesmo em Nárnia. Os olhos automaticamente pousaram em seu irmão e o rosto fechou-se em um gesto involuntário. Todos conversavam com Peter como se ele fosse o único rei, o mais importante. Sabia quem ele era, mas no fundo desejava estar no lugar do irmão.
"O Grande Rei Edmund".
Pensou, quase falando em voz alta para saber como soava. Por que seu irmão tinha que ser O Magnífico enquanto ele carregava o título patético de O Justo? Não dedicou muito sua atenção à pergunta. Não queria. Sabia que tais pensamentos aborreceriam Aslan e consequentemente ele mesmo. Sentia-se mal por pensar isso, como se ele estivesse reivindicando um título que nunca seria dele, e que a qualquer momento o transformaria em O Invejoso.
Revirou os olhos quando Lucy sorriu para ele, mas não pôde deixar de retribuir o gesto. Adorava as festas comemorativas dos lugares por onde passavam. Principalmente se tais festas eram dadas pelo simples motivos de recebê-los.
Tomou um gole do vinho que carregava em uma taça fina de cristal e respirou fundo, desejando que uma ideia brilhante lhe tomasse a mente e o incentivasse a sair dali.
Anita olhava tudo com um fascínio fora do normal. Nunca havia ido a um baile, e para dizer a verdade, tudo o que sempre lera em livros estava ali, bem na sua frente, como sempre imaginara. Claro que em sua imaginação não havia centauros, faunos, texugos, anões... E claro que nos livros sempre mencionava apenas um rei, e um príncipe.
Mas aquele baile era diferente. A garota ficou na ponta dos pés, tomando o cuidado para que ninguém notasse sua presença. O ar gelado entrou por debaixo do vestido fino, percorrendo a pele branca e deixando-a arrepiada. Ela conseguia ver perfeitamente os reis de Nárnia e sorriu, ao constatar que seu pai estava certo, a visão daquela janela era privilegiada.
O mais velho estava em um canto, conversando com um centauro. Possuía cabelos lisos e de um tom dourado, assim como os seus. Os olhos pareciam azuis, mas ela não soube afirmar com toda certeza, estava um pouco longe. Aquele deveria ser o grande rei Peter, apenas pela postura confiante ela conseguiu concluir tal pensamento.
A rainha Susan estava ao lado de Peter, travando uma conversa com a mesma criatura. Era bonita, os cabelos eram longos e um pouco mais escuros, os olhos de um mesmo tom que os olhos do irmão, os lábios cheios e o sorriso lindo. A menor dançava com alegria com um fauno de aspecto bondoso, era pequena demais para ser rainha, e mesmo assim havia conquistado o respeito dela apenas pelas histórias que elatinha escutado. Salvara muitas vidas e com isso ficara marcada.
Mas não foi nenhum dos três que chamou a atenção de Anita, e sim o mais novo rei que estava ao fundo, o único que permanecia sozinho. Ela reconheceu-o imediatamente, fora ele que ela havia visto com atenção quando os narnianos caminhavam para o castelo, rei Edmund. Ele tinha os cabelos mais escuros dos quatro, e não parecia nem um pouco com o irmão Peter, não herdara os olhos claros de nenhum dos três, mas tinha os olhos castanhos intensos, que estavam focados em um ponto particular da festa. Os lábios, carnudos iguais ao da sua irmã Susan, estavam travados como se o rei estivesse fazendo um difícil cálculo.
De repente a expressão de Edmund se desanuviou e ele sorriu minimamente, chamando um anão para perto. Ambos conversaram algo, como se fosse um segredo. O anão fez um gesto com a cabeça e juntos caminharam para uma porta de madeira, abrindo-a,mas apenas o rei entrou. O anão fechou-a e, correndo os olhos pelos convidados, percebera que ninguém havia notado a súbita ausência do rei.
Anita sorriu. Pareciam duas crianças tramando algo proibido.
- Ei! O que faz aqui, menina?
Uma voz masculina lhe chamou a atenção e ela estacou, o coração batendo com rapidez devido ao susto. Virou-se e viu um guarda apontando para ela. Não pensou muito e começou a correr, embrenhando-se na floresta que conhecia tão bem. Sabia que o homem não lhe seguiria, mas não poderia arriscar ser pega.
Parou um pouco para respirar e começou a rir, pensando no que quase lhe aconteceu. Não saberia explicar para os guardas o que estava fazendo ali, e como sabia que a janela existia. Pior! Não saberia explicar paraa sua mãe como ficara sabendo.
Andou agora em passos mais calmos, escutando o barulho tranquilo das ondas batendo nas pedras. O cheiro de maresia lhe engolfou novamente e ela fechou os olhos, apenas seguindo o caminho que já fizera várias vezes.
As árvores começaram a ficar mais afastadas e logo o mar estava visível. Negro e assustador para alguns, mas para ela era o lugar mais aconchegante da ilha. Seus pés afundaram-se na areia, fazendo alguns grãos entrarempelos calçados abertos. Não pensou duas vezes para tirá-los e jogá-los para o lado. Gostava de sentir a areia fria.
Continuou caminhando até chegar perto da água. As pequenas ondas agora alcançavam seus pés, molhando-os. Anita respirou fundo e fechou os olhos, sentindo o ar gelado passar por todo seu corpo, acariciando de leve a pele do rosto. Sorriu e abriu os olhos, fitando a lua. Abaixou a cabeça para saber onde estava, e o que viu lhe deixou bastante surpresa.
Uma pessoa estava sentada na areia, fitando o mar com curiosidade e fascínio, assim como ela sempre fitava. Não precisou se aproximar mais para saber quem era, os cabelos escuros e bonitos balançavam pelo rosto sério e concentrado devido ao vento, os lábios carnudos não estavam mais travados, e sim relaxados. As mãos estavam pousadas nos joelhos e as pernas dobradas. Ele vestia a mesma roupa que usava na festa, só que os botões de sua blusa branca estavam um pouco abertos. A calça caqui parecia estar molhada, e ele estava descalço.
Não percebeu Anita se aproximar; e agarota não acreditava que estava sozinha em uma praia com um rei de Nárnia.
