Quarter Quell

The bow, the bread and the snare.

Capitulo 1

Peeta's

Eu desço da Aldeia dos Vitoriosos para o Prego, paro em frente a minha antiga casa e apenas observo seus traços. Os vidros da vitrine estão sujos e por dentro um papel áspero decora-o, impedindo a viso de boa parte do interior do recinto. O térreo do prédio é a antiga padaria de meus pais e o piso superior minha casa. Quase todas as construções do Prego tinham essa arquitetura e utilidade. E quando venci, - vencemos, - os Jogos Vorazes, forcei meus pais a irem morar comigo. Interessante como minha mãe me surpreendeu com a maneira que me recebeu de volta, toda gentil e compreensiva.

O sol estava a pino, certamente já era quase meio-dia. Enxugo algumas gotas de suor da testa e seco a mão na camisa. É Julho e o clima nessa época do ano é quase insuportável. Alguns meses atrás, neste mesmo período, eu e minha família íamos para um pequeno riacho quase no fim dos limites do distrito 12. Eram dias quentes como este, mas não tão maravilhosos, e eu praticamente não percebia os problemas que nos cercavam. Porém, agora, morando na Aldeia dos vitoriosos é que impossível irmos para lá, ainda mais com a grande leva de Pacificadores que chegam diariamente. Por isso, sempre que posso – e isso tem acontecido com frequência – venho visitar antigo edifício.

Na lateral da casa, onde dava para uma esquina barrenta, havia uma janela que, pelo que eu lembrava, estava sempre destrancada. E eu não estava enganado. Levanto-a e entro. O parapeito está coberto por uma grossa camada de poeira e trigo, assim como quase todos os objetos do recinto. Uma pequena fita de luz atravessa a fresta da madeira, iluminando a poeira que vez ou outra se agita no ar. O ambiente está abafado, quase claustrofóbico. Eu examino as prateleiras onde ficavam os majestosos bolos decorados; Hoje em dia eu sei o gosto que realmente tem, e não o sabor rançoso que era obrigado a sentir. Isso me faz recordar dos jogos... Ninguém sabe, mas assim que as câmeras me deixaram a sós, eu desatei a chorar. Chorei pelo medo, pela dor, por Katniss, pelos outros tributos que morreram e que eu mesmo matei. Ser diferente, eu dizia. Que ingênuo, que petulância! E agora que estava em meu antigo lar, não pude evitar deixar duas ou três lágrimas escaparem.

Eu saio da loja pela mesma janela que entrei e vou para o quintal dos fundos. Eu subo as pequenas escadas, observando a varanda e o que há a sua volta. Outras memórias se alojam em meu cérebro e, novamente, todos tem haver com Katniss. Desta vez, nós estamos naquele quintal, porém chovia e, embaixo de pingos grossos, estava Katniss encolhida, magricela, encharcada e imunda. A imagem pisca em minha mente como uma placa luminosa, vários flashbacks me atormentam. O pão. O pão queimado. O tabefe. Os porcos. As lágrimas de Katniss. A surpresa. O rubor. A fuga... Eu tombo e fecho os olhos, me recuperando da tontura. Só eu sei como sinto falta dela. Falta do que tínhamos nos jogos. Ou o que achei que tínhamos. De repente parecia uma boa ideia ficar pra sempre sendo torturado se ela estivesse lá para cuidar de mim e me beijar.

Entretanto, depois do anuncio de noivado planejado, houve a confusão com Gale na praça, quando Katniss preferiu Gale e confirmou seu amor por ele. Agora eu já havia perdido as esperanças por completo e estava mais desolado do que quando fui anunciado para a colheita. Mal consigo olhar para ela sem me sentir horrível. Sem me sentir rejeitado e indesejável. As gravações e cenas para a capital tem sido o pior de tudo, nem posso compreender como tive tanta força de vontade e cinismo para continuar levando essa farsa nos ombros.

Estou chegando à praça e logo avisto Katniss com seus cabelos em trança única e suas roupas de caça. Ela deixa uma trilha de varetas e alguns objetos para que ele a siga. Repuxo os lábios e sinto o estomago embrulhar. A cabeça ferve e o ciúme é a chama que me atormenta. Maldita garota em chamas. Conquistador? Esse é ele, não eu. Recosto-me a uma árvore e aguardo; aguardo por longos minutos e quase não noto sua passagem, com o rosto carrancudo e ombros curvados. Sem pensar duas vezes, vou atrás dele, mantendo uma razoável distancia ao me lembrar do que Katniss disse sobre como faço barulho com os pés.

Provavelmente Gale está muito zangado ou concentrado, pois eu estou ciente de que continuo fazendo um barulho bem audível, enquanto ando pela silenciosa floresta. Eu o acompanho as cegas, já que não saberei encontra o caminho de volta.

Meia hora depois, avisto um pequeno lago com patos e vejo flores conhecidas. Katniss. Eu as conhecia por causa dos jogos, quando Katniss me apresentou-as. Gale entra em uma casinha de... Cimento! Fico exaurido com isso! Ciumento? Fora da Capital ou de construções pertencentes a Capital? Isso deve estar ai desde antes da própria Panem. Incrível!

A casa não tinha janela, apenas uma porta e uma chaminé de onde uma fumaça preta saia, dissipando-se no céu nebuloso. Por trás de um grande arbusto me escondo e fico observando silenciosamente os dois, sentados em uma mesinha de madeira tosca, conversando. Katniss toca as mãos de Gale, mas ele se afasta. As mãos dela tremem e ela começa a falar outra vez, mas Gale retruca. Percebo o ponto exato em que ela se exalta com seja lá o que ele disse, pelas suas feições irritadas. Gale se levanta e a cadeira cai bruscamente no chão. Ela se levanta também e grita com ele. Desta vez eu consigo escuta-la dizer: "Não vou deixar Peeta para trás."

Por um momento tudo o que faço é sorrir. Será? Retorço-me em pensamentos belos e confusos, Seria verdade o que ela disse? Será que isso significava o que eu penso que significa? Não há mais momentos para devaneios, porque Gale acaba de deixar o pequeno quartinho e Katniss está sozinha, jogada sobre a mesa, aos prantos. Então, vou até ela.