Saint Seiya não me pertence. Eu só escrevo para ganhar o meu dia e, eventualmente, o de outras pessoas também.
A intenção desta fanfic é destacar o afeto entre os protagonistas: dois caras. Não gosta, é contra e tem pavor? Que bom que não escrevi para você. Pode sair daqui, ninguém vai te obrigar a ler, não. No hard feelings, sério.
O capítulo que segue não foi feito para acentuar esse afeto, infelizmente. Mas se você achar que foi, yey!
Talvez faça alguns esclarecimentos, se surgirem dúvidas.
Enjoy your flight!
Engraçado como as pessoas mudam de opinião tão rápido. Parece que esquecem tudo o que fizeram antes, ficam por aí, com essas caras felizes, festejando sem culpa alguma.
Shura franziu o cenho, a taça de vinho na mão direita parando antes de chegar à boca. O cavaleiro admitiu para si que a censura não era de todo justa. Ele suspirou, tomou da taça uma vez mais, olhando a sua volta a pequena confraternização que se instalara no pátio inferior do santuário, antes da escadaria da casa de Áries.
Sentado no canto menos agitado do pátio, perto de uma cozinha improvisada pelos servos das Doze Casas, Shura tinha uma visão privilegiada da festa, do que ocorria nela e, principalmente, das pessoas que lá estavam. A maioria dos presentes era composta por servos, aprendizes de cavaleiros ou pessoas simples relacionadas ao Santuário, e não ultrapassavam a soma de sessenta pessoas. Shura se entreteve com eles por longos minutos. De certo modo, observar ao longe a vivacidade daquela gente o enchia de orgulho de ser um dos responsáveis pelo fato de ainda haver vida humana nos arredores do Santuário e no mundo. Alegrava-o ver os pequenos aprendizes correr pelo pátio, discutindo por motivos pueris. O capricorniano abrira um sorriso divertido ao notar que um dos pequenos furtava um cacho de uvas de uma cesta para levá-lo até um cachorro de rua lá ao longe.
Por outro lado, incomodava-o um número mais reduzido de cavaleiros, espalhados pelo pátio. Alguns dos cavaleiros de prata, que não haviam entrado em combate naquela vez, conversavam alegremente com os civis, talvez até exagerando no vinho (Shura providenciaria para que tais cavaleiros treinassem dobrado na manhã seguinte). O cavaleiro de Áries descera também, trocara algumas palavras com os presentes e, por um breve momento, antes de voltar para sua casa, fez menção de vir até Shura, mas limitou-se a assentir com a cabeça em sua direção. Aldebaran, por quem Shura nutria uma grande admiração – muito embora pouco o compreendesse – também viera prestigiar a pequena homenagem, apesar de parecer menos entusiasmado do que costumava ser. Milo descera as escadarias e viera cumprimentar o colega de capricórnio, seguido de um Camus de Aquário claramente contrariado em deixar sua casa.
Ver seus companheiros incomodava Shura. Por que eles parecem tão despreocupados? Como podem ignorar tudo o que fizeram nesses últimos dias, ignorar tudo o que aconteceu? Por que não se comportam como deveriam? E na frente dos próprios servos... E quando o jovem se flagrava indagando essas mesmas questões, balançava a cabeça, como que para repelir tais pensamentos, e bebia de sua taça. A verdade é que andava aborrecido e evitava com todas as forças pensar na recente movimentação do Santuário... Era justo que os cavaleiros tivessem a chance de relaxar em momentos como aqueles, mas deveriam pensar nas circunstâncias.
Novamente, olhou à volta, procurando mais dos seus companheiros. Shaka e Afrodite não viriam, claro. Ninguém mais viria, ele sabia disso.
Não deveria ter vindo. Por que raios eu desci aqui?, Shura suprimiu um suspiro resignado e se levantou para ir embora o mais discretamente possível. Pousou sua taça sobre a mesa próxima das garrafas de vinho, mas foi surpreendido por uma voz debochada atrás de si:
- Ué, já vai, justiceiro?
Imediatamente, as costas do cavaleiro de capricórnio se retesaram e ele se voltou para encarar o recém chegado. Não foi sem antes sentir o ar faltar por um instante, o coração apertado, que Shura retrucou:
- Máscara da Morte. Não achei que viesse – disse, propositalmente ignorando a provocação – Já estava de saída, se você me der licença...
Infelizmente, Shura não esperava ter seu caminho bloqueado pelo braço esquerdo do outro, agora apoiado sobre a mesa atrás do capricorniano. O espanto privou-o de qualquer reação rápida, e ele apenas fitou o canceriano.
- Tava esperando alguém? – Shura teve de inclinar o corpo para trás a fim de se afastar de Máscara da Morte, que se aproximara para pegar uma garrafa de vinho sobre a mesa – Está perdendo seu tempo: o leão idiota não vem.
Desgraçado. Shura sentiu o rosto esquentar de ira, esquecendo-se momentaneamente dos calafrios que sentia na presença do outro cavaleiro. Desde que o conhecera, Shura soube que seria uma pessoa difícil de se lidar. Máscara da Morte, um pouco mais novo, assombrara a todos no Santuário com suas habilidades psíquicas e comportamento ortodoxo. Shura soubera que ele treinara numa ilha na Itália e havia rumores sombrios envolvendo as técnicas de combate utilizadas pelo mestre de câncer. Muitos no santuário temiam aquele jovem cavaleiro, que não fazia questão alguma de estabelecer relações amistosas com os moradores de lá. Curiosamente, Máscara da Morte de Câncer alimentava um certo interesse pelo capricorniano desde que chegara em Atenas. E, recentemente, o hobby do canceriano era atormentá-lo, sempre que possível.
- Eu não estou esperando ninguém – disse, com a voz despida de qualquer vestígio de suas emoções – Se me der licença.
Shura empurrou o outro ao passar e apertou seu passo em direção à escadaria de Áries. Ele já estava farto dos comentários mordazes de Máscara da Morte sobre o incidente com Aioros, ocorrido a mais ou menos quarenta dias atrás. Shura não queria pensar no assunto, não quando o cavaleiro de câncer era quem o trazia à tona.
- Pensei que você talvez estivesse procurando o leão. Apesar de que desde que você, digamos... expurgou o irmão dele, o idiota quase não sai da casa – Shura distinguiu na voz de Máscara da Morte o tom de escárnio sádico que ouvia sempre que os dois trocavam palavras. Para seu azar, o canceriano não parecia se importar em segui-lo escadaria acima.
- Já acabou, ou ainda quer falar mais alguma coisa? – o capricorniano parara e voltara-se ao outro cavaleiro. Máscara da Morte, por sua vez, parecia-lhe estranhamente relaxado, carregando uma garrafa cheia de vinho na mão esquerda. Seus olhos, porém, brilharam cheios de malícia e raiva em seu rosto impassível.
- Por acaso, eu quero – o canceriano diminuiu a distância entre ambos de modo que não mais de dez centímetros separassem seu olhar do de um Shura atônito – Você está sendo um grande tolo. Fica se lamentando o tempo todo por ter seguido as ordens do Mestre e se livrado daquele traidor. Já disse: larga a mão dessas besteiras, Shura.
Dessa vez, o capricorniano não se conteve: aquilo era ridículo. Ele vem, me provoca de graça, dizendo essas coisas. No que levantou o braço esquerdo para empurrá-lo para longe de si, porém, foi surpreendido pela rápida reação do outro, que estapeou-lhe a mão.
- O que é isso! – Shura recuou um passo. Como ele ousa, o arrogante...! – Chega. Eu não preciso ouvir nada disso de você, Máscara da Morte. Vá embora.
- Estamos ficando irritados aqui, não estamos? – retrucou o canceriano, abrangendo com um gesto de sua mão o pátio que acabavam de deixar – Quer mesmo que os seus subordinados te vejam assim? Quer que eles vejam o quão patético está se tornando o cavaleiro de capricórnio? Esteja à vontade, eu até te ajudo nisso, se quiser.
A manipulação era uma das especialidades do cavaleiro de câncer, e Shura sabia que cairia em uma armadilha, mas ele estava para atingir o limite de sua paciência. Já se cansara daquele único cavaleiro, que nunca o deixaria em paz, sempre o faria encarar o seu pecado, que ele ainda não estava pronto para enfrentar. Não com o luto tão recente.
- Eu não vou entrar no seu joguinho – Shura sibilou entre dentes – Você não sabe nada. Nem sequer estava lá! Não me venha com lições de moral, você não tem nenhuma.
Pela primeira vez, Máscara da Morte riu com ar superior. Shura, que começava a se inquietar, seguiu caminhando mais depressa, enquanto ouvia de longe a voz do companheiro dourado:
- Moral? Quem é que ficou irritado demais para encarar a realidade agora, hein, Shura? Fugindo como um covarde?
Com grande pesar, Shura começou a entender no seu coração que tudo aquilo que o cavaleiro de câncer vinha lhe dizendo não era nenhuma mentira. Estivera agindo de maneira estranha desde o incidente, em que fora obrigado, por ordens do Grande Mestre, a assassinar seu melhor amigo no Santuáio, condenado por traição.
Shura parou ao atingir o átrio antes da Casa de Áries, o eco de seus passos morrendo no silêncio daquele lugar. Até então, conseguira controlar os seus sentimentos. Até então, conseguira trancar a tristeza e a culpa num canto de seu coração, alegando estar a serviço de Athena acima de qualquer coisa. Por que o maldito não o deixava em paz, quando parecia que havia conseguido superar tudo...? Shura sorriu amargurado ao perceber algumas lágrimas molhando o próprio rosto, e sacudiu a cabeça. O que aconteceu comigo? Sou mesmo tão patético assim?
- Você é um idiota, sabia disso? Já está me irritando.
Lá estava Máscara da Morte novamente, a lhe dizer tudo o que desejava. Shura queria ser capaz de fazer o mesmo. Virando-se para o cavaleiro de câncer, certo de que perderia por completo qualquer resquício de respeito que o outro tivesse por ele, Shura retrucou, exaurido:
- O que você quer? Que eu admita que sou um hipócrita? Que eu me humilhe na sua frente, é o que você quer? – e apesar das lágrimas, Shura estava enraivecido – Só se eu estiver morto!
Por um momento, fez-se silêncio. A quase dez metros de distância, Shura se surpreendeu ao notar que, por um breve instante, o rosto de Máscara da Morte refletia puro choque.
- Está chorando – o canceriano afirmou quase que para si mesmo.
Confuso, o capricorniano o observou caminhar em sua direção. Que diabos, agora...?
- Está chorando por aquele homem? Pelo traidor?
Shura imaginou que se houvesse uma pilastra tombada no caminho do canceriano, ele a teria chutado longe, tamanha era a fúria que emanava de seu cosmo. Ele quer brigar, uh? Que assim seja. Shura sempre soube o quanto Máscara da Morte desprezava o cavaleiro de sagitário. É claro que, independentemente do que fizesse, a sua amizade com Aioros fora forte demais e isso definitivamente parecia enfurecer o italiano.
Surpreendendo-o novamente, porém, Máscara da Morte parou a um passo de si, os braços ao longo do corpo, nenhuma postura de combate adotada.
- Você está chorando porque acha que pode ter cometido um erro ao eliminar o traidor, segundo as ordens do Mestre – disse, o tom de voz e o rosto inescrutáveis – Você não consegue se perdoar por ter feito isso, mesmo tendo sido a coisa certa a fazer.
Shura não pode evitar as duas mãos do canceriano, que se entrelaçaram em torno de seu pescoço. Vai me estrangular, então, maldito!
- Eu não vou te perdoar nunca.
Ao ouvir essas palavras, capricórnio não mais se debateu para se libertar do jugo de Máscara da Morte. Seu olhar vagou pelo saguão à sua volta, detendo-se no chão. Eu sei que não.
- Está me ouvindo, Shura? Aioria não vai perdoá-lo... – o capricorniano sentiu o calor dos dedos do outro contra seu pescoço, e se perguntou por que não o enforcava de uma vez –... Mas eu jamais vou te perdoar se continuar chorando por causa daquele homem!
Máscara da Morte de câncer subitamente libertou o outro dos seus punhos.
Shura tossiu, sem entender por que fora solto, ou por que fora agarrado para início de conversa. Buscou o olhar o outro, mas não conseguiu encará-lo.
- Vai parar de chorar por ele, ou por qualquer outra pessoa – o canceriano disse, austero, por sobre o ombro, antes de sair daquele lugar, rumo à sua própria casa.
Shura ficou parado, a mão direita no pescoço, o olhar nas costas do cavaleiro que se distanciava. Que diabos ele quis provar com tudo isso? De fato, o comportamento do canceriano não lhe parecia habitual.
Confuso, o cavaleiro se retirou algum tempo depois, seguindo o mesmo caminho que Máscara da Morte de câncer tomara momentos antes.
Engraçado como as pessoas mudam de opinião tão rápido. Parece que esquecem tudo o que fizeram antes, ficam por aí, com essas caras felizes, festejando sem culpa alguma.
E então? Confuso?
A título de curiosidade, a relação deles vai ser retratada com menos negatividade mais para frente.
Obrigada por apreciarem. Vou me esforçar para conseguir resultados melhores nos próximos capítulos.
