Prólogo
A voz
Levantei-me com minha irmã, Ino, fazendo o favor de me tirar da cama antes que eu me atrasasse. Não é fácil trabalharem um Teatro: ensaio o dia inteiro, apresentação todas as noites, você chega em casa tarde e exausta para começar tudo no dia seguinte. Mas ninguém disse que seria fácil quando eu decidi tomar este rumo para minha vida, então, não tenho do que reclamar. Ainda assim tinha todo o apoio da minha família então, deixa quieto né.
Tomei um banho elado para despertar, vesti uma calça pantalona preta e uma camiseta rosa. Calcei sapatilhas de ballet, pois cantar não era a minha única função lá e eu queria ficar confortável pelo dia.
Como já de costume, desci as escadas correndo, passei direto pela mesa do café, berrei um "Tchau, pai, tchau mãe, tchau Ino.", peguei minha bolsa do lado da porta e saí.
Parei apenas para comprar um Latte que fui engolindo pelo caminho. Tudo bem que leite não faz nem um pouco bem para a voz de manhã, mas eu não consigo ficar sem, então tomo o meu café da manhã normal e mastigo uma pastilha de gengibre por cima. Pronto, tudo resolvido.
Cheguei no Conservatório em cima da hora: o grupo estava começando a se reunir no palco.
- Em cima da hora hein Sakura? – disse Hinata, minha amiga. Cabelos longos e preto-azulados, olhos tão acinzentados que muitas vezes pareciam brancos, como agora, e usava uma roupa idêntica à minha, a diferença era a cor da camiseta: azul. Ela era noiva do Naruto, um loiro dos olhos azuis que sempre estava de laranja e preto e que trabalhava com a gente. Ele já teve um paixonitezinha por mim, mas nada de mais. Eu sou a única encalhada agora.
- Pois é. – e é perfeitamente compreensível: quem vai querer uma garota de cabelos curtos e cor-de-rosa? É, cor-de-rosa. Olhos verdes, nem um pouco de peito ou bunda, ao contrário de Hinata, e NERD. Sério, eu devia ter estudado algo mais complexo, tipo advocacia, a minha mente permitia! Mas eu amo cantar, então, fiquei por aqui.
- Muito bem grupo! – começou a nossa regente, Kurenai. Uma moça de longos cabelos pretos e ondulados, olhos castanhos meio avermelhados, quase vermelhos mesmo, e um vestido branco com uma calça leg vermelha por baixo. – Vamos aquecer.
Aquecimento de voz: saco. Aquecimento do corpo: saco. Exercícios de expressão: saco, saco e saco. Enfim, o começo de toda aula é um saco, só fica legal quando começamos a passar a peça. Atualmente estávamos trabalhandoem Mamma o papel principal, eu fazia a mãe maluquinha dela, a Donna. Ensaiamos mais as músicas do que a peça propriamente dita hoje. Sem dúvidas a que eu gosto mais é Dancing Queen, eu canto com duas outras meninas. A coreografia é muito divertida, sem falar na letra.
Depois do ensaio das músicas, passamos uma cena da peça pois foi tudo o que deu tempo e todos começaram a ir embora.
Foi aí que o meu pesadelo começou.
É óbvio que estava tudo armado por ele, mas eu não sabia na hora então caí feito uma patinha. Enquanto todos arrumavam suas coisas para ir embora eu dei falta da minha bolsa.
- Alguém aí viu uma bolsa grande e vermelha? – perguntei.
- Eu vi, mas só no começo da aula. – algum retardado berrou.
Eu a procurei por todo o teatro, debaixo de todas as fileiras de cadeiras, nas coxias, no palco, até nos camarins e camarotes, e nada.
- Sakura, temos que fechar. – disse Kurenai. Todos tinham ido embora menos eu.
Até que eu vi minha bolsa: no fundo de um corredor, largada no chão. Longe. Caminhei até ela durante uns bons minutos, mas o estranho é que ela estava simplesmente colocada no chão, no fundo do corredor, como se tivesse sido colocada ali propositalmente. E mais estranho ainda: quanto mais eu andava até ela, mais distante ela parecia.
Essa situação se estendeu por um bom tempo, até eu conseguir pegá-la. Estranho, sem dúvidas, mas deixei quieto. A coloquei no ombro e fui voltando até o palco, mas quando cheguei lá...
- Só pode ser piada...
As luzes estavam apagadas, as portas do fundo fechadas. Eu corri até a da direita e pus a mão na maçaneta, nervosa.
Nada, trancada. Fui até a entrada do outro lado: trancada também.
Ok, Sakura, respira, está tudo bem. Está tudo bem.
Voltei até o palco e tentei todas as saídas que eu conhecia: de serviço, dos fundinhos, até mesmo as janelas, mas eram todas altas demais.
Fui obrigada por fim, a concluir que estava presa no teatro. E sozinha.
Bem, pelo menos não tenho que acordar cedo para vir para o trabalho amanhã, já estarei aqui. Assentei-me então no meio do palco e abri a bolsa, à procura do celular.
Legal, sem bateria. Estranho, achei que estava quase cheia de manhã.
Levantei-me devagar então e fui até o camarim próximo, que eu sabia ter uma cama muito boa. Me arrastei até lá e...
Trancada.
Foi aí que eu comecei a me desesperar: nunca trancavam os camarins, só as entradas e saídas do teatro. Não era como se eu tivesse ficado presa ali por pura lerdeza minha: alguém me queria lá dentro. E no palco, pois era o único lugar acessível: o palco e as cadeiras da platéia.
Antes dormir deitada no chão do que assentada. Voltei lentamente para o palco e me aninhei ali no chão mesmo, bem no meio. Fechei os olhos.
Percebi rapidamente que não ia ser tão fácil assim dormir, pois o chão do palco era muito duro e muito frio.
Mas que saco! Quem me prendeu aqui? Por quê?
Me concentrei em relaxar para tentar dormir, esvaziei a mente...
O que mais me deu raiva foi que eu estava quase dormindo, quase mesmo, quando os holofotes do palco se acenderam, e uma fonte de luz foi enfiada bem no meio da minha cara. Ah, tenha dó, quem é que dorme assim?
E pior. Se as luzes acenderam, tem alguém em algum lugar. Agora eu estou realmente assustada: Porque alguém me prenderia no teatro, à noite, e iria querer me manter acordada no meio do palco? Me enchi de coragem, respirei fundo e disse:
- Quem está aí? Responda!
Nada. Agora que eu já tinha começado a chamar, também não tinha tanto medo assim. Me pus de pé e comecei a olhar em volta, mas não via nada, nem ninguém. Mas não desisti:
- Tem alguém aí? Apareça! Apareça logo!
Nada. Entrei nas coxias, e fui até o sistema de iluminação, mas também não vi ninguém em lugar algum. Voltei ao palco e respirei fundo. Tentei pensar positivo: se alguém quisesse fazer alguma coisa comigo já teria feito, certo?
Eu já estava desistindo de procurar quando ouvi uma voz. Uma voz de homem, máscula, forte, e ao mesmo tempo grave e melodiosa. Ela parecia soar de todos os lugares, não tinha como saber de onde vinha, mas eu senti que não tinha más intenções, mesmo me conhecendo e sabendo meu nome:
- Haruno Sakura... Finalmente consigo falar com você. Planejei esse momento há muito tempo, sabia?
- Quem é você? Foi você que me prendeu aqui? Me deixe sair!
- Péssimo começo... Não podemos apenas conversar?
- Não! Não vou ficar aqui falando com uma voz, eu quero sair!
- Acalme-se, você pode sair, só quero um favor antes.
- Eu...
- Cante uma música comigo. Só isso.
- O que? Você é louco? Me deixe ir embora!
- Não. Só depois que cantar comigo.
- Não vou ficar aqui sozinha no meio do palco cantando com uma voz do além! Aliás, eu estou discutindo com essa voz, devo ter pirado. Ou estou sonhando. Quer saber? Não canto. Durmo aqui mas não canto.
- Então tenha bons sonhos... Se conseguir dormir.
E a bateria começou a tocar. Sozinha.
Uma bateria está tocando sozinha, obviamente para eu não conseguir dormir. Acho que estou com vertigem, começou a rodar tudo à minha volta. Me assentei no palco e respirei fundo.
- Você está bem? – a voz perguntou.
- Se estou bem? É claro que não estou bem! Estou conversando com uma voz que quer que eu cante com ela, e instrumentos começam a tocar sozinhos e... Já sei! Estou sonhando, não é? Ah, como não pensei nisso antes! Logo vou acordar!
- Anh... Sakura, eu sou real!
- Inclusive, você sabe meu nome, mas eu não sei o seu! Pode me dizer?
- Não sou apenas uma voz? Que importância isso tem?
- Por quê? É de alguém que eu conheço, por acaso?
- Você acha?
- Me lembra o Naruto... Mas ele não tem inteligência o bastante para tudo isso. Então, vai me dizer seu nome ou não?
- Não.
- Então não canto.
- Então fica presa aqui.
- Ótimo.
- Ótimo.
E o silêncio. Parabéns Haruno Sakura, pirou de vez. Acabou de discutir e fazer pirraça com uma voz do alem que só quer cantar uma música. Cara, mereço?
- Voz? – chamei indecisa.
- Pois não.
- Não quero ficar te chamando de voz.
- Então me arrume um apelido.
- Vou te chamar de Fantasma.
- Mas eu estou vivo!
- Mas é uma voz do além! Não discuta comigo, Fantasma.
- Então vou te chamar de Princesinha Esmeralda. Você vai gostar?
- Depende, se for no sentido pejorativo, é claro que não.
- Pois é no sentido de irritante, mimada e nojentinha.
- Ora seu...
- Olha lá o que diz! Fui eu quem fez a bateria se mexer, eu sei fazer coisas bem interessantes viu?
- Ah, claro, estou morrendo de medo da voz do além. Aliás, Fantasma.
Nisso os pratos da bateria se desprenderam do instrumento e começaram a voar em minha direção, como lâminas afiadas. Eu fiquei estática,em choque. Nãoconseguia me mover, apenas aguardar o choque...
Mas não aconteceu. Os pratos pararam a milímetros do meu nariz. E o Fantasma disse:
- Não gosto quando zombam de mim.
- Percebe-se. Por algum acaso você é traumatizado?
- Mais ou menos.
Os pratos voltaram para a bateria me deixando mais aliviada.
- Vai cantar a música comigo ou não?
- Canto, fazer o que. Preciso ir embora. – respondi, convencida e conformada. – O que devemos cantar?
- Não sei. Hm... Já que você fez o favor de me dar o apelido de Fantasma... Talvez seja interessante.
- O que?
- Preste atenção, a primeira estrofe é sua.
E começou a soar "Phantom Of The Opera" do piano, mesmo sem ninguém o tocar. É piada né? Eu o chamo de fantasma e ele quer cantar uma música do musical O Fantasma da Ópera? Bem, fazer o que? Ou isso, ou não saio daqui tão cedo.
Phantom Of The Opera - Nightwish
[PrincesinhaEsmeralda:]
In sleep he sang to me, in dreams he came,
That voice which calls to me,
And speaks my name.
And do I dream again? For now I find
The phantom of the opera is here
Inside my mind.
[Fantasma:]
Sing once again with me our strange duet;
My power over you grows stronger yet.
I know you turn from me to glance behind,
The phantom of the opera is there
Inside your mind.
[PrincesinhaEsmeralda:]
Those who have seen your face
Draw back in fear.
I am the mask you wear,
[Fantasma:]
It's me they hear.
[PrincesinhaEsmeralda& Fantasma:]
Your spirit and my voice in one combined;
The phantom of the opera is here
Inside my (your) mind.
[Fantasma:]
In all your fantasies, you always knew
That man and mystery
[PrincesinhaEsmeralda:]
Were both in you.
[PrincesinhaEsmeralda& Fantasma:]
And in this labyrinth where night is blind,
The Phantom of the opera is here
Inside my (your) mind.
[Fantasma:]
Sing, my angel of music!
E assim que a música terminou, eu vi minha mente tomada pelas mais variadas reflexões:
A primeira delas: Eu acabei de cantar com uma voz do além.
Segunda: A voz do além canta bem. Muito bem.
Terceira: O timbre das nossas vozes combinou de uma forma que eu nunca vi em toda a minha vida.
Quarta: Foi muito legal cantar com o Fantasma.
Quinta: Me senti absurdamente bem cantando com ele, foi como se por um tempo eu me esquecesse do mundo lá fora, como se eu entrasse em uma outra dimensão onde só existíamos nós dois.
Sexta: Eu fiquei com um gostinho de quero muito mais. Me deu vontade de cantar de novo.
No entanto eu tenho orgulho próprio, então agora que já acabou a loucura vou embora, e fim.
- Fantasma, pode destrancar as portas agora?
- Você tem uma voz linda e canta muito bem. Sua voz é perfeita.
- Anh... Obrigada. Agora, me deixa ir?
- Sim. Mas você tem que voltar amanhã. Me prometa.
- Olha, foi muito interessante cantar com você, mas eu não posso ter o hábito de cantar com uma voz!
- Por favor... Volte!
- Eu... – não posso negar, era tentador. Sem falar que eu estava um pouco curiosa, queria saber mais sobre a tal voz misteriosa. E cantar com... Hm... Ele, foi bem legal. É, posso me referir a ele assim, pois agora está claro para mim que ele é uma pessoa e não um ser ou voz do além. Sei que ele está em algum lugar aqui no teatro, mas não vou sair procurando por ele, não quero que pense que estou interessada. Não mesmo. – Virei. Prometo. Agora, posso ir?
A porta do fundo se abriu. Eu ainda fiquei um tempo parada olhando em volta, como se esperasse que ele aparecesse em pessoa para se despedir de mim. Mas no fundo eu sabia que isso não ia acontecer, então simplesmente saí.
