Lírio Branco Selvagem
Por Juli.chan e Arthemisys
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Primeiro Capítulo
"O mito nunca acaba. Ele apenas se renova tal qual uma rosa que em sua última pétala seca, dá lugar a um novo botão."
O Grande Hades havia voltado do Caos, e trazido junto com ele sua amada filha, que há muito todos julgavam perdida para sempre. E desde então, a paz e a alegria reinavam nos Campos Elíseos. A linda princesa Ephemeron, que com seu sorriso e graça, trazia um sopro de vida e alegria por onde passava. Não havia um só ser em todo o Elíseos que não sentisse uma imensa alegria só pela presença da bela filha de Hades e Cora, aquela que todos passaram a conhecer como a "dama do renascimento".
E como para firmar a alegria que o casal imortal possuía naquele instante, Hades prometeu que não haveria mais guerras contra os mortais ou contra sua indomável sobrinha Atena, promessa essa que fez o coração de Cora se inundar de felicidades.
Mas Hades ainda tinha um mau pressentimento. Sentia que precisava proteger sua filha de todas as maneiras possíveis. Temia que de algum modo, alguém pudesse querer o mal de Ephemeron, e ele jamais permitiria isso! Em seu trono, no salão principal de seu castelo nos Elíseos, o imperador ordenou que Hipnos, o deus do sono e Radhamantys de Wyvern, o juiz dos mortos, viessem até ele.
"Aqui estou, meu senhor." - o deus inclinou-se respeitosamente, diante de seu imperador, sendo imitado por Radhamantys que permaneceu calado.
"Hipnos, quero que selecione os sete melhores guerreiros que houverem chegado nos Campos Elíseos nesses últimos séculos, treine-os e torne-os espectros e Radhamantys, ordene que sapuris sejam feitas especialmente para eles." - disse, observando da janela sua amada esposa e filha andando pelos jardins de seu castelo.
"Mais sete espectros...?"– o juiz se perguntou baixinho.
"Senhor...perdoe minha ousadia em perguntar, mas...por que quer que eu prepare esses guerreiros?"
"Eles serão a guarda pessoal de minha filha. E eu os ressuscitarei para isso." - respondeu com naturalidade e depois olhou para eles. – "Apenas confio em vocês para que façam isso. Você, Hipnos, é ponderado e sábio saberá escolher bem. E você Radhamantys, é um servo fiel."
"Eu o farei. E fico imensamente honrado em ter a vossa confiança, meu lorde."– acatou Hipnos.
"Sou grato por servir a vossa majestade mais uma vez" – o juiz dos mortos falou com total respeito.
E assim, depois que saíram da presença de seu imperador, ambos foram cumprir as devidas missões. Hipnos caminhou até um certo ponto dos Campos Elíseos, onde os heróis do passado, guerreiros de todas as eras, que tiveram uma morte honrada, repousavam. Expandiu seu cosmos, chamando a atenção das almas que ali viviam, estreitou o olhar e observou todos que ali estavam...E fez sua escolha.
Assim como Hades havia dito, eles foram renascidos. Logo, o deus do sono começou o duro treinamento. Eram guerreiros habilidosos, que atingiram rapidamente o nível de poder que o deus almejava. Algum tempo depois, eles estavam preparados para assumirem os mantos de Espectros que protegeriam a deusa menina Ephemeron.
Os sete espectros treinados por Hipnos, trajando cada qual uma sapuri feita especialmente para eles, se apresentaram diante do trono de Hades e de sua família, para que o Imperador os conhecesse e lhes dessem a sua missão. Cora olhou para o grupo de jovens guerreiros e depois lançou um olhar preocupado ao marido.
"Meu senhor." - Hipnos se ajoelhou diante de Hades, e os jovens que o acompanhavam fizeram o mesmo. – "Eis aqui a guarda pessoal de sua alteza, a princesa Ephemeron, conforme me ordenou."
"Que eles se apresentem." - ordenou com seu habitual tom de voz frio e impessoal.
"Eu sou Heitor, da estrela noturna da Punição." - um rapaz de cabelos negros, da altura dos ombros, rebeldes, e olhos do mesmo tom se apresentou. Suas sobrancelhas eram bifurcadas e possuía um olhar serio e respeitoso. – "E devotarei a minha nova existência a servi-lo e a proteger a minha princesa."
"Atalanta, protegida pela estrela da Vingança." - uma garota de cabelos dourados, lisos, cortados na altura do pescoço se apresentou. Ela possuía olhos esverdeados e uma beleza rara.
"Eu sou Cicno da estrela negra da Dor, meu senhor." - se apresentou um rapaz de cabelos azuis escuros, longos e olhos azuis frios.
"Eu me chamo Iolaus da estrela noturna da Fatalidade, meu senhor." - um rapaz de cabelos ruivos e olhos verdes, com um ar brincalhão se apresentou. Parecia ser muito jovem.
"Eu sou Shiva, guiado pela estrela do Medo, imperador." – um rapaz de aparência madura, possuidor de pele morena, cabelo acastanhado e um inconfundível sinal na testa, comprovando de vez a sua origem hindu, se apresentou.
"Eu sou Acis, protegido pela estrela maligna da Perseguição, vossa majestade!" – outro rapaz se levantou, inclinando o corpo rapidamente em sinal de reverencia. Seus cabelos eram curtos e prateados e seus olhos, de um verde vivo e expressivo. Notava-se, porém, um ar maroto em sua fala e trejeitos, comprovando ser ele, além de um possível valente, uma pessoa dada aos prazeres mortais.
"E eu sou Jasão!" – o mais moço deles, se apresentou, encarando o deus da morte com vigor. – "Da estrela do Passado!"
Hades mesmo em sua imutável expressão, não deixou de sorrir intimamente pelos seis rapazes e pela moça a sua frente. Sem dúvida, Hipnos havia feito escolhas excelentes.
Dessa forma, o deus dos mortos se levantou de seu trono - onde do lado direito estava, em um trono menor, mas de visível nobreza, a sua filha que observava tudo curiosamente e do lado esquerdo, a sua esposa com um ar tenso em sua suave face -, indo ao encontro dos novos guerreiros, enquanto falava:
"Vocês são agora, homens de infinita sorte, pois é com confiança que entrego em vossas mãos, a segurança daquela que é o meu maior tesouro, a minha filha Ephemeron. Vocês serão a partir de hoje, não apenas os espectros de Hades, mas sim, o escudo do que há de melhor em meu Reino. E é por isso que eu os prezo." – nesse momento, o deus pára entre os jovens e toca o ombro de Heitor, que agora, tinha seu olhar perdido nos verdes olhos de sua protegida que mantinha em seu rosto um sorriso gentil. –"Porém, os previno de que o menor erro, o mais leve deslize em seus deveres, qualquer ato impensado que possa fazer com que minha filha fique em perigo será sem dúvida interpretada por mim como uma ofensa gravíssima, passível de uma terrível punição."
Ao ouvir as últimas palavras do deus, Iolaus não deixou de dar uma engolida seca, fazendo com que seu companheiro Jasão desse uma leve cotovelada nele, o alertando a ser mais discreto com suas reações.
"Agora, podem se retirar."- outorgou Hades, voltando até seu trono. Imediatamente, todos, incluindo Hipnos e Radhamantys, se retiraram do recinto, deixando a família real a sós. A deusa Perséphone, foi a primeira a falar:
"Hades... O que significa isso?"
"Significa que agora ficarei mais tranqüilo em relação ao bem estar de nossa filha."
"Meu bem estar?" – Ephemeron indagou, fazendo com que os deuses voltassem suas atenções à filha.
"Sim, Ephemeron." – Hades respondeu, enquanto acariciava o rosto branco da princesa. – "Temo que algo de ruim aconteça com você. Apesar de ser uma deusa, você merece todo o cuidado e a proteção que eu e sua mãe podemos oferecer."
"Mas, quem iria querer o mal de nossa filha?" - argumentou a rainha.- "Em nosso reino, não há um só ser que não a protegeria."
"Ephemeron, poderia nos deixar a sós? Acho que esse assunto só iria aborrecê-la. -pediu Hades, e apesar de que não desejava sair, acatou e se retirou. Assim que ela saiu, Hades segurou a mão de Persephone e a fez levantar-se.-"Você mesma não me disse que Ephemeron lhe pergunta das coisas do mundo dos homens? Que sente curiosidade em conhecê-lo? Apesar de minha relutância, e que por minha vontade jamais voltaria meu olhar ao mundo em que os mortais vivem, não posso evitar que minha filha o conheça um dia."
"Ela está crescida."-comentou a rainha. -"É inevitável que isso aconteça."
"E quando isso acontecer, quero ter certeza de que estará bem."
"Meu marido... acho que tive uma idéia."-disse a rainha.
"Qual idéia?"
"Se chegar o dia em que nossa filha quiser conhecer o Mundo dos Mortais, há uma pessoa que poderia ser sua guia, como também sei que se prontificara a cuidar dela com todo o carinho."
"E quem seria?"
Persephone sorriu. Não seria fácil convence-lo disso.
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Do lado de fora do Grande Palácio de Hades, os jovens Espectros se reuniram, ouvindo as ultimas palavras daquele que foi o seu mentor.
"Deixo em suas mãos uma grande honra."-dizia Hipnos que depois sorri.-"Sei que deixarão orgulhoso."
"Eu que agradeço a chance de novamente ter um propósito em minha existência, senhor."-dizia Heitor.
"É com certeza o mais ponderado entre seus pares, Heitor. Por isso, caberá a você ser o líder e guiar seus companheiros."-determinou o deus do sono.
"Eu?"-espantou-se.
"Agora devo ir."-Hipnos se afasta, deixando-os sozinhos.
"Liderar? Eu?"-Heitor ainda se indagava.
"E quem mais, Heitor?"-dizia Acis.-"O Shiva? Ele faria a gente meditar o dia todo. Cicno...ele nem sabe o que é ser social. E a Atalanta..."
"Se disser algum comentário machista... morre!"-Atalanta ameaçou, colocando sua adaga bem embaixo do nariz de Acis.
"Se orasse mais, Acis...os deuses certamente perdoariam os seus pecados da carne."-aconselhou Shiva.
"Ai, a vida não teria graça."-respondeu afastando a lamina da sua face.-"Atalanta. Minha querida, eu ia dizer que de todos nós...é certamente a mais capacitada. Jamais em hipótese alguma, iria fazer algum comentário maldoso sobre a enorme capacidade de liderança que as mulheres possuem."
"Mentchiroso!"-Jasão "espirrou" bem atrás e Acis, recebendo do colega um olhar assassino.
"Saúde."-uma voz suave diz, fazendo com que todos se voltem para ela.
Quando viram que se tratava da princesa Ephemeron, se ajoelharam em respeito.
"Por favor. Se levantem."-não foi uma ordem, mas um pedido que todos acataram. -"Podem ser soldados de meu pai, mas odeio que se curvem diante de mim."
"Mas é a princesa do Submundo!"-argumentava Heitor.
"Sim. Mas se vão ficar perto de mim, se vão se tornam minha guarda...terão que deixar essas formalidades de lado. Não quero servos."
"Não entendo."-diz o Espectro.
"Quero que sejamos amigos."-respondeu a princesa.
Jasão, Iolaus e Acis sorriram diante do comentário. Atalanta manteve uma expressão mais serena, Shiva deu um sorriso discreto, Cicno não esboçou reação alguma, mantendo uma fachada fria e distante.
"Mas... princesa."
"Amigos, Heitor?"-ela insistiu com a pergunta.
"Esta bem... amigos."-o Espectro suspirou resignado.
"Que bom!"-movida pelo impulso, Ephemeron abraçou Heitor, deixando completamente sem jeito, corado, com o coração disparando sem parar.-"Nos veremos depois."
A princesa se despediu com um sorriso, entrando novamente no palácio. Heitor ficou parado, apenas observando ela sumir de sua vista. E só acordou, quando escutou as risadinhas dos companheiros.
"Toma Heitor."-Acis com um gesto de mímica, parecia que pegava algo no chão. -"Seu queixo que caiu."
"Calem a boca!"-resmungou Heitor, que depois elevou a voz. -"Se sou o líder, comecem a treinar ao invés de ficarem fazendo comentários e brincadeiras sem graça!"
"Sim, senhor!"-Jasão, Iolaus e Acis bateram continência, ainda tirando sarro do amigo, e tiveram que correr para se desviarem de um golpe dele.
Shiva e Atalanta apenas moveram as cabeças em sinal negativo. A jovem reprovando a brincadeira dos garotos, o homem imaginando que eles ainda eram crianças crescidas. Cicnos apenas olhava para onde Ephemeron entrou e deu um sorriso enigmático.
E assim, mais algum tempo se passou. A curiosidade nata da filha do deus dos mortos era saciada através de sua mãe e pelas conversas que tinha com os seus amigos, como ela se referia aos sete espectros que a protegiam. Claro que nem todas as descrições de como era o mundo dos vivos eram capazes de aplacar sua grande vontade de conhecer tal lugar, ao contrário. Sentia, com mais intensidade, desejo de conhecer a Terra. Porém, sabia que não seria nada fácil convencer seu pai, sempre tão cauteloso. E em sua ânsia cada vez maior, ocorreu-lhe uma idéia um tanto inusitada, mas típica de um coração jovem.
"Isso não vai dar certo." – Atalanta advertida, em vão.
"Tenho que ao menos tentar." – Ephemeron intercalou, enquanto puxava Nocturnus, o corcel negro de seu pai, pelas rédeas. – "Já sabe o que deve fazer, certo?"
"Certo..." – a jovem guerreira suspirou. Mentalmente, estava pedindo que os deuses tivessem piedade de sua alma.
"Obrigada!" – Ephemeron falou, dando um leve beijo no rosto da jovem e em um pequeno impulso, monta no cavalo, dando disparada no galope.
"Ai... Que Ártemis tenha piedade da minha alma." – Atalanta choramingou ao ver a princesa partir.
O cavalo do rei era rápido em seu galope, mas a princesa conseguia se segurar firme nas rédeas. O vento fazia com que os longos cabelos negros dela se misturassem as crinas também negras do animal. O vestido branco também bailava ao sabor da brisa e toda aquela sensação repentina de liberdade estava começando a assustá-la. Sabia que era arriscado o que estava fazendo, mas a única certeza em sua mente era a de que deveria tentar. Se por acaso seu pai descobrisse, assumiria toda a culpa, deixando Atalanta isenta de qualquer punição.
"Sete mil quinhentos e cinqüenta e sete, sete mil quinhentos e cinqüenta e oito... Vamos lá Jasão! Só faltam mais quatrocentos e quarenta e duas flexões para você bater seu recorde!" – Acis incentivava Jasão que estava pingando de tanto suor.
Nesse exato momento, Heitor que estava encostado numa árvore a observar o treinamento de Jasão, consegue avistar Ephemeron cavalgando rumo a saída dos Campos Elíseos.
"Princesa!" – ele grita, vendo ela se afastar. Imediatamente ele monta em seu cavalo que pastava próximo e sai em disparada atrás da filha de Hades.
"O que deu no Heitor?" – Iolaus pergunta ao ver o amigo cavalgar em disparada.
"Acho que problemas." – Shiva se aproximou, e completou. – "Vamos atrás dele."
Shiva, Iolaus e Acis começam a correr atrás do amigo, deixando Jasão para trás.
Nocturnus era sem dúvida um animal de galope rápido e bastante perspicaz. Ao avistar a saída daquela região infernal, imediatamente o cavalo ergueu as patas dianteiras, dando um salto através do portal dimensional que se abriu. Quando o animal novamente tocou o solo, a princesa olhou ao derredor assustada.
"Onde está o Muro das Lamentações?" – ela se indagou, ao perceber que ao invés de estar no Templo erguido no limite dos Campos Elíseos, estava na realidade, em uma região fria, de arvores retorcidas e de solo lamacento. A Floresta dos Suicidas.
"Ajude-me..." – uma voz fria e gutural sussurrou de forma assustadora.
Ao virar-se, Ephemeron viu que por detrás das árvores mortas, vários seres se erguiam mal cheirosos e cobertos daquela lama podre. Alguns estavam nus e outros, com pouquíssimas roupas. Eram monstruosos em suas aparências e se aproximavam dela em dezenas.
"O que vocês querem?" – ela indagou, mas sua voz estava trêmula de medo. Nem no Caos havia visto seres tão horrendos.
"A paz... queremos a paz..." – e imediatamente, começaram a cercar o cavalo que incomodado com a presença das pobres almas, começou a relinchar, fazendo com que Ephemeron segurasse firme em sua crina para não cair.
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"Atalanta, onde está a minha filha?" – Hades perguntou ao avistar a amazona sozinha.
"Senhor!" – Atalanta se ajoelhou imediatamente. – "O que fazes acordado tão cedo, Imperador?" – Atalanta se perguntava de onde tirou coragem para fazer uma pergunta tão idiota como àquela para o deus.
"Vamos! Eu lhe fiz uma pergunta!" – Hades tornou a falar, demonstrando impaciência na voz.
"Heitor foi atrás dela, Imperador!" – Jasão responde, se aproximando deles.
"Para onde ela foi?" – Hades indaga, fuzilando os guerreiros com seu olhar inquiridor.
"Para a saída dos Campos Elíseos." – Atalanta por fim responde, com a voz tremula ao imaginar o fim de sua existência.
"Sair dos Elíseos?" – Hades indaga, ainda ingerindo as palavras ditas por Atalanta. – "Mostre-me para qual lado ela foi. Depois eu cuido de você, Atalanta."
Os três saíram a passos rápidos rumo ao caminho indicado pelo rapaz.
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Ephemeron estava pálida de medo diante daqueles espíritos condenados. Mesmo sendo uma deusa, filha dos reis do Inferno, ela se sentia pequena e indefesa com o desconhecido. Seu coração disparava sem parar e a dor do arrependimento latejava por toda a sua mente. Quando já estava completamente cercada, um deles se aproximou, com seu braço chagado e sujo prestes a puxar a princesa pela perna. O sorriso desdentado do ser era de regojizo e o olhar de Ephemeron, de desespero.
"Não toque nela, seu maldito!"
Antes que o espírito se virasse para ver quem declamava, sentiu que sua cabeça se separava do seu corpo por um potente golpe de espada. Era Heitor.
"Heitor!" – Ephemeron suspirou com os olhos marejados.
Ao ver o companheiro desaparecer na lama, as outras almas começaram a cercar o Espectro e seu cavalo. Sabia que seria perigoso demais lutar contra eles com a princesa por perto então, teve uma idéia.
O guerreiro se aproximou ainda mais da princesa e saltou do seu cavalo para o cavalo que ela estava tomando assim as rédeas dele. O cavalo que ficou sozinho foi novamente cercado e tomado pelas almas, sedentas de vida. Ao ver que eles mudaram o centro de suas atenções, Heitor deu impulso a Nocturnus que tomou galope rumo aos Elíseos. Deixaram para trás, um ser vivo sendo devorado por seres mortos.
Ao atravessarem o portal novamente, as patas enlameadas do animal novamente tocaram a grama verde do paraíso infernal. O Espectro estava por detrás da princesa e seus braços por segurarem as rédeas, tocavam o corpo dela que ainda tremia pelo medo e pelo susto. Os cabelos dela roçavam o rosto dele e ele podia sentir o suave aroma de amora que os fios negros emanavam. Nesse instante, ela deixou de segurar a crina do cavalo e suas mãos seguraram firmes as mãos de Heitor.
"Está tudo bem agora, princesa." – Heitor a tentava acalmar, mas quem precisava se acalmar naquele momento sem dúvida seria ele. O toque inocente da princesa parecia produzir nele grandes cargas de eletricidade. Sentiu vontade de abraçá-la, mas imediatamente se recriminou pelo pensamento. Ela era uma deusa!
Desceu do cavalo e a ajudou a descer também. Quando estava no chão, a princesa imediatamente o abraçou forte, enterrando seu rosto no peitoral da armadura dele. Heitor percebeu que ela soluçava.
"Eu... eu estava com tanto medo, Heitor." – ela declarava com voz chorosa. Aquilo o tocou profundamente, cego por aquele sentimento que ela alimentava nele a cada dia, desde que se apresentou diante de Hades.
"Não precisa temer mais nada princesa. Jamais permitirei que algo de mal a aconteça. Eu jurei isso a seu pai e juro a você novamente." – ele a acalmava, mas mesmo assim, não a abraçou. Não se achava digno para isso.
Sentiu que ela se desprendia dele e o encarou sorrindo, mas com os olhos avermelhados. Ele tocou o rosto dela, enxugando as últimas lágrimas.
"Obrigada, Heitor." – a princesa agradeceu, obtendo em seu semblante novamente, um ar tranqüilo e meigo. Movida pelo costumeiro impulso, ela se pos de ponta de pé, o beijando na face.
Talvez tenha sido a força de vários deuses que fizeram com que Heitor continuasse de pé depois daquela demonstração de carinho. O coração dele disparava sem parar e sentiu que as pernas ficaram sem forças por um breve espaço de tempo. Acreditou mesmo que cairia, mas as circunstancias mudaram rapidamente suas reações.
"Ephemeron!"
"Papai!"
A jovem deusa saiu correndo rumo ao seu pai que a abraçou com carinho. Felizmente, o Imperador dos mortos não havia visto nada comprometedor.
"Minha filha." – Hades suspirou aliviado. – "Aconteceu algo a você?"
"Não. Heitor me protegeu." – ela respondeu, se virando para o guerreiro que já estava de joelhos, em reverencia.
"Entendo." – Hades respondeu. – "Atalanta, se aproxime."
A jovem se aproximou cabisbaixa. Estava feliz por ver Ephemeron a salvo, mas tremia ao pensar no que Hades estaria planejando com ela.
"Sua falta foi grave. Sua punição será severa."
Os Espectros se olharam assustados. Atalanta apenas se ajoelhou, dizendo: "Como desejar, meu Imperador."
"Não!" – Ephemeron interveio. – "Ela não tem culpa de nada! Foi eu que a ordenei a distrair o senhor enquanto... eu saia daqui... a culpa é minha e quem merece ser castigada sou eu."
"Ephemeron..." – Hades murmurou perplexo com a reação da filha. Assemelhava-se muito a sua esposa nesse aspecto de sempre proteger os humanos. – "Castiga-la? Como poderia fazer isso com a minha própria filha?"
"Papai. Eu tenho uma vontade imensa de conhecer o que há além dos limites do Palácio. Então eu perguntei a Acis sobre o que existia alem dos Elíseos e ele me contou sobre o Muro das Lamentações. Eu quis ir para lá... a culpa é minha. Por favor, não castigue ninguém."
Hades meneou a cabeça. Se fosse há outros tempos, não haveria dúvidas de que a punição que prometera aconteceria. Mas agora era tudo diferente. Era sua filha que implorava o perdão e negar isso a ela seria como negar alimento a um faminto. Então, após alguns segundos de silêncio, o deus se pronunciou.
"Retornemos ao Palácio, Ephemeron. Atalanta, você está perdoada."
Sem mais palavras, o deus e sua filha saem a galope rumo ao Palácio, deixando os sete espectros sozinhos.
"Graças a Ártemis!" – Atalanta suspirou, colocando a mão na altura do coração, completamente aliviada.
"Graças a princesa Ephemeron, isso sim." – Iolaus retrucou. – "Quase que você iria ser promovida a brinquedinho das Fúrias."
"Hoje, vamos fazer uma festa!" – outorgou Acis. – "Afinal, o Heitor foi o herói do dia!"
O Espectro da Punição não ouvia nada do que os companheiros diziam. Sua mente ribombava em êxtase pelo que havia acontecido há pouco. Sentiu-se feliz em ter sido útil a princesa e apenas por isso já sentira imensa alegria. Mas o que ela demonstrou para com ele... Seus sentimentos, seu medo, sua alegria, seu beijo. Sentia-se tão inferior e ao mesmo tempo tão feliz por merecer a confiança de sua protegida.
"Heitor? Heitor você está bem?" – Jasão perguntava, passando a mão na frente do rosto de Heitor, a fim de vê-lo reagir. – "Ele está catatônico."
"O que está fazendo Jasão!" – Heitor imediatamente pega a mão do amigo e com um gesto, o coloca por detrás do seu corpo, o fazendo se virar de dor. – "Já disse que não aturo brincadeiras!"
"Ai, ai! Tá bom! Eu não brinco mais com você, general!" – o rapazinho implora, sendo solto logo em seguida.
Nesse momento, Cicno se aproxima como se nada de grave tivesse acontecido.
"Onde estava Cicno?" – Shiva indaga. – "A princesa passou por apuros agora há pouco e você nem estava presente."
"Foi?" – Cicno apenas se ateve em indagar.
"Foi. Mas agora está tudo bem e a princesa está a salvo." – declarou Heitor. – "Agora vamos embora."
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No Palácio do Submundo, a princesa se encerrou em seus aposentos. Encolhida na enorme cama, seus pensamentos ainda estavam presentes naquele lugar tão assustador em que fora parar. Nesse momento, a porta do quarto se abre, dando passagem a sua mãe que ao se aproximar da filha, a abraça com muito amor, sendo retribuída com a mesma intensidade.
"Meu lírio branco... por favor, me prometa que jamais fará algo parecido novamente." – Cora pedia com um semblante preocupado.
"Prometo mamãe."
"Responda-me Ephemeron. Ainda sente vontade de conhecer o mundo dos mortais?"
A jovem deusa balançou a cabeça afirmativamente. Perséphone sorriu. – "Bem, se é assim, saiba que seu desejo será atendido."
"Será atendido? Eu irei conhecer a Terra?" – Ephemeron parecia não acreditar no que ouvia.
"Sim, minha filha." – Cora respondeu sorrindo. – "Agora só dependerá da resposta de alguém para que isso se dê o mais rápido possível.
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Ainda no Elíseos...
Mais tarde, quando todos já se recolhiam a seus aposentos, Heitor ainda permanecia acordado, olhando a paisagem noturna, sentado na janela de seu quarto, o céu sempre estrelado. Não conseguia conciliar o sono, pensando nos acontecimentos recentes, principalmente no abraço terno que sua princesa havia lhe dado. Sabia que era um gesto movido pela inocência dela, mas a sensação que ele provocara, eram arrebatadoras.
"Zeus..."-suspirou sentando-se e escondendo o rosto entre as mãos.-"Não permita que isso aconteça ao meu coração. Sei que jamais esse sentimento será correspondido..."
"Por que não?"-perguntou Acis de repente atrás do amigo, assustando-o, e se colocando em pé, pronto para um ataque.-"Sou eu, abaixa a guarda."
"Acis. Queres me matar?"-Heitor disse irritado.-"E como entra assim em meu quarto?"
"A porta estava aberta. De quem falava?"-Acis ignorou o tom de ameaça e perguntou com a maior naturalidade.
"Do... do que fala?"
"Quem é a dama de que falava agora?"
"Nada... ninguém! Esta imaginando coisas!"-disfarçou.
"Seria Atalanta?"-arriscou-se.
"Não. Não se preocupe, não é Atalanta."-suspirou.
"Por que eu ficaria preocupado se fosse por Atalanta que estivesse apaixonado?"
"Não... não estou apaixonado. E todos sabem que você seria capaz de tudo por Atalanta."-mudou de assunto.
"Eu? De onde tirou tal idéia?"-chocado.
"Com coisa que ninguém mais percebeu isso."-falou Iolaus de repente, se intrometendo-"Esta caidinho por ela!"
"Não confunda as coisas! Eu amo todas as mulheres."-dizia Acis fazendo pose.-"E elas me amam."
"Eu podia passar essa noite sem ter essa imagem do Acis na minha mente."-comentou Iolaus, com uma cesta de frutas na mão.-"Aceitam?"
Heitor não respondeu... ainda tentava entender o que estava acontecendo em seu quarto.
"Do que falam?"-Jasão apareceu na porta, com as mãos no bolso.-"Reunião entre amigos e ao me chamam."
"De nada. E esta na hora de crianças estarem dormindo."-disse-lhe Acis com um sorriso debochado.
"Sou o mais jovem do grupo... MAS NÃO SOU CRIANCA!"-ameaçou Jasão.
"Falávamos do amor não declaro do Acis pela Atalanta."-respondeu Iolaus, mordendo em seguida uma maçã.
"Pela Atalanta? Ela é muito nervosinha."-comentou Jasão.
"EU NÃO ESTOU APAIXONADO PELA ATALANTA!"-desta vez Acis gritou.
"Parem com essa barulheira!"-pedia Shiva entrando no quarto.-"Conseguiram perturbar minha meditação. Essa discussão com certeza estará chegando nos aposentos de Sua Majestade."
"Falávamos do namoro do Acis e da Atalanta."-comentou Jasão.
"NÃO HÁ NAMORO!"
"Isso é muito bom!"-dizia Shiva com um sorriso.-"Atalanta é a mulher ideal para colocar-lhe no caminho da luz, meu amigo. Acredito que o Senhor Hades não ira se opor a uniões entre seus servos."
"Quantas vezes terei que dizer... Não...tenho...nada...com...Atalanta!"-Acis disse bem devagar, com raiva.
"Quem disse meu nome?"-perguntou Atalanta aparecendo.-"Queria que as crianças falassem mais baixo e me deixassem dormir."
"Falávamos de..."-começou a dizer Shiva.
"Não falávamos de nada!"-cortou Acis.
"Eu queria falar uma coisa."-disse Heitor em um tom calmo, longe do que realmente sentia.-"SAIAM DO MEU QUARTO!"
Todos foram "gentilmente" colocados para fora, e Heitor bateu a porta. Suspirou se apoiando nela, e começou a rir. Somente eles conseguiam faze-lo rir de maneira tão espontânea.
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Nos aposentos reais...
Hades estava deitado em sua cama, admirando sua bela esposa pentear os longos cabelos negros com cuidado. Apreciar cada gesto de sua esposa era algo que lhe dava enorme prazer. Notou curioso que ela agora perfumava seu corpo com óleos aromáticos, e se levantou com um movimento sensual e caminhou devagar até o leito, olhando fixamente para o deus.
"Esta mais encantadora do que nunca, meu amor."-o deus estende sua mão, pegando a de sua esposa e beijando-a ternamente.-"O que fiz para merecer esposa tão bela?"
"Bem... É um marido carinhoso, um pai amoroso... e um rei que mesmo não querendo demonstrar, bondoso..."-começou a dizer, tocando o tórax de seu esposo, afastando um pouco a túnica dele. -"E soube que poupou a vida de Atalanta hoje."
"Ephemeron a poupou. Eu a teria castigado por seu erro e..."-calou-se quando a deusa pousou seus dedos nos lábios do marido, pedindo silencio.
"Não falaremos disso agora."-e inclinou-se dando-lhe um beijo suave.
"Sim... não falaremos disso."-e a segurou pela nuca, exigindo mais. Depois começou a beijar o pescoço e o colo da sua esposa.
"Hades..."-a rainha disse o nome do marido, que ainda continuava a beijar-lhe o pescoço, afastando-o um pouco. -"Ha algo que gostaria de conversar agora."
"Agora?"-ele a encarou.
"Sobre nossa filha."
"Ephemeron? Algo de errado com ela?"-ficou imensamente preocupado.
"Hades... o que aconteceu hoje não foi culpa de Atalanta, ou de qualquer um em seu reino. Nossa filha tem uma curiosidade nata em relação ao mundo dos homens e acho que... bem..."-procurando as palavras certas. -"Alguns dias na Terra conhecendo-a não será assim, tão ruim."
"Não."-respondeu simplesmente.
"Como não?"-espantou-se.
"Ephemeron não irá ao mundo dos homens."
"Hades..."
"Para quê? Aqui ela não tem tudo que precisa?"-levantou-se da cama.-"E não deixarei minha criança se expor aquele mundo...sujo!"
"Ela é uma adolescente se não reparou."-Cora colocou as mãos na cintura e o encarou.-"E como toda adolescente, quer ter suas próprias experiências de vida."
"Não quero ouvir isso."
"Ter amigos...se divertir..."
"Cora, não continue!"
"E Atena aceitará recepcioná-la. Não conheço ninguém mais a quem confiaria nossa filha nesta viagem de aprendizagem."
"ATENA?"-gritou, e olhou para os lados. -"Acha que permitiria que nossa filha seja influenciada por aquela...deusa rebelde!"
"HADES!"-disse irritada.-"Não seja...infantil!"
"Sou o Imperador do Mundo dos Mortos! Não sou infantil!"-indignado. -"E sou..."
"Um pai preocupado demais."-ela suspirou. -"Acha que também não tenho medo? Faz tão pouco tempo que estamos os três juntos... como uma família de verdade. Tenho medo, quero mantê-la sempre ao meu lado, compensar todos esses séculos que fomos separadas. Mas não posso impedi-la de ter uma vida. Nenhum de nós pode."
"Cora..."-Hades tinha que admitir que ela estava certa.-"Então permitirei, desde que sua Guarda a acompanhe."
"Hades!"-Cora não se conteve e saltou para os braços do marido, beijando-o em seguida.
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No mundo dos vivos...
A noite caia serena pelo Santuário Grego. Nada se ouvia além dos pios dos pássaros noturnos. Na décima terceira casa, morada do mestre e refúgio da deusa Athena, a escuridão noturna só era dissipada pela luz emanada das tochas que guarneciam o corredor principal que dava acesso a Sala do Grande Mestre.
Mesmo assim, o recinto oferecia sombras. E foi numa dessas pequenas frestas de escuridão, que uma imagem começou a tomar forma, se moldando em um ser humano que se escondia em um manto negro. Esse curioso personagem começou a se locomover, como se flutuasse em direção aos aposentos reais, onde Saori Kido, a última reencarnação da deusa da guerra, descansava.
Aos pés da grande porta de ébano que dava acesso ao quarto onde Saori estava, o espectro deixou um pequeno rolo de pergaminho, lacrado com o selo real do deus dos mortos.
Da mesma forma que aparecera, o fantasma desapareceu, não sendo percebido por ninguém, a não ser a própria Athena que ao sair do quarto a fim de ver quem era a sombra que pairava por debaixo da porta, acabou se deparando com o pergaminho. Ao ler o seu conteúdo, a deusa não deixou de sorrir.
"Será uma honra."
Continua...
...x...x...x...
Notas das autoras (é papo furado mesmo!):
Julichan: Mais uma fic! \o/
Arthemisys: Sim! \o/
Julichan: E essa fic é especial, não é, Themys?
Arthemisys: Sim! Afinal, se trata da continuação da fanfic "O Mito do Amor Eterno"! \o/
Repentinamente, alguém sai das sombras e agarra Arthemisys.
Arthemisys: Aiii! Socorro, Juli! Um tarado!
Juli.chan: Ahn? O.o
Acis: Calma Themys! Sou eu, o Acis. D
Arthemisys: ¬.¬
Julichan: u.u Acho que a paz em nossas vidas acabou agora, Themys.
Arthemisys: Acis, pare de me agarrar ou eu chamo o Ikki! Ò.ó
Acis: Ikki? Isso é de comer? O.o
Arthemisys: O.O
Julichan: u.u Até o próximo capítulo, gente.
Acreditem, isso continuará também! XD!
