Título: 40 Anos
Autora: Christine Annette Waters
Beta-reader: Ivinne
Classificação: Yaoi - Humor/Drama/Romance - PG-13
Ship: Ron/Draco
Resumo: Continuação de Ever Dream. Porque, às vezes, mesmo depois do final feliz, a vida não é sempre um mar de rosas. Parte 1/5.
Disclaimer: Nada me pertence. Se pertencesse, eu teria tido um ataque de nervos por estresse há muito mais tempo xD Harry Potter pertence a J.K. Rowling.
Avisos: Slash, mpreg... e um pouco de fluffy, porque eu sou humana, apesar de tudo :)
Nota: Para Honey, Loony e Beatriz, que gentilmente me aguentaram enquanto eu escrevia isso. Thank ya.

40 Anos

Parte I – Thomas

No início, existia apenas um silêncio profundo e tranqüilo que só era quebrado ocasionalmente por risos e, às vezes, uma voz irritada. Nos primeiros dias, ele ouviu muitas vozes e rostos diferentes que olhavam para ele no berço e o pegavam no colo. Ele não se sentia assustado, até porque passava a maior parte do tempo dormindo.

Depois de algum tempo, os rostos e vozes diferentes extinguiram-se, e Thomas ficou apenas com o silêncio novamente. Enquanto dormia, seus sonhos eram coloridos; sua mente tinha poucas lembranças. Quando acordava, ele não gostava do silêncio que o fizera dormir tanto. Ele olhava para o teto e ao redor, que nada mais era do que formas vagas e cheias de luz. Seus olhos azuis esbarravam nas coisinhas penduradas acima dele, pequenos brinquedinhos e bichinhos de pelúcia.

Eram os primeiros dias de uma existência simples.

Quando o silêncio finalmente se quebrava, seu pequeno coração acelerava-se e ele olhava para os lados, agitado, até ver alguém acima dele, apoiado no berço. Ele o pegava no colo e, sentado na cama, alimentava-o. Thomas gostava daquilo. Depois de esvaziar a mamadeira, ele era balançado de um lado para o outro suavemente, enquanto uma voz cantarolava algo. Enquanto o sono vinha, Thomas ouvia vagamente as batidas do coração dele. Aquele ritmo despertava lembranças nele, mas logo elas se dissolviam entre os sonhos coloridos. Thomas sabia que tinha uma ligação profunda com aquele homem de cabelos claros, mas não sabia o que era. Ainda faltava tempo até que ele entendesse a palavra pai.

Havia também o homem de cabelos vermelhos e pintinhas engraçadas no rosto. Ele também o alimentava e ninava, mas, quando encostava a cabeça no peito dele, Thomas não reconhecia as batidas do coração como acontecia com o homem loiro, mas reconhecia a voz e os risos, lembranças de antes de seu nascimento.

E assim o tempo foi passando. Ele começou a dormir menos e a acordar de repente no meio da noite, assustado com ruídos. Nessas ocasiões, ele ouvia muitos resmungos e frases como "Vai você agora", ditas num tom um pouco irritado. Ele crescia e rapidamente aprendeu a ficar sentado, o que pareceu deixar o homem ruivo muito feliz, porque ele o cobriu de beijos e começou a jogá-lo para o alto, fazendo Thomas rir até que o homem loiro chegasse e desse um berro fenomenal.

Depois, ele começou a engatinhar. Foi mais ou menos nessa época que uma mulher começou a cuidar dele. Ela era velha, tinha cabelos vermelhos salpicados de fios brancos e estava sempre rindo. Ela havia dito que era sua avó. Thomas gostava dela. Na casa dela, ele sempre tentava brincar com um garoto de cabelos muito pretos, mas ele era maior e nunca ria. Depois de algum tempo, Thomas se afastava e ia engatinhar até junto da mulher de cabelos vermelhos e brancos.

O tempo parecia passar depressa. Ele agora ficava bastante tempo com sua avó, e só via os pais (havia aprendido essa palavra há pouco tempo e a achava engraçada) de noite ou então de manhã bem cedo. Eles estavam agora apressados e angustiados, e toda vez que eles o deixavam com sua avó, seu pai de cabelos ruivos o puxava dos braços do loiro e o abraçava como se estivesse indo embora para sempre. Isso deixava Thomas assustado e nervoso, e sua avó agora ficava com ele no colo durante muito tempo, tentando acalmá-lo.

Ele ainda não tinha um ano, mas sabia que algo muito ruim estava para acontecer.

Naquele dia, Thomas só acordou quando já estavam chegando na casa de sua avó. O céu ainda estava escuro e fazia frio. Ele ouviu um rangido e depois a voz de sua avó. Estava agitada. Alguém pegou uma manta e o cobriu desajeitadamente, enquanto o ajeitava no colo.

Foi quando ele olhou no fundo daqueles olhos cinzentos e sentiu a pior sensação que experimentara até então: o simples e puro medo da morte.

O dono daqueles olhos tremia enquanto lhe dava um beijo na testa. Seu outro pai se adiantou e também o beijou e afagou seus cabelos. Em seguida, eles o passaram para os braços da avó e começaram a se afastar. Apavorado por aquela sensação, Thomas tentou dizer que eles não fossem embora, que ficassem com ele; mas, como ele ainda não sabia falar, tudo o que se ouviu foram alguns murmúrios infantis agoniados.

Seus pais desapareceram no ar. Thomas levou apenas alguns segundos para começar a chorar.


Thomas ficou durante muito tempo na casa da avó.

No início, ele chorava o dia inteiro. Queria os pais de volta. A avó tentava acalmá-lo com brinquedos e canções, mas ele só chorava ainda mais. Só melhorava quando a avó dava-lhe leite e ninava-o, balançando-o num ritmo que lembrava os pais e fazendo-o adormecer.

Mas, no dia seguinte, começava tudo de novo.

Com o passar do tempo, ele foi se acostumando à ausência e começou a chorar menos. Agora ele ficava na sala, quieto, junto com o garoto de cabelos bem pretos que sua avó chamava de David. Thomas ficava brincando com algum chocalho ou qualquer coisa que fizesse barulho, mas David ficava só parado olhando para ele. Depois de um tempo, cansava-se de fazer aquilo e levantava-se para ir quase correndo atrás da sua avó. Era então que Thomas largava o chocalho e ficava olhando para David, imaginando como ele conseguia fazer aquilo.

Mas só depois de umas seis ou sete repetições de cenas parecidas com essa que Thomas tentou se levantar e andar.

Depois de várias tentativas frustradas e quedas, ele conseguiu se levantar e se agarrar no sofá. Então, imitando David, ele movia suas perninhas e tentava se mover. Ele caiu muito no começo, mas depois de algumas semanas, já conseguia andar muito bem agarrado no sofá.

Ele começou, então, a tentar andar como David, sem a ajuda do sofá. Sua avó, contente, ajudava-o segurando-o enquanto ele dava passos indecisos, mas quando ela o soltava e dizia para ele andar sozinho, ele sempre tropeçava e ia parar no chão frio.

E os seus pais não voltavam. Thomas começava a se acostumar com a idéia vaga e nebulosa em sua mente de criança que dizia que eles não iriam voltar mais. Ele não pensava que eles tivessem morrido ou então que estivessem muito doentes. Achava que o haviam abandonado, e pensava o que teria feito para que os pais tivessem ido embora. Os choros recomeçaram, e ele dormia pouco à noite.

Numa manhã de rara trégua, ele estava andando sozinho agarrado no sofá. David havia ido embora uma semana antes, levado por um homem de cabelos escuros como ele e uma marca na testa. Agora ele não tinha mais os olhares vazios dele para observá-lo cair seguidas vezes.

Ele ouviu a voz de sua avó ao longe. Ele dizia coisas como "realmente, você não está muito bem", "não, vir pela lareira não, de forma alguma", "ele chorou muito" e "ah, sim, Thomas está na sala".

Ele estava tão concentrado em terminar o percurso agarrado no sofá que nem percebeu a menção ao seu nome. Foi andando devagar, segurando-se bem e deu a última volta na curva do sofá. Ergueu a cabeça para ver se alguém tinha visto a façanha.

O susto que levou quando viu os pais parados não muito longe dele foi tão grande que ele se desequilibrou e caiu sentado no chão.

Eles estavam diferentes. O loiro estava pálido e parecia fraco ao se apoiar no ruivo, que tinha uma mão enfaixada. Ambos tinham uma expressão de admiração no rosto e estavam sorrindo para ele. Sorrindo.

"Ele está andando?" – perguntou o de cabelos claros, como uma voz que parecia um sopro fraco.

"Por enquanto, só apoiado em alguma coisa" – respondeu sua avó, sorridente.

Ainda com a expressão admirada no rosto, o de cabelos vermelhos sacudiu a cabeça, murmurando algo como "não acredito que perdi isso". De repente, abaixou-se e colocou os joelhos no chão, erguendo as mãos para ele.

"Vem, Thomas."

Thomas olhou para os lados. Aqueles olhos cinzentos que haviam estado cheios de medo agora brilhavam como se ele estivesse achando aquilo engraçado. Um pouco atrás, sua avó o encorajava com seu sorriso.

Ele ergueu suas mãozinhas, agarrou o sofá e levantou-se. Olhou de novo para o pai de cabelos claros. Sentado numa cadeira, ele não desviara o olhar brilhante dele.

"Vem, Thomas, vem."

Ele deu alguns passos ainda agarrado no sofá e então olhou para o chão, o mesmo no qual tinha caído tantas vezes. Depois olhou para frente e seu pai com as mãos esticadas, chamando-o. Ele parecia contente, tão contente...

Ele largou o sofá e deu passos hesitantes e desajeitados em direção ao pai. Por uma vez, pensou que ia cair, mas a idéia de que seus pais não ficassem felizes com ele foi mais forte e ele se equilibrou de novo, terminando o pequeno percurso andando mais rápido, antes de cair nos braços do pai.

Os pais o abraçaram e encheram-no de beijos contentes e aliviados. Eles estavam juntos de novo, e Thomas estava feliz. Nada os separaria novamente.

Ele faria um ano dali a uma semana.


"Eu acho que Thomas está com ciúmes" – disse Draco de repente.

Ron levantou a cabeça e olhou para ele parecendo ter uma interrogação no meio da testa.

"Eu" – repetiu Draco, bem devagar, como se Ron fosse surdo – "acho que Thomas está com ciúmes."

"Com ciúmes de quê?"

"De quem seria mais adequado."

Ron parecia completamente perdido. Draco respirou fundo, ao mesmo tempo em que pensava como alguém tão obtuso e distraído pudesse ser auror.

Não conseguiu chegar a uma conclusão.

"Pensa um pouco, Ron. Quem foi que acabou de chegar e roubar o posto de Thomas como príncipe da casa?"

Ron franziu a testa enquanto pensava. Draco se esticou na cama e tentou relaxar. Aquilo iria demorar.

"Você acha..." – começou Ron, uns cinco minutos depois – "... que o Thomas está com ciúmes do... não, não, acho que não. O Victor é só um bebê!"

No meio deles, um menino de dez dias dormia profundamente sem nem perceber que era assunto da conversa.

"Por que não?" – perguntou Draco, virando-se para ele – "Thomas foi filho único durante quase sete anos. Agora, chegou um irmão que está monopolizando as atenções."

"Claro, porque ele é um bebê!"

"Então" – continuou Draco, ignorando o comentário de Ron – "ele perdeu o posto de príncipe. Está morto de ciúmes."

"Não, ele não está! Ele está sendo bem bonzinho, na verdade."

"Ron" – começou Draco, com um tom de voz impaciente de quem sabe que está certo e que não vai ceder – "qual foi o primeiro comentário que Thomas fez quando viu o irmão?"

"Ah, Draco, isso é irrelevante."

"Não, não é. Diga, qual foi?"

"Ele disse que ele era feio e esquisito" – cedeu Ron, irritado – "Mas isso não tem a menor importância! Victor tinha acabado de nascer e estava todo vermelho e encolhido. E Thomas é uma criança de seis anos!"

"E você lembra o que foi que ele fez quando você disse que ele era igualzinho quando nasceu?"

Ron ficou em silêncio.

"Você lembra?" – insistiu Draco.

"Sim. Ele fez cara feia e saiu batendo o pé."

"Então" – disse Draco, como se aquilo explicasse tudo.

Ron ficou em um silêncio amuado por algum tempo.

"Está bem" – falou de repente – "ele está com ciúmes."

"Que bom que você reconhece" – comentou Draco, calmamente – "E você sabe que a culpa disso é sua, não sabe?"

"O quê?"

"Você mimou Thomas desde que ele nasceu."

"Eu mimei Thomas?" – perguntou Ron, estupefato – "Não era eu que corria atrás dele nos parquinhos para ele não se machucar."

"Eu só fazia isso quando ele era muito pequeno" – defendeu-se Draco – "Mas você sempre deu tudo o que ele queria e agora ele está assim."

"Eu não mimei o Thomas" – afirmou Ron, com um certo tremor na voz.

Draco balançou a cabeça.

"Você já fez a besteira. Agora temos que tentar equilibrar as coisas. Não vai ser bom se eles crescerem se detestando."

Depois desse último comentário profético, voltou suas atenções para o ainda adormecido Victor.

"Eu não mimei o Thomas" – repetiu Ron para si mesmo – "Eu não mimei."

Draco não lhe deu atenção.


Thomas atravessou a barreira e não esperou os pais para continuar. Empurrando com certa dificuldade o carrinho com o seu malão, começou a andar em direção a plataforma lotada de gente.

"Thomas!" – berrou uma voz afobada.

Ele virou-se. Seus pais vinham correndo em direção a ele, carregando Victor junto.

"O que deu em você para sair correndo?" – perguntou Ron, parando para respirar melhor. O dia estava muito quente.

"São quase 11 horas" – justificou-se ele, olhando para os pés.

Olhou para Draco. Ele parecia irritado. Ficara a manhã inteira tentando apressá-los, em vão. Só para tirar Victor da cama ele demorara vinte minutos.

"Vamos logo" – disse ele, quase bufando, puxando Victor pela mão.

Alguns minutos depois, quando Thomas já estava devidamente instalado em uma cabine, Ron aproximou-se para fazer as últimas recomendações. Ele estava fazendo recomendações desde que a carta de Hogwarts tinha chegado.

"Thomas" – começou ele, nervoso – "por favor, não faça nenhuma besteira."

"Tá, pai." – concordou Thomas, enfastiado com essa conversa repetitiva.

"Seja legal com seus coleguinhas."

"Tá, pai."

"Faça seus deveres."

"Vou fazer."

"Escreva toda semana."

"Tá."

"E" – acrescentou Draco, surgindo do nada ao lado de Ron e sobressaltando os dois – "faça companhia ao David."

Thomas franziu a testa. Aquela recomendação em especial ninguém tinha feito antes.

"Por quê?"

Seus pais trocaram um olhar muito rápido e um pouco tenso. Nessa hora, um apito soou, indicando que o trem estava prestes a partir.

"Por quê?" – repetiu Thomas.

"Porque sim" – disse Draco apressadamente – "Ele precisa."

Ron passou rapidamente as mãos nos cabelos de Thomas antes de se afastar junto com Draco para mais longe do trem, que já começava a se mexer. Antes que ele ganhasse velocidade, ele viu seus pais acenando para ele e Victor pulando de um lado para outro e mexendo os braços, aparentemente tentando se despedir dele. Idiota.

Só sentou-se quando os borrões que haviam se tornado os pais e o irmão tivessem desaparecido completamente. Passou os olhos pela cabine vazia, entediado. Foi quando ouviu passos se aproximando e, pouco depois, a porta se abriu.

Os olhos azuis vazios de David o encararam, não transmitindo nenhum sentimento em especial, mas a vermelhidão do seu rosto traía sua irritação. Atrás dele, havia um malão.

Thomas suspirou. Por que ele ia fazer companhia justamente a David Potter?


"Thomas?"

"O quê?"

"Você é a porra de um fenômeno."

Thomas abriu os olhos e olhou para ele. David jamais falava palavrões. Jamais, apesar do seu estilo extravagante e – porque não dizer – afetado. Ele só falava palavrões quando estava muito, muito, mas muito irritado.

E quando estava bêbado. Como no caso presente.

"Como?" – perguntou calmamente, tentando reunir seus neurônios. Ainda não estava bêbado, mas estava chegando lá.

David não respondeu de imediato. Sentou-se despreocupadamente na sua cama no dormitório do quinto ano e brincou com a garrafa de uísque de fogo que conseguira, certamente de alguma forma ilegal. Alguns metros adiante, James Wilson havia apagado na cama, aparentemente em coma alcoólico.

"Eu estava pensando" – começou de repente – "Eu nasci sete meses depois do casamento dos meus pais. Se eu pensar que minha existência começou na noite de núpcias deles, eu nasci prematuro. Mas, pelas fotos de bebê que eles me mostraram, eu pareço muito fortinho. Não é estranho?"

Thomas rolou os olhos para o teto. David falava como se estivesse exibindo uma teoria brilhante.

"Mas você" – continuou ele, depois de tomar outro gole da garrafa – "é uma porra de um fenômeno. Você nasceu cinco meses depois do casamento dos seus pais!" – teve um breve ataque de riso, antes de terminar – "Impressionante."

Nesse momento, algo no cérebro de Thomas disse que era melhor tirar logo a garrafa de David, e foi isso que ele fez. O outro não reclamou, só continuou desfiando sua teoria.

"Você era gordinho também quando era pequeno, eu vi. Você não nasceu prematuro, não nasceu mesmo, cara."

"David, pára com isso."

"Seus pais já falaram disso com você?" – perguntou David, repentinamente sério.

"Não, claro que não."

"Mas você pensou sobre isso, não é?" – perguntou David incisivamente.

Era impressão de Thomas ou suas bochechas estavam ficando quentes?

"Às vezes" – respondeu vagamente.

David ficou brincando com a garrafa por algum tempo.

"Pais são engraçados" – recomeçou – "Eles falam para nós nos comportarmos, fazermos todos os deveres de casa, sermos legais com os outros, mas, quando eles foram estudantes, foram uns pestes." – fez uma breve pausa – "Lembra da detenção que eu peguei com a Sinistra?"

"Lembro."

"Eu tive que organizar os arquivos da escola, aquele monte de lixo. Tinha coisas interessantes lá que o meu pai nunca tinha contado. Ele não foi exatamente um aluno exemplar. E os seus pais também não."

"Como?"

"Você não acreditaria se eu dissesse que lá não falta registros de detenções que eles pegaram por jogar azarações um no outro, não é?"

Thomas pensou nas brigas que já vira entre os pais. Quase sempre alguma coisa na casa explodia ou voava para se estraçalhar contra a parede ou algo assim. Isso quando um dos dois não saia machucado.

"Eu não duvido nada." – ouviu-se falando.

Aparentemente o que ele estava pensando estava muito na cara, porque David começou a rir.

"Seu lar é muito desarmônico, Thomas. Não sei como seus pais conseguem ter tantos filhos."

Seguramente, Thomas não queria saber.

"Não são tantos filhos. São só eu, Victor e a minha irmã."

"Por enquanto" – profetizou David – "Tenho a forte impressão de que mais pirralhos estão à caminho."

"Fecha essa boca" – mandou Thomas, sentindo um forte estremecimento interno. Quando haviam se mudado, ele havia ganhado um quarto só seu pela primeira vez desde que Victor nascera. Ele realmente não gostaria de perder esse privilégio.

"Guarda o que eu estou dizendo" – afirmou David, seguro – "Você ainda vai ter mais irmãos."

E pegou a garrafa de Thomas para tomar mais um gole.


Victor parecia feliz, muito feliz mesmo, quando Thomas entrou no quarto para ver os irmãos gêmeos recém-nascidos.

"Meus pais" – disse ele, aproximando-se do irmão mais velho – "gostaram do nome que eu falei."

Victor sempre falava "meus pais" como se fossem só dele, e não de Thomas também.

"O quê?" – perguntou Thomas, que não prestara atenção. Sua mente havia estado ocupada em amaldiçoar David e suas profecias malditas sempre corretas.

"Eles falaram que um dos gêmeos pode se chamar Jonathan, como eu falei" – explicou Victor – "Deve ser o mais velho."

"Que bom" – comentou Thomas, que não estava dando a mínima.

Os gêmeos estavam na cama perto do seu pai, que parecia cansado e sonolento com os olhos quase fechados. Eram duas coisinhas minúsculas e idênticas que faziam movimentos estranhos com os braços e as pernas de vez em quando. No braço de um deles, estava amarrada uma pequena fitinha vermelha para indicar que era o mais velho.

"O outro deve se chamar Ryan" – falou Victor, animado, sentando-se na cama – "Não é, pai?"

"É" – disse Draco, abrindo os olhos – "Ryan é um nome bonito. Julianne gosta dele."

A porta foi aberta de repente e a própria Julianne entrou, com seus cabelos cor de cobre meio despenteados.

"Papai fez lanche" – anunciou ela, séria – "Mandou dizer que quem não for lá agora vai ficar sem comer, tirando o papai."

As habilidades de Julianne em comunicação aos três anos de idade faziam Thomas achar muitas vezes que ela tinha uma inteligência maior do que a média.

Ao ouvir falar em comida, Victor pulou da cama e saiu do quarto quase correndo. Julianne andou calmamente até a cama e assumiu o lugar dele.

"O Victor é estranho, não é?" – perguntou ela.

"Eu sempre achei que ele tinha problemas mentais" – disse Thomas em voz baixa.

Draco lançou-lhe um olhar de advertência, mas Thomas não levou à sério.

"Problemas mentais" – repetiu Julianne lentamente, tentando gravar a expressão na cabeça.

"É. Significa que ele é meio doido."

"Ele não é doido" – falou Draco de repente - "O único problema dele é que ele é uma duplicata de Ron."

"Duplicata?"

"É, Julianne. Parecido demais." – suspirou como se aquilo fosse um defeito terrível – "Demais."

Thomas tinha que concordar.


"Volta aqui, seu pirralho miserável!"

Victor correu e fechou a porta do quarto com estrépito para atrasar o irmão. Depois, desceu as escadas em disparada até chegar na sala, onde estava o pai absorvido na leitura do jornal e seus irmãos gêmeos brincando com algum brinquedinho no chão.

"Pai!" – gritou Victor, balançando um papel na mão direita – "O Thomas está..."

"Cala a boca!" – berrou Thomas, aparecendo na sala e partindo para cima de Victor, tentando pegar o papel.

Draco jogou o jornal no sofá e levantou-se do sofá para separar os dois com tamanha calma que parecia fazer aquilo todas as semanas.

"O Thomas está namorando!" – anunciou Victor pouco depois de ser jogado numa poltrona pelo pai, enquanto seu irmão foi colocado seguramente no outro lado da sala.

"Quem está namorando?" – perguntou Ron, aparecendo na sala vindo da cozinha, seguido por Julianne.

"O Thomas!"

"Vá se..."

"Se você terminar essa frase vai se arrepender amargamente, Thomas Alexander." – ameaçou Draco, usando um tom de voz tão frio que até Ron se assustou.

Thomas parou no meio da frase com uma expressão furiosa e murmurou algo que parecia com "eu já sou maior de idade".

"O que aconteceu, Victor?" – perguntou Draco, calmo novamente.

"Eu estava no meu quarto quando vi um papel em cima da mesa. Eu peguei porque pensei, poxa, talvez fosse algum trabalho de escola do meu irmão."

"Seu..." – começou Thomas, parando quando Draco lançou-lhe um olhar de advertência.

"Então" – recomeçou Victor, falando mais alto – "esse maníaco apareceu e tentou pegar o papel da minha mão. Eu tive que correr para me defender."

"E onde a namorada entra nisso?"

"Ah, eu dei uma olhadinha na carta e era de uma garota" – disse Victor como se espiar coisas dos outros fosse algo comum para ele – "e tinha umas coisas escritas... meio..."

"Meio..."

"Estranhas."

Thomas começou a corar.

"Eu juro que não tem nenhuma pornografia ali."

Draco adiantou-se, pegou o papel das mãos de Victor e começou a dobrá-lo meticulosamente.

"Por que você não nos contou sobre sua namorada, Thomas?" – perguntou ele, concentrado no papel.

Depois de quase vinte anos e cinco crianças, Draco havia aprendido um bocado de psicologia infanto-juvenil. Era por causa isso que Thomas estava ficando apavorado. Por alguma estranha razão, o fato do pai não o olhar dava mais medo do que os olhares gelados dele.

"Não era nada sério" – murmurou, olhando para o chão.

Depois de terminar de dobrá-lo cuidadosamente, Draco jogou o papel para Thomas.

"Se não tem nenhuma pornografia aí, que coisas estranhas são essas que Victor falou?"

"Não são coisas estranhas" – defendeu-se Thomas" – "o Victor é que é um analfabeto."

"Eu não sou!"

"Qual é o nome dela?" – perguntou Draco, ignorando o exaltado Victor.

"Alexia. É da Rússia, você sabe, o intercâmbio."

"Ela é puro-sangue?"

"Isso ainda tem importância?"

O olhar de Draco suavizou-se, e por um momento, quase pareceu que ele estava sorrndo.

"Não, eu acho que não."

"Então" – interrompeu Ron – "vocês quase se mataram por uma carta da namorada russa do Thomas?"

Ninguém respondeu de imediato. Sentado no chão com seu irmão, Jonathan batia as mãos e ria, como se aquilo estivesse sendo muito divertido. Ryan continuava concentrado no brinquedo.

"É" – confirmou Thomas, hesitante.

Silêncio.

"Vocês são dois idiotas" – disse Julianne de repente, exprimindo o pensamento geral, e depois voltou para a cozinha.


"Eu desisto" – anunciou David dramaticamente, entrando na sala – "Desculpe, Sr. Weasley, Sr. Malfoy, mas o filho de vocês está insuportável."

E jogou-se no sofá como se tivesse feito o esforço mais heróico da sua vida.

Draco olhou o relógio na parede, impaciente.

"Vai falar com ele, Ron."

"Eu já fui hoje de manhã, ele quase me enlouqueceu" – justificou-se Ron, fazendo uma careta – "Vai você."

"Nem pensar, já tive minha cota por hoje. Julianne, por favor?"

Sentada na poltrona com um vestido azul bufante e os cabelos presos em coque, Julianne fez uma cara desanimada.

"Eu já falei com ele ontem durante duas horas. Minha cabeça quase explodiu, pai."

Draco olhou ao redor, desconsolado com a falta de ajuda.

"Victor?"

"Ahn, eu?"

"Vai falar com o seu irmão e apressá-lo."

"Porque eu?" – perguntou Victor, meio revoltado – "Se o Thomas está tendo uma crise porque percebeu que a liberdade dele está prestes a acabar, o problema não é meu."

"Victor" – começou Ron, sem paciência para agüentar as idéias rebeldes do filho – "vai falar com o seu irmão agora e tira ele daquele quarto. Vai."

Sem escolha, Victor saiu batendo o pé de raiva, subiu as escadas correndo e empurrou com força a porta do quarto.

"David, eu já falei para você..."

Victor parou pouco depois da porta, deixando-a aberta. Queria que aquilo fosse o mais rápido possível. Ele já estava com dor de cabeça. Por sua vez, Thomas olhava para ele como se fosse algo de outro planeta. Victor percebeu com certo alívio que ele já estava completamente pronto.

"Você está sendo ridículo" – disse, sentindo-se como Julianne e seus comentários curtos e eficientes.

"O quê?"

"Você está sendo ridículo e está demorando tanto que daqui a pouco a noiva desiste."

"Eu não estou sendo ridículo" – afirmou Thomas, nervoso, enquanto alisava as vestes – "Eu só estou com certas... inseguranças."

Victor rolou os olhos para o teto, achando o irmão completamente estúpido.

"Thomas" – começou, tirando a calma necessária do fundo da sua alma – "há quanto tempo você conhece a Alexia?"

"Uns quatro anos."

"Há quanto tempo vocês estão noivos?"

"Um."

"Você a ama, não é?"

"Claro."

"Então" – começou Victor, a impaciência voltando – "porque você está com essa de certas inseguranças agora?"

Thomas estava olhando o chão como se ele fosse muito interessante.

"Não sei" – disse lentamente – "Acho que é porque... digo... porque é agora, entendeu? Acho que eu não gosto muito de momentos realmente decisivos."

"Thomas, você ama ela, ela ama você, e isso é o que mais importa num casamento" – falou Victor, atravessando o quarto e pegando o irmão pelo braço – "Agora, você quer se casar, não quer?"

"Sim, eu quero, mas é algo..."

"Ah, cala a boca" – mandou Thomas, indo para a porta e o levando junto – "O seu principal problema foi que você sempre complicou muito as coisas. E agora vamos embora."

"Mas..."

"Vamos embora." – disse Victor, decidido a não deixar as inseguranças do irmão atrasarem ainda mais as coisas.

E eles foram para o casamento.