Ele era iridescente.
Um espectro que implorara aos astros por um bloco de granito e ao Olimpo por duas esferas de ouro, ele era iridescente, surreal na sua mera presença, na sua mais consciente consciência. Ele era a mais incandescente alteração de moléculas, que, no seu fervor, haviam farejado as portas do Inferno, enquanto – ainda na inocente altura em que era aprendiz do falecido Sócrates, que na sua pura felicidade, afirmava apenas saber que nada sabia – as suas atormentadas esmeraldas fitavam o inexistente Éden, pedindo eterno perdão. Ele era iridescente – radiante gelo era o seu belo exterior, moldado com aço escaldado, que havia encontrado refúgio na integridade da sua pobre gorja.
Ele era sorridente.
Ele era a mais sorridente de todas as mentiras, a mais deliciosa de todas as falsidades. Ele era 'Sim, senhor' e 'Com todo o respeito, madame'. Ele era transcendente burocracia, à qual a Terra recorria a tremendos esforços para não aceitar, à qual a multidão, agregada na cátedra do juiz, torcia o nariz em desdenho. Ele era semblante altivo (busto paradigmático); ele era passos de felino que nunca deixa rasto.
Irreal anatomia erma no outro lado da sala.
Deixem-me em paz. Olhava o infinito; o infinito olhava-o. Os dois podiam ficar naquilo durante horas, batalhando por uma razão de ser, mas, no fim, nenhum a achava. E a multidão ria. A multidão zombeteava. O desumano miúdo de cabelos ruivos no outro lado da sala era mais um cliché, um mesquinho peixinho caído no ridículo que era a vivacidade do pensamento. Ele pensava. Eles desaprovavam. Eles desaprovavam, porque ele pensava. A ele tudo era dito e ele tudo ouvia.
Ruído negro. Imparável dissonância. Hologramas. Aparições. Pinturas de Dali. Calem-se, por favor, por amor de Deus, calem-se.
Ele era ardente.
Um borrão de cores quentes, uma labareda rebelde, oprimida pela sua armadura de diamantes, ele era as palavras de Shakespeare, a obra de um escultor helenístico, a tragédia da angústia de um adolescente. Enroscado no canto do seu abrigo, exalava brasas e inspirava devastadoras combustões, que lhe corroíam as entranhas, que lhe massacravam as veias. Ele era vergonha e tormento e pavor de perdição. Ele era a distância entre a espada cruel e a parede duradoura; ele era esse penedo em chamas, o peso que só ele podia carregar, a dor que só ele podia sentir. Ele era indecisão, a sua própria masmorra, a vontade avassaladora de extinguir o fogo na sua garganta, rivalizada pela querença inquestionável de preencher a cratera no seu coração. Ele era gemidos, soluços, gritos, suplicações, todos eles abafados por uma força quase metafísica.
Ele era ardente, por detrás da sua fachada iridescente.
Ele era exactamente isso e, na vastidão de negro que o envolvia, seria de esperar que ele se destacasse, que alguém o visse, que alguém o ouvisse.
Mas ele era invisível e ele era mudo e ele era nada.
E a gravidade fazia troça dele; a terra desaparecia debaixo dos seus pés, gargalhando na sua viagem de partida. E tudo o que restava era um imenso oceano, cuja superfície era translúcida e intocável. Tudo o que restava era um sítio desamparado, onde, ao invés de se queimar, ele teria de se afogar.
E, inevitavelmente, ele era um sobrevivente naquela desgraça permanente.
