VIRA-TEMPO
Capítulo I

Era março de 1937, uma quinta-feira, quase primavera. A noite estava fresca, agradável. Todos os grifinórios estavam deitados, exceto uma... que estava sentada sobre a cama, com os pés no chão e os olhos curiosamente grudados em um pequeno objeto brilhante, dourado... do qual fazia parte uma delicada ampulheta mágica. Vira-tempo. Ela brincava, com a ponta dos dedos, com a correntinha, enquanto, com a outra mão, apoiava o presente tão raro que tinha ganhado do pai há 2 anos. Sorria de leve, lembrando-se de casa.

CRASH!

Um estouro no vidro da janela a fez saltar no lugar, deixando escorregar o objeto por entre os dedos. No susto, tentou ainda salvar o Vira-Tempo, acudindo com ambas as mãos. Em um momento estavam ela e o objeto dourado, cuja ampulheta mágica agora não passava de mil caquinhos cintilantes, no chão.


Cinquenta anos e algumas horas depois, ela acordava sentindo vertigens. Estava no chão ainda. Tudo girava. Pôs-se sentada e levou a mão ao rosto, esfregando os olhos. Estava sem os óculos, deviam ter caído. Os procurou em volta, mas o que encontrou foi o inesperado. O chão não era de pedra. O chão não era de pedra, mas como podia não ser? Olhou em volta e não encontrou o seu dormitório. De todo chocada e apavorada, se levantou, e percebeu então que não vestia a mesma camisola, mas uma que nunca antes tinha visto. E seu corpo... seu corpo estava diferente. Suas mãos não eram as mesmas, estavam envelhecidas, as unhas mais longas. Tateou o próprio rosto, e, no nervosismo, não soube dizer se estava diferente ou igual. Achou, à sua volta, um bonito quarto. A colcha sobre a cama era rubra e dourada, trazia bordados os contornos de um grande leão. Cortinas pesadas impediam a luz entrar pelas janelas, mesmo assim ela soube, por uns pequenos feixes de luz que se esgueiravam bem junto da parede, que já havia amanhecido. O vira-tempo, no entanto, ainda estava no chão, estilhaçado. Ela suspirou. Sabe-se lá para onde o acidente a tinha mandado, sabe-se lá o que tinha feito consigo, sabe-se lá... se... poderia ser revertido. Esses pensamentos lhe trouxeram uma impressão terrível de desamparo. Sentiu medo. O certo é que estava sozinha ali, tudo estava quieto.

Depois de um momento, resolveu caminhar até a janela. Cheia de receios, estendeu as mãos e, de uma vez, abriu as cortinas. O choque com a luz forte a obrigou a fechar os olhos, quando os conseguiu abrir, surpresa, se deu conta de que estava ainda em Hogwarts, na mesma torre, apenas alguns andares à baixo. Seria possível que simplesmente tivesse sido lançada à outro lugar? Não, seu corpo não era o mesmo. Seu corpo não era o mesmo. Precisava de um espelho. Haviam duas portas, podia ver uma estante de livros através de uma delas, e a outra parecia levar a um banheiro. Mal deu dois passos na direção do banheiro, ouviu batidas.

Toc, toc, toc.

Seus movimentos congelaram.

Toc, toc...

– Minerva..?

Subiu um frio pela espinha. Fosse quem fosse, sabia de sua presença ali. A voz era masculina, mas mal teve cabeça para reparar nisso.

Toc, toc, toc.

Havia uma saleta ligada ao quarto onde estava, aquela onde viu a estante de livros. Na saleta havia uma porta da qual se saía para o corredor, e era nessa porta que batiam. Ela caminhou, a passos fracos, até a saleta. Estando nela, resolveu responder o estranho.

– Quem... – ela começou a falar, mas estancou, percebendo sua voz diferente, levemente trêmula. Limpou a garganta antes de tentar novamente, o que, em verdade, não resultou em diferença nenhuma – Quem está aí?

– ...Albus.

Ela soltou um suspiro ansioso, estava salva! Se apressou a abrir a porta, que estava trancada com um giro de chave. Encontrou, do outro lado, um Professor Dumbledore muito mais velho do que o que conhecia, não soube se arregalava os olhos, se sorria ou ainda se chorava.

– Minerva, você está bem?

Passou-se um momento, ela continuava com a mesma expressão estranha e débil no rosto.

– ...Está me assustando. O que houve com você, minha cara?

Vendo que ela por certo ela estava de algum modo alterada, ele segurou os ombros da bruxa, apertando de leve.

– Minerva?

– P-professor... – saiu em um quase sussurro.

De repente ele relaxou, toda a preocupação deixou os seus olhos. Sorriu de leve, um sorriso terno como o de costume. Aquele gesto tão simples reconfortou o coração da jovem Minerva, agora já não tão jovem.


Cinquenta anos atrás, a professora de Transfigurações e Vice-diretora de Hogwarts acordava na Ala Hospitalar. Logo se pôs sentada, levando as mãos às têmporas. Tudo girava.

– Poppy?

Parou, por um momento, pensando que sua voz tinha soado particularmente aguda. Olhou em volta.

– Poppy? – chamou pela segunda vez, mas não obteve nenhuma resposta.

Suspirando, levantou e, para seu choque, encontrou seus tornozelos expostos. "Pelos Céus, o que estou vestindo?". Procurou por seus óculos, mas não os encontrou. Encontrou sua varinha, no entanto, sobre a mesinha de cabeceira. Varinha recuperada, transfigurou um dos lençóis em uma espécie de robe (depois o devolveria, pensou consigo). Quando já caminhava para fora da Ala, ainda não bem certa sobre quão bem estava se sentindo, uma voz feminina se dirigiu a ela:

– Onde pensa que vai, Srta. McGonagall?

Virou-se e, pasma, deu de cara com um rosto há muito não visto.

– Enfermeira Callaghan?

– Por que a surpresa, mocinha? Quem mais esperava encontrar por aqui? Venha, deite-se, ainda não a liberei. Ainda nem mesmo entendi o que se passou com você, filha. Pode voltar ao seu lugar.

Minerva estava chocada demais para dizer qualquer coisa. Estivera no funeral daquela velha mulher. Ninguém podia simplesmente... voltar à vida.

– Para ser sincera, esperava encontrar... Poppy Pomfrey.

– Eu não vejo como, minha jovem. A Srta. Pomfrey é por demais cuidadosa com sua própria saúde para estar metida nessa enfermaria antes do café da manhã. Agora, se espera uma visita, posso mandar chamá-la, não sabia que eram amigas. Venha, volte para sua cama, eu avisarei o Professor Dumbledore de que a Srta. já está acordada.

Completamente confusa, a bruxa obedeceu. "Pelas barbas de Merlin, estou alucinando... ela me chamou de mocinha?". Ela apenas se sentou na cama novamente, tentando não pensar em nada... a cabeça ainda girava. Uns 15 minutos depois, entrou pela porta um distinto senhor vestindo púrpura, seus olhos eram muito azuis e os cabelos... ruivos, começando ainda a se esbranquiçar.

– Minerva, que bom vê-la desperta! Que susto que nos deu, ahm?

Boquiaberta, ela não respondeu. Aquele era Albus. Bom Deus, aquele era Albus Dumbledore, mas não seu bom amigo Albus! Aquele era Albus como se lembrava do tempo de colégio, seu mestre, professor de Transfigurações e Diretor da Grifinória!

– Dáire, como está nossa monitora? – ele perguntou à enfermeira.

– Ela está perfeita, saúde de ferro. Até agora não entendi bem o que aconteceu, mas diria que está tudo sob controle agora.

– Que bom ouvir isso. – então Dumbledore se voltou à Minerva, se aproximando de sua cama - Então, minha cara, como se sente?

Ela não podia acreditar no que via, acabou soltando uma risada nervosa, então, passando os dedos pelos próprios cabelos, que achou soltos, perguntou:

– Não sei bem... O que houve comigo?

Ele se dirigiu mais uma vez à enfermeira, pediu que os deixasse sozinhos por um momento. E logo assim estavam. Então Dumbledore disse:

– Sofreu um pequeno acidente ontem à noite. Receei que as consequencias pudessem ser sérias, minha cara, estou sinceramente aliviado...

– Um acidente? De que tipo?

– Com um... vira-tempo.

Ela abriu a boca para falar, mas não conseguiu dizer nada. Se lembrava agora. Estava tarde, ela estava reorganizando alguns objetos pessoais, encontrou seu velho vira-tempo, segurava ele quando uma fada-mordente apareceu como que vinda de parte alguma. Minerva estremeceu, levantou da cama, onde, até então, estivera sentada. Rapidamente conjurou um espelho de mão. Não podia acreditar, não podia acreditar... não podia... soltou um longo suspiro e disse, olhando Dumbledore nos olhos:

– Talvez, meu caro, elas tenham sido bastante sérias. Em que ano estamos?