N/A: Essa fic é a continuação de "O lado negro da lua", que você encontra na página do meu perfil. A leitura dela é essencial para entender a história que se segue. Mas relembrando o básico: a fic se passa em um universo alternativo onde Sirius Black estudou na Sonserina, e contém slash (relação homemxhomem).
Ela foi feita para o I Challenge Universo Alternativo do fórum Grimmauld Place e o trecho inicial de música, de The GazettE, é o tema que eu escolhi para a história. Para maiores informações sobre os itens utilizados, entrem em contato.
No mais, enjoy yourself e não se esqueça de deixar um comentário com sua opinião!
Heróis fantasmas, almas perdidas.
o quão mais é você; que se tornou nada.
mais machucado do que eu, que fui deixado para trás.
mesmo que nada tenha começado
mesmo que eu ainda não tenha dito essas palavras à você
em algum lugar.
Havia algo de sufocante no calor de fim de tarde. A ausência do vento e o ar quente invadindo suas narinas o faziam andar pelas ruas do Beco Diagonal com a inegável sensação de que não respirava propriamente. As paredes de pedra ao longo das quais ele fazia seu caminho se alongavam, causando-lhe uma inexplicável claustrofobia. A escuridão crescente não parecia suficientemente segura.
Era sempre assim. Três anos já o separavam dos tempos despreocupados e amparados em Hogwarts. Cada passo dado nas ruas do mundo mágico, agora, trazia à tona as incertezas e os perigos do tempo atual.
Remus Lupin virou uma esquina para entrar numa rua onde o ar parecia ainda mais pesado e ruídos irreconhecíveis crepitavam a cada passo. A Travessa do Tranco era hoje, curiosamente, o único lugar onde ainda restava algum tipo de honestidade entre os bruxos. Ao contrário da suspeita e dúvida com a qual era preciso conviver no resto do mundo mágico, adentrar aquelas ruas estreitas e escuras era ter certeza do domínio dos bruxos das trevas. Antes um lugar proibido e suspeito, a Travessa tornou-se um espaço aberto e reservado para as Artes das Trevas – uma espécie de zona livre para comensais da morte, onde aqueles que não compartilhassem seus interesses já não ousavam mais entrar.
Tamanho era o poder de Lord Voldemort. Nem mesmo seus inimigos declarados eram capazes de avançar num território conhecidamente negro. Remus sabia que a guerra estava alcançando um ponto em que os papéis se invertiam: partidários da Ordem de Fênix passavam a se esconder, enquanto comensais da morte bebiam tranqüilamente em um pub sombrio e sujo, em plena Londres bruxa.
Remus era capaz de visualizar a perturbadora e sinistra mudança social, de longe. O barulho dos passos secos e rápidos nas calçadas de pedra da Travessa do Tranco o lembravam do seu conhecido papel de expectador. Uma espécie culpada de conforto dividia espaço com sua angústia toda vez que lembrava dos amigos da época de Hogwarts. Era perturbador, mas seguro.
Mas esse dificilmente era o momento de reminiscências. Ainda que seu passado em Hogwarts estivesse próximo de encontrá-lo – mesmo apenas uma pequena parte dele -, suas memórias de alguns anos atrás dificilmente traziam à tona sentimentos saudáveis.
- Pensei que não fosse vir hoje, Lupin.
Severus Snape o esperava no lugar de sempre: à sombra da marquise de uma antiga loja de ingredientes de poções, agora abandonada. Remus não retirou o capuz grosso e cumprido nem mesmo sob a proteção da escuridão.
- Tive que desviar de um de seus colegas de trabalho por três quarteirões, Snape – Remus respondeu, já tirando um pequeno saco de veludo do bolso. Não gostava de prolongar seus encontros com o comensal, mas a periodicidade com que eles ocorriam havia criado uma rotina inevitável. - Ele pareceu incrivelmente interessado em mim.
- Você sabe como seria uma boa aquisição ao grupo de lobisomens. Culpe Fenrir Greyback e sua lealdade ao Lorde das Trevas – os lábios finos de Snape formaram um meio sorriso sutil. – Mas você já deve fazer isso o suficiente.
- Onde está a poção? – Remus ignorou o comentário, assim como as imagens assombrosas que surgiram em sua mente. Snape o encarou por alguns segundos antes de tirar do bolso da capa uma pequena garrafa de vidro cheia de um líquido azul.
A poção Mata-cão era uma das descobertas mais recentes do mundo bruxo. Apenas alguns meses atrás Gaspard Schingleton, um célebre produtor de Poções, havia divulgado um esboço de sua "invenção" ao resto dos bruxos, em parte com a esperança de conter a aproximação de um grande número de lobisomens aos comensais da morte. Era uma poção experimental, mas Severus Snape já a produzia com maestria. Ainda que Remus sentisse que havia espaço para aperfeiçoamento – o que ele não ousava tentar, dado seu talento ínfimo para poções -, suas transformações já eram indescritivelmente melhores. Beiravam o suportável, comparadas às não tão distantes memórias de alguns meses atrás.
Remus pegou o frasco e entregou, em troca, o pequeno saco cheio de galeões. O dinheiro era conseguido com certa dificuldade, uma vez que haviam poucas pessoas dispostas a empregar lobisomens – nos dias atuais, principalmente -, mas ele acabava sempre conseguindo um jeito de garantir a quantia todos os meses. A dor das transformações ainda estava muito viva em sua pele para ele considerar voltar a vivê-las.
Além do mais, não era o ouro o que ele mais hesitava em dar. Pagamento mais difícil e complicado era dar lugar a tudo o que ele sentia quando se forçava a ir a Travessa do Tranco, todos os meses, encontrar-se com um partidário das trevas. Ouvir os comentários repletos de verdades cruéis sobre os comensais e a guerra era uma distorção perturbadora da rotina de neutralidade inquieta de Remus.
Saber o que o líder lobisomem Fenrir Greyback tramava era especialmente incômodo. Essa havia sido a razão de Snape procurá-lo em primeiro lugar: um convite nada lisonjeiro para participar do exército de lobisomens sanguinários que obedecia ao Lorde das Trevas. A receita para a poção Mata-cão havia acabado de ser divulgada e Remus sabia que somente um mestre de poção tão talentoso quanto Snape poderia produzi-la. Não foi difícil convencê-lo a aceitar o trato; o ouro era certamente bem-vindo e Snape parecia ter um interesse especial por informações que Remus costumava possuir.
- Como estão os Potter? – Snape nunca conseguia disfarçar a ironia e a má-vontade em sua voz, mas Remus não o contestava. Sabia que Snape e Lily haviam sido vizinhos e, pelo que a amiga já tinha comentado, bons amigos. Quadro que pareceu ter mudado rapidamente quando ela começou a namorar James, no início do sexto ano de Hogwarts.
- Eu não tenho ouvido muito deles – Remus respondeu, sincero. Ainda que achasse que Snape preferiria ouvir outra coisa, não conseguia se obrigar a mentir. – Acho que eles estão tendo ainda mais cautela. Principalmente por causa de Harry…
Snape soltou um grunhido de irritação, impaciente. Remus sabia que o filho de James e Lily não era seu assunto preferido. Ele voltou a se dirigir ao lobisomem, no entanto, com a voz séria.
- Eu avisaria a eles para tomarem cuidado. Eu não sei ainda… mas acho que podem estar em perigo.
- Você-sabe-quem está planejando algo? – Remus exclamou, assustado. James e Lily já haviam enfrentado o bruxo das trevas anteriormente, mas em meio a batalhas, junto aos outros membros da Ordem de Fênix.
- Eu não sei – Snape se remexeu impaciente, e ergueu a varinha, se preparando para aparatar. - Só diga a Lily que… tome cuidado.
Remus abriu a boca para protestar e conseguir mais informações, mas após um instante Snape havia desaparecido com um estalo. O lobisomem se viu novamente sozinho no beco deserto, envolvido pelo silêncio esporadicamente interrompido por uma risada alta demais, vinda dos bares do final da Travessa.
O lobisomem caminhou até o final da rua, em direção às luzes já não mais tão tranqüilizantes do Beco Diagonal. Não gostava de fazer magia nas ruas nos dias atuais, e evitava ao máximo quando estava na Travessa do Tranco.
Estava quase na esquina com o Beco, o rosto encoberto pelo espesso capuz, tentando passar despercebido pela frente dos bares cheios, quando ouviu um barulho alto vindo do lugar escuro onde estivera com Snape. Alguns pedaços de madeira velha que estavam encostados na loja abandonada se encontravam agora caídos no chão, e Remus pôde distinguir o movimento de um vulto.
Dividido, Remus considerou se afastar o mais rápido possível e aparatar para casa. Poderia ser o comensal que o seguira algumas horas antes. Mas, ao mesmo tempo, imaginou poder ser Snape de volta, e foi tomado pela necessidade de saber mais sobre seu alerta a James e Lily.
Cauteloso para não fazer barulho, caminhou até a marquise em que conversara com o comensal, seguindo os ruídos que conseguia distinguir através do silêncio pesado da noite que havia acabado de chegar. Ocultando-se atrás de uma pilastra do outro lado da travessa, Remus forçou os olhos para identificar o que se movia na escuridão.
Um vulto alto e negro analisava alguma coisa na calçada oposta, até diminuir de tamanho e desaparecer nas sombras. Não era, afinal, Snape ou o outro comensal. Remus teve certeza imediatamente, ao ver um par de olhos cinzentos o encarar do meio da escuridão, até desaparecerem pelos fundos da Travessa do Tranco.
Anos haviam se passado. Mas Remus reconheceria aquele cachorro preto em qualquer lugar.
xxx
