Foi a brisa quase matinal que despertou os sentidos do jovem Lockhart. Se encontrava deitado ali há tanto tempo que parecia ter perdido a sensibilidade nas pernas, além daquilo ter acarretado uma forte dor nas costas do rapaz. Não era uma noite estrelada como de costume; as estrelas haviam passado quase toda a noite escondidas entre as nuvens, e havia parado de chover há muito pouco tempo, mas ele não sabia dizer exatamente há quanto, porque sentia ter perdido a noção do tempo, sem saber que já havia passado tanto tempo desde que entrara em tais aposentos.

Ainda sentia as mãos delicadas de Robert percorrendo sua espinha e puxando o corpo magro e ainda despido do rapaz pra perto do seu, que ainda se mantinha quente, mesmo que a relação entre os dois já tivesse acabado há um certo tempo, e os resmungos, quase protestos, como se o Owen sonolento quisesse afastar qualquer pensamento de Jared de se retirar dali agora. Antes de qualquer coisa, as maçãs do rosto do rapaz se coraram após lembrar como haviam passado a maior parte da noite, aproveitando aquilo que os tinha mantido juntos por tanto tempo... E ah, como as coisas pareciam tão melhores quando eles terminavam seus conflitos desse modo, ali onde estavam, e acabavam por adormecer abraçados, como nos velhos tempos! Lockhart definitivamente não era um daqueles românticos incuráveis, mas apreciava quando ambos conseguiam transformar aquele simples ato que já havia repetido milhares de vezes em algo mais. Puxou as mãos de Robert para as suas, segurando-as com delicadeza, enquanto continuava com os devaneios, mas ainda muito atento ao fato de que começava a amanhecer, coisa que o entristecia, já que a penumbra em que se encontravam só trazia mais conforto à situação.

Ambos sabiam que as coisas não iam bem. As brigas eram constantes, e os ciúmes da parte de Lockhart eram exagerados, e mesmo sabendo que era algo que Owen não gostava, era algo que só machucava o outro, o próprio Jared se negava a tentar controlá-lo. Eram raras as vezes em que ninguém saía machucado, já que mesmo quando sóbrio o moreno era impulsivo e não muito delicado, mostrando-se bastante frio por machucar seu homem sem qualquer tipo de remorso.

Já se conheciam há muito tempo, talvez um ano ou um pouco mais, e mesmo assim eram completos opostos: Owen, o professor de duelos, apesar de ter mais idade, era bem menos agressivo e muito mais controlado, correto, sensível, e mesmo com as incontáveis idiotices que Jared cometia, sempre o perdoava, o que despertava imensa curiosidade no moreno, já que esse não seria assim tão tolerante perante traições, principal motivo das separações e eventuais reconciliações; Lockhart, o sonserino que freqüentava o último ano na escola, também não era mais uma criança e havia mudado bastante desde que os dois haviam se conhecido, tendo se tornado, no fundo, amargurado, sem demonstrar muitos sentimentos ou qualquer tipo de consideração por Robert, apesar de tentar vivendo camuflar essas emoções que, em sua mente, o faziam parecer fraco, e essa era uma coisa que ele não queria aparentar ser, não na frente de Owen.

Era o amor que os unia, e disso ninguém duvidava; eram loucos um pelo outro, e era aparente nos sorrisos de Robert e nos olhares de Lockhart que, mesmo com as divergências, aquilo iria durar, que precisariam muito mais do que o que já haviam vivido pra se separar.

O cheiro de terra molhada brincou novamente com os sentidos de Jared, algo que geralmente lhe dava mais disposição, mas aquilo agora era apenas mais um atrativo pra terminar a manhã entre o emaranhado de lençóis macios da cama do homem, agarrado ao corpo deitado ao lado do seu que ele tão bem conhecia, e não foi fácil resistir à tal tentação, já que o próprio Lockhart dava grande importância aos tais prazeres mundanos, principalmente quando estes envolviam seu Robert.

Remexeu-se de forma discreta, não querendo acordar o homem ao seu lado, e mesmo assim este parecia também querer continuar agarrado à cintura de Jared, acabando assim por sair do sono tão leve, franzindo o cenho ao tentar distinguir o que o jovem fazia, despido, de pé ao lado da cama.

Você não precisa ir. Digo, não agora. – Descobriu os braços e os esticou em direção ao vulto com certa infantilidade, também sentindo a brisa matinal atingi-lo de forma súbita, começando com uma onda de frio que fez os pêlos de sua nuca se arrepiarem de leve. – Falta tempo pra amanhecer.

Agachado agora ao chão, tateava o assoalho em busca das roupas que foram mais cedo por ali atiradas, e por sorte encontrou primeiro as cuecas, além das calças; levantou-se, colocando ambas as peças no lugar, e pôde sentir o efeito do álcool que havia ingerido muito vivo dentro de si, fazendo o jovem dar uma cambaleada de leve pra trás, acabando por esquivar-se do toque de Owen, mesmo que esse ainda fosse desejado por sua pessoa.

Não, eu tenho que ir. É você mesmo que não quer que nos vejam juntos, você que deveria me mandar embora. – Sussurrou as tais palavras desamarrotando a camiseta folgada, tão diferente daquelas que ele costumava usar, com todo aquele cinismo que agredia os ouvidos de Robert, mas era algo com o que ele já, provavelmente, havia se acostumado. – Venho te ver essa noite de novo, se livre de qualquer compromisso. Mais cedo. E não tranque a porta, não quero arrombá-la outra vez, ou chutá-la até que você perceba que sou eu. – Com a camiseta também no lugar, levou a mão direita ao rosto, sentindo uma pontada de dor na região do olho, soltando um resmungo no ar, sem nem mesmo prestar atenção nisso. – E você andou treinando os socos? Esse doeu mais que outros.

Surpresa nenhuma que a noite dos dois havia deixado algumas marcas; talvez não marcas de amor, porque essas não eram tão comuns, mas as marcas de diferenças eram sempre muito aparentes, assim como os conflitos também eram muito aparentes. Aos olhos dos outros, de quem sabia, era um mistério a razão pela qual os dois continuavam a se ver. Talvez porque Lockhart gostava da dor, da decepção e do coração partido, ou porque Owen vivia das reconciliações, momentos únicos onde se sentia completo e supria a necessidade de ser amado. Talvez as diferenças os unissem e a tal da dor e o amor fizessem parte do relacionamento.

Sem esperar por uma resposta ou reação de Robert, Jared caminhou com calma pra porta do aposento, carregando o par de tênis nas mãos junto com as meias, e antes de abrir as portas e pôr os pés pra fora do local, ainda em meio à penumbra, encarou o Owen uma última vez; 'Não esqueça da promessa que você me fez', foi tudo que disse em mais um sussurro, e logo sentia a claridade do corredor agredindo sua vista e formando borrões que se movimentavam de forma engraçada perante sua pessoa, fazendo-o se apressar pra sair dali, como se tivesse a estranha impressão de que, por pouco, não fora pego junto com o professor.

Afastando-se da porta, acendeu um cigarro amassado que antes se encontrava no bolso de trás de sua calça e o tragou com calma, largando a fumaça pelos ares enquanto desgrenhava os cabelos com força, querendo acordar dos devaneios e apagar as imagens que se passavam em sua cabeça. Conforme se aproximava do salão comunal, podia ouvir as vozes dos colegas que acordavam tão cedo, talvez já esperando pelas aulas que só começariam daqui várias horas, e isso de certa forma o desanimava. O começo de um novo dia era deprimente pelo simples fato de ter uma sensação de finais, de separações.

De separações para ele e para Robert, talvez.