Capítulo I: "De volta"
Era só mais um dia na vida daquela garota que aprendeu a dominar seus medos e que precisava se virar sozinha. Quer dizer, ela não era mais uma garota, mas uma jovem mulher cheia de compromissos, de afazeres, uma artista reconhecida e prestigiada: uma estrela da Broadway. Ela era a "pequena-grande" Rachel Berry, que deixara tudo, tudo mesmo, para trás: sua pequena cidade, o aconchego da casa de seus dois pais e, principalmente, seu grande amor, para se tornar aquilo que agora era, uma das artistas mais bem requisitadas da indústria dos Musicais.
Mas, por que será, que naquelas horas mortas da noite, quando não conseguia pegar no sono, parecia que alguma coisa faltava, ou melhor, alguém: ele? Ele que a fez ir em busca de seus sonhos mesmo quando ela quis ficar, ele que foi buscar redimir a memória do seu pai perante o Exército, ele com quem rendeu-se ao destino que os separou. Finn Hudson. Por mais que tivesse vontade de fazer uma lavagem cerebral como em "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças", o melhor remédio que tinha encontrado para suprir a falta que tivera dele em todos os momentos desde que chegara à Nova York foi o de trabalhar duro por seus objetivos, nunca desistir diante dos "nãos", sempre mantendo a cabeça erguida porque ele tinha lhe dito: "deixá-la livre para ser uma estrela era a maior prova de amor que ele poderia lhe dar".E ela não largara mão de seu grande amor e de casar-se com ele para desperdiçar a oportunidade de seguir seu sonho.
Por isso, naquele dia, ela já estava maquiada e bem arrumada com um casaco elegante, vestido e botas perfeitos para enfrentar o outono nova-iorquino quando Kurt Hummel, seu melhor amigo desde a escola, chegou às oito da manhã em sua casa:
- Espero que esteja tão pronta quanto bem vestida para esse dia que promete ser intenso.- ele comentou sorrindo, entregando um copo de café do Starbucks para ela.
-Sempre estou pronta, você sabe disso.- ela retribuiu o sorriso, pegando o café.- Nós vamos fazer uma apresentação incrível.
Ela e Kurt estavam dividindo, pela primeira vez, a mesma peça teatral na Broadway. Seu amigo conseguira entrar na NYADA um ano após ela, e eles mantiveram a mesma amizade da época do McKinley High School.
Kurt olhou melhor para a amiga, como se quisesse falar algo, mas não tivesse coragem. Rachel estranhou a fixação dele e indagou:
- Quer me dizer algo, Kurt?
- Na verdade, sim. -ele respirou fundo, buscando um pouco mais de força. - Finn voltou do Oriente Médio.
O coração de Rachel deu uma cambalhota mortal no ar. Seu rosto ficou lívido, sua boca seca, exatamente da mesma forma que quando Kurt, o meio-irmão de Finn, tinha lhe dito que ele iria junto com algumas tropas americanas para perto de Israel. Rachel e ele preferiram não alimentarem a dor e a saudade tentando se comunicarem, mas ela sempre se valia do fato de que Kurt aparecia com alguma informação pontual de como estava a vida de seu...ex-noivo? Ela não sabia responder, pois nunca nem sequer tinha tentado se livrar do anel de noivado que custou o primeiro cartão de crédito dele. Ainda considerava seu relacionamento em suspenso, até eles se reverem, se é que um dia isso aconteceria.
- Co...como está ele?
- Bem, inteiro, com todos os membros ainda firmes e no lugar. - Kurt pausou um pouco para dar mais uma informação, enquanto Rachel olhava-o com os olhos grandes e cheios de lágrimas.- ele pediu baixa do Exército. Conseguiu provar que o pai dele tinha sido um herói, salvado dois soldados na Guerra do Golfo, e não simplesmente um viciado que morreu na pior.
Rachel apertou a mão sobre o peito, sobressaltada. Ele tinha conseguido. Tinha sido quase uma década lutando para provar que seu pai tinha honrado a farda e o dever de proteger a pátria .Ela, no entanto, não sabia o que dizer.
-Acho que não deveria ter te dito isso. - comentou Kurt, deixando o café de lado.- Ele e você merecem viver livremente, Rachel! Esquecerem do que passou...
-O que você quer dizer com isso?
-Que ele nunca te esqueceu, mas que precisa retomar a vida dele em Lima. E, você, tem uma vida aqui em Nova York. É hora de desapegarem-se do passado.
-Continuo sem entender. - suspirou Rachel.- Eu não vou...
-Nem pense em dispensar o Nathan de novo!
Nathan Van der Henriksen. Astro de filmes de ação, protagonista de uma série de sucesso, tinha a América toda derretendo por seus encantos e ele, no entanto, há meses só tinha olhos para Rachel. Já mandara flores, chocolates vegan, cartões, convites para jantares, festas e viagens, joias e usado litros da sua lábia para conquistá-la, e até então, tudo o que conseguira dela tinha sido atitudes distantes e polidas da parte dela.
-Eu nem tenho nada com ele, sequer!- Rachel defendeu-se.
Kurt inspirou, mais uma vez:
-Veja, minha querida: eu amo muito vocês dois. Sério. Mas, sinceramente, tá na hora de olharem para frente, esquecerem o passado e seguir.
{...}
A barba ainda por fazer deixava-o com o rosto mais velho e com a expressão mais sisuda. Ainda era bem jovem, mas, em algum lugar, algo tinha envelhecido nele. Vira muita coisa, coisas que seus olhos ingênuos registraram e que nunca mais sairiam das suas retinas. Eram coisas como presenciar gente que gostava ir embora, lealdade, amizade, morte, dor, miséria, sofrimento.
Finn sentia que, com vinte e poucos anos, tinha vivido mais do que muita gente. E amado mais do que muita gente. Ele não a esquecera um minuto. Sabia de todos os seus passos, tinha recortes de revista, olhava sempre na internet jogando o nome dela no Google, e claro, contava com o serviço de informação mais eficiente em termos de Rachel Berry do qual ele poderia dispôr: seu irmão Kurt. Sabia que ela estava realizada profissionalmente, era uma estrela, algo natural visto o empenho e o talento que ela tinha. E Finn jurava a Kurt, quando conversavam às vezes, de que não se importava mesmo se ela estivesse namorando alguém, mas, ao que tudo indicava, ela era considerada "a jovem estrela prodígio e solitária da Broadway". Ele sabia, em algum ponto, que isso não deveria importá-lo mais. Ele não era mais noivo dela... era, no máximo, uma sombra do seu passado.
- Mãe, Burt... - ela entrou de fininho em casa, empurrando a porta e colocando a mochila no chão. Eu voltei.
"Onde andei!/Não deu para ficar
Porque aqui!/Aqui é meu lugar
Eu voltei!
Pr'as coisas que eu deixei
Eu voltei!..." (Roberto Carlos)
