I - Just Nothing.
Está tão escuro aqui. Não sei se gosto disso.
Está muito silencioso, apesar de todo o barulho que meus amigos podem propagar em condições normais. Não sei se gosto disso também. Acho que prefiro a cacofonia descomunal de sempre. As gargalhadas dos meninos e os gritinhos irritantes da minha segunda melhor amiga. Onde todos eles estão?
Onde estou, afinal?
Essa pergunta é a mais importante, levando em conta toda essa circunstância inexplicável. Esse suspense seria capaz de fazer até mesmo a Ágata Christie perder a paciência. E todo mundo que convive comigo sabe que sou um pouco nervosinha. Mais especificamente falando, tenho o tal do 'dramaberry' que tanto irrita a todos. E essas não são palavras minhas, só pra constar aqui. Porque eu nunca diria que o meu dramaberry é uma coisa tão negativa assim. Tudo bem, eu sou um pouco dramática e desesperada, mas até que ponto podem me afirmar que isso propicia algum malefício em mim? Eu me sinto muito bem com os meus dramaberrys, muito obrigada.
Argh. Por que ninguém diz ou grita algo para amenizar esse silêncio que apenas está aguçando o meu dramaberry? Será que todo mundo foi embora e me deixou, aqui, sozinha? Inadmissível! Preciso muito, muito mesmo lançar o meu dramaberry em cima da pessoa que arquitetou esse plano maldito de me deixar no meio do escuro e do silêncio! Aposto que nem preciso pensar muito para chegar à descoberta do nome. Porque coisas assim apenas são planejadas por uma pessoa satânica o bastante para tal feito.
Meu dramaberry está reclamando muito alto, só pra avisar. A pessoa que está me fazendo passar por isso vai se machucar seriamente, e tenho dito.
Toc.
Alguém bateu alguma coisa em algo. Diria que é alguma coisa de metal numa plataforma de madeira.
Continuo não gostando disso.
"Ai!", alguém geme. "Shh, está difícil de ver por aqui!", alguém sussurra. É uma menina, eu acho. Uma menina que não conheço. Se ao menos tivesse uma luzinha em algum canto desse lugar... Mas não há nada. Nadinha! Estou no completo breu.
"Santana? É você?", pergunto. Sei que não é ela, mas preciso ouvir onde ela está. Se estiver perto de mim, vai ganhar uma cotovelada, aposte só. Minha percepção está debilitada por conta da minha vaga noção de espaço. Gostaria que retirassem essa venda dos meus olhos. Com certeza, minha maquiagem está uma droga agora. Seja lá por o que passarei, minha cara está péssima. Espero que não hajam pessoas idiotas querendo me fotografar. Seria um péssimo momento. Sinto uma movimentação esquisita ao meu redor. Passos e sussurros que não estão coerentes o suficiente para eu os decodificar. Droga. Meu dramaberry está irritado.
"Santana?!", repito. Agora, é verdade, estou meio assustada. Ah, não. Não me diga que estou no meio de uma sociedade secreta e que irão me sufocar com um saco plástico na cabeça! Ou pior: obrigar-me a entrar em caixões e beber sangue! Não estou pronta psicologicamente para passar por um trauma desses! Nunca recebi uma carta de sociedade antes! E duvido muito que venha a receber, algum dia. Apenas pessoas importantes se associam a esses covens, e eu não sou uma pessoa importante dentro da NYADA, ainda! Mal consegui me apresentar na Mostra de Inverno, no último semestre! Sei que o convite foi pura caridade de Santana que, de algum modo, está chantageando a Carmen Tibideaux. Pra você ter uma ideia, minhas notas são tão normais que não sou amada por nenhum professor – em especial pela Cassandra, minha instrutora de dança que agora não tem mais muita fama e que parece ter feito da sua última missão na Terra me perseguir com suas palavras duras e secas.
Então, nada de sociedades secretas pra mim. Não dessa vez. Quem sabe semestre que vem.
Mesmo por trás do pano que me amarraram na cabeça, impossibilitando mais do que nunca minha visão, percebo que as luzes do estabelecimento finalmente se acenderam. Não machucam meus olhos, mas eles se incomodam. Estou alerta. Estou muito alerta. Podem retirar essa venda de mim a qualquer segundo a partir de agora. Perfeito! Vou poder bater em Santana com toda a minha força!
Mais passos. Distantes. Em cima de ripas de madeira.
Estranho.
Parece um palco. Tem um palco aqui. O que me faz inferir que estou num bar, daqueles que tocam música ao vivo e shows de improviso musical. Mas está tão silencioso. Será que Santana envenenou todos os outros clientes? Será que Santana matou alguém? Ai, meu Deus. Meu dramaberry está louco para machuca-la seriamente!
Meus músculos estão tensos diante do que pode acontecer. Não ter uma previsão dos próximos minutos está me enlouquecendo. Santana vai pagar caro por isso. Vou mata-la, nem quero saber. "Sério, alguém poderia me explicar o q...", minha voz escapa da minha garganta antes que eu possa controlar minha mente. Minha mente está enlouquecida também. Eu estou enlouquecida.
Arrancam a minha venda sem muito cuidado. E então estou piscando diante do que parece ser muita gente, completamente desnorteada e deslocada. Estou meio nauseada, agora. Tento achar Santana, mas minha retina ainda vê milhões de bolinhas espocando na minha frente por conta do choque de luminosidade. Têm câmeras registrando esse meu vergonhoso momento. Vou acertá-los com tudo também. Não quero saber, odeio essa gente. Ninguém deveria ter o direito de clicar alguém numa condições dessas. É desumano, só pra registrar.
Ao invés de encontrar Santana dentro do meu campo visual, encontro uma faixa gigante, dependurada nas vigas de sustentação de luzes coloridas.
FELIZ ANIVERSÁRIO, HOBBIT.
Meu dramaberry quer estrangular a Santana mais do que nunca.
E daí todo mundo está batendo palmas, bem alto. Há assovios. Sorrisos. Alguns gritos. Sinto vontade de gritar também, mas por motivos diferentes. As mesas espelhadas e redondas exibem cupcakes com notas musicais. Um grande "R" está desenhado em cima de um bolo numa mesa próxima. Aposto que é de creme de avelã, meu preferido. Se não for vou arremessá-lo em cima de Santana, porque ela merece totalmente isso.
Um sorriso pequeno vai se formando em meu rosto, porque percebo que tudo isso é meio legal.
Nunca enfrentei uma festa surpresa. Não desse tipo. Grande, barulhenta, esquisita. Gosto disso. É verdade, gosto muito disso.
Alguém começa a cantar o jingle de 'Feliz Aniversário' e, de repente, também estou batendo palmas, entoando a canção. Estou rindo. Estou parecendo uma idiota na frente de todo mundo. É estranho. É vergonhoso. É imbecil.
Mas gosto disso.
Ninguém me pede para ir para perto do bolo e distribuir pedaços aos convidados. Na verdade, sou meio que empurrada para o fundo do bar, onde há mesmo um palco. Em cima dele, estão pessoas que nunca vi antes. Três caras e uma menina. O baterista tem um moicano na cabeça. Um loiro bonito está conversando com um chinês enquanto acertam seus instrumentos, possivelmente guitarra e baixo. A garota é esquisita: está olhando para mim com seu cabelo curto e rosa, trajando um short meio indecente, uma meia-arrastão com uma cinta-liga e uma blusa que se assemelha a um corpete apertado demais no busto. Ela parece assustadora, daqui de baixo.
A garota espera que a maioria se acalme, se aproxima do microfone e diz: "Hobbit, seja lá qual é seu nome verdadeiro, isso é pra você. Feliz aniversário".
E daí eu quero morrer, instantaneamente.
A guitarra que ela está nas mãos começa suave, então a batida rítmica da bateria começa um pouco histérica. O garoto loiro então os acompanha num ritmo mais pesado e mais agressivo. Enfim, quando o baixo se junta, o barulho é louco e alto.
É uma música horrível. Tenebrosa.
Mas quando a garota do cabelo rosa abre a boca para cantar... Algo acontece. A música se torna suportável. Bonita.
Sua voz é rouca, mas intensa. É do tipo rockstar. Não um rockstar grosseiro. Não, nada disso. É mais no estilo que até mesmo quem não gosta de garotas loucas cantando é capaz de apreciar.
Não gosto da Joan Jett, mas algo nesta garota me faz crer que até mesmo a Joan seria capaz de aplaudi-la por sua voz e pela apresentação. Ela dedilha com extrema facilidade na guitarra. Parece enlouquecida enquanto canta e toca. Ainda assustadora, porém fantástica.
Uau, isso é fantástico!
Quando a música se encerra, ainda estou olhando para o cabelo dela. Estou impressionada. "Minha Hobbit!", Santana chega perto de mim e me abraça. Estou pouco me importando com a sentença de morte que prometi a ela, pois tudo isso é passado. "Desculpe pelos minutos de tensão! Mas espero que tenha gostado da surpresa!", ela continua. Assinto.
Como não poderia gostar?
A banda é incrível. Do tipo underground, mas sem deixar de ser ótimo.
"Ainda preciso te matar", acabo dizendo. Ela bate na minha cabeça e vai embora rindo. Finn sorri para mim do outro lado do bar com os polegares para cima. Estou feliz por ele fazer parte desse conluio estúpido. Repito o gesto a ele.
O pessoal aplaude a banda e todos descem do palco, após organizarem seus materiais. Eles se juntam, em seguida, ao redor de mim. Os garotos me dão tapinhas nas costas e me abraçam. Não sei quem são, mas aceito os abraços. Gosto de abraços. E é meu aniversário. Quero ser abraçada até mesmo pelo David Guetta neste dia. Dizem seus nomes em seguida. O baterista é Puck – mas aposto que é apelido. O loiro é Sam. Ele pisca pra mim enquanto sai para pegar um cupcake, gostei dele. E o japonês/chinês é Mike. Penso que ele e Tina têm muito em comum. Ela vive reclamando que não pode dar beijos asiáticos em garotos que não são asiáticos.
Estou ainda pensando em Tina e Mike juntos quando sou interrompida pela garota do cabelo cor de rosa. Ela coloca uma mão no meu ombro e diz: "Meus parabéns". Ela parece tão doce e intensa quanto quando estava em cima do palco. Sorrio e agradeço. "Eu não sabia que tipo de música você gosta, porque ninguém me disse antes. Espero que não tenha detestado", ela diz, bem perto de mim. Nego com a cabeça. "Eu gostei. Gostei muito. Vocês são ótimos". É a verdade, não estou mentindo. Isso provoca um sorriso nela. "Você pode escolher as próximas músicas, fazemos muitos covers", ela assegura. "Não, gostei desse estilo. Podem continuar com ele", digo. "Qual é o nome de vocês?".
"Foxwood", ela me responde. "E qual é o seu nome, Hobbit?", ela ri.
Eu rio também.
Ainda quero matar Santana.
"Rachel Berry".
Ela estende a mão e diz: "Rachel Berry, eu sou Quinn Fabray e sou a vocalista da sua noite".
Em seguida pisca para mim e sai da minha frente.
Seu cabelo rosa ainda permanece registrado diante de meus olhos, ainda assim.
II – Nothing Left to Lose
Já passa da meia-noite. Isso não é muito normal para mim, por isso já é a terceira vez que me pegam bocejando. Tento disfarçar, mas é inútil. Estou com muito sono. Agradeço por amanhã ser sábado – não tenho aula extra, nem apresentação de trabalhos, nem aulas de reposição. Nada de Cassandra atrás de mim. Só eu e a minha cama. Não vou precisar acordar às cinco da manhã para aquecer meu corpo antes das aulas, nem precisar tomar mais de dois copinhos de café para suportar a manhã. Porque estarei dormindo muito aconchegada na minha cama. Isso sim é vida. Um sábado livre de compromisso.
O bolo já sumiu de cima da mesa há algum tempo, todo mundo está alimentado e um pouco bêbado – à exceção de mim, acho. Sei que é meu aniversário, e Santana tentou me empurrar algumas taças de frisante, as quais fingi agradecer, mas as depositei todas nas mãos de outras pessoas e não bebi nada. Ando de um lado para outro, transitando por entre os novos e velhos amigos. Gostei dessa mistura, podíamos fazer mais encontros assim. Enquanto conversava com Finn, fiquei sabendo como acharam a banda da garota de cabelos rosa, a Quinn Fabray. Finn falou com Kurt, que falou com o tal do Puck. Puck e Kurt eram colegas no colégio, faziam parte de um clube de música. Puck falou com o restante da banda, que acertou participar do entretenimento da minha festa.
A banda, inclusive, tocou mais algumas vezes. Aquelas coisas fantásticas e assustadoras. Muito barulho, ainda que a voz de Quinn conseguisse se sobressair. O estilo deles não é o meu preferido, mas ainda fiquei fascinada em todas as vezes que eles sobem no palco. Aquele cabelo rosa dela voava para todos os lados e sua expressão parecia agressiva, mas quando estava no chão, era doce e sorridente.
Ela está assim, do outro lado do bar. Doce e sorridente. Está bebericando um líquido azul e fumegante, conversando com seus amigos de banda. Sam dá soquinhos nela, de brincadeira. É engraçada a forma como eles se relacionam. Todos os quatro parecem ter mais intimidade que eu e Santana, que é minha melhor amiga desde que eu tinha 15 anos. Sempre tive bastante intimidade com Finn, que é meu amigo há quase quatro anos, mas nada se compara. Finn não fala comigo como se fosse capaz de me bater (mesmo de brincadeira). Na verdade, Santana vive brincando que ele me trata tão bem que não vai se surpreender se, um dia, acordar e nos ver na cama juntos. Mas, em contrapartida, eu vivo dizendo que se isso acontecer é porque eu perdi toda a minha sanidade mental. E eu tenho muita sanidade mental, só pra você saber. Tenho mais do que todos.
Observo-os daqui. Não parece que algum deles já parou na cama de Quinn. Eles parecem apenas amigos. Não que amigos não possam dormir juntos no sentido literal da palavra. Mas seria estranho. Não seria? Eu estranharia demais acordar ao lado de Finn, por exemplo. Na verdade, não sei acordar ao lado de alguém, seja a pessoa minha amiga ou não. A Santana, por exemplo. É horrível dividir a cama com ela. Certa vez, dividimos, com Brittany, uma barraca num acampamento e não gostei muito. Não porque ela é uma menina, mas porque ela também não sabe dividir espaço. Ficou me batendo a noite inteira. Não sei como Brittany tem a coragem de dormir com ela. Brittany é muito bondosa consigo mesma quando faz isso. Ou então muito idiota. Aposto que ela deve ter muitos hematomas dos coices de Santana.
Mas Quinn é meio pequena. Só um pouco mais alta que eu. E esses caras são tão altos, mas não chegam perto de Finn, claro. Finn sempre ganha no quesito altura, porque ele é um mutante, ou algo assim. Tomou poção Esquelesce quando criança, tenho certeza. Aposto que, se Quinn dormisse com algum desses caras, ela também não iria gostar. Ou será que já dormiu e gosta mesmo assim? É louca, então. Além de esquisita e assustadora é louca! Não poderia ser diferente, acho.
Ok. Estou soando como uma idiota falando assim.
Mas olhe só para ela! Não tem como não pensar que ela é, pelo menos, esquisita e assustadora com essas roupas e com esse cabelo. Espere, e essa maquiagem? Esqueci-me de mencionar a maquiagem dela! É um terror! Quando olho para ela, sempre acho que ela está me amaldiçoando por detrás dessa sombra pesada. E o batom vermelho-sangue é meio desconcertante, também. Dá a impressão de que ela comeu um pote inteiro de cerejas e que a coloração ainda não saiu de seus lábios.
Ela me dá arrepios. Do tipo nada bons, só pra deixar claro.
Mas é espetacular, ainda assim. Fantástica.
Já gosto dela, mesmo que me assuste. E mesmo que não tenhamos trocado mais de que umas cinco conversas bobas.
Toda vez que olho para ela parece que sempre tenho algo a lhe falar, mas então ou a) ela está longe demais de mim, ou b) ou apenas sorrio e não digo nada. Às vezes penso em que perguntar sobre o nome da banda. Ou então sobre seu cabelo. Será que é permanente? Eu não teria coragem de destruir meu cabelo desse modo. Minha mãe, que é uma preparadora vocal – e com quem, na verdade, não tenho tido muito contato, por conta da mudança de cidade e por conta da faculdade –, certa vez me disse que se você muda seu cabelo muita coisa muda junto. Que se você muda seu cabelo, é porque quer mudar você mesma. E eu não quero mudar quem sou. Gosto de mim assim. Quinn deve ter querido se livrar de seu passado para fazer essa transformação capilar tão extravagante. Como a Tina – não a asiática –, minha colega de estágio na escola pública na qual nós somos auxiliares. A Tina tem um arco-íris na cabeça: azul, verde e rosa. Todo mundo sabe quem ela é, não porque sabe seu nome, mas por causa de seu cabelo. Ela é A Menina do Cabelo Colorido. E tudo porque decidiu fugir de Colorado, onde seus pais queriam que ela seguisse a carreira de engenheira agrônoma tal como eles, e tentar a vida como uma artista de rua. Nos fins de tardes, ela sempre está nas praças de NY fazendo seu show. Ela me convida para cantar, mas eu recuso, porque não quero passar vergonha. Sei que é idiota isso, afinal ela é minha amiga, mas se eu vou me expor dessa maneira que seja então num grande teatro, não no meio da rua com os mendigos e os batedores de carteira.
Fico imaginando o que Quinn deixou para trás ao tingir os cabelos de rosa.
"Quer uma carona para casa?", Finn se achega de mim e pergunta. Ele está com uma aparência cansada. Geralmente ele é alegr primeiro a me fazer rir pela manhã. Mas vejo que ele está com sono. A bebida o está afetando mais rápido que o comum. "Meu salvador!", exclamo, rindo. Quero muito ir para casa, tomar um banho e cair na cama. Seria maravilhoso. "Santana e Brittany também vão?", ele quer saber, depois de ficar sem graça pela minha brincadeira. É um amor esse jeito dele, como se não soubesse direito o que fazer quando eu esqueço que ele é meio tímido. Procuramos as duas pelo salão. Estão num canto rindo com o garoto do moicano. Isso me recorda algo. "Você sabia que o Kurt tinha esses tipos de amizades?", pergunto a Finn. Ele dá de ombros. É um gesto habitual dele. "Nunca os vi antes, mas depois que entrou praquele clube de música e que saiu do armário muita gente quis ser amiga dele", Finn me explica. A mãe de Finn, há alguns anos, se casou com o pai de Kurt, então desse modo Finn e Kurt são meio-irmãos. Mas se tratam muito mais como irmãos consanguíneos. E Finn não tem nada a dizer sobre Kurt se interessar por meninos. Na verdade, Finn até disse algo sobre isso uma vez. Disse: "Tanto faz, você continua sendo meu irmão". Ele falou isso quando Kurt nos contou sobre ser gay. Eu não disse muita coisa na ocasião, porque, intuitivamente, já sabia. É fácil perceber quando um garoto é gay quando ele se mostra muito alegre ao se propor a incrementar as suas roupas de apresentação de final de ano. Na verdade, adoro quando Kurt faz isso, pois assim me poupa tempo e dinheiro. Ele sabe como ninguém a deixar minhas roupas lindas. E tudo com o que preciso retribui-lo é com sorvete de macadâmia e filmes musicais. É muito fácil gostar de Kurt. Ele é um amor. Gostaria que ele arrumasse um namorado, porque o garoto com certeza vai ser um sortudo.
"Eu também nunca os vi, teria me lembrado da vocalista", digo.
Finn sorri, meio desanimado. "Esquisita, uh?", ele acaba comentando. Sei que está se referindo à Quinn. "Um pouco", minimizo minha verdade. Ela é esquisita, ok. Mas essa esquisitice dela é meio especial. Gosto disso nela. O que me deixa meio nervosa é o seu tipo assustador. Por que ela quer parece tão assustadora? Pra falar a verdade, minha mãe não usaria esse termo. Ela usaria algo que não posso dizer aqui, porque é meio baixo. Mas mesmo assim, não sei se concordo com minha mãe. Só por causa dessas roupas e da maquiagem, Quinn não é uma vagabunda.
Bem, é isso aí. Minha mãe diria que Quinn é uma vagabunda. Espero que eu nunca diga isso pessoalmente a Quinn, porque seria um pouco arrogante demais. Talvez Quinn esteja numa faculdade, tenha um emprego legal na maior parte do tempo e tenha muitas responsabilidades importantes. Eu não quero sair julgando-a por se apresentar como uma vagabunda. Talvez ela nem seja uma.
Do mesmo jeito que não sou uma professora de jardim de infância, apesar de me vestir como uma. É o que Santana diz, ao menos. Que pareço uma professora de jardim de infância com minhas roupas comportadas e que, às vezes, são decoradas com bichinhos fofos. Às vezes, eu mato aula para ir à manicure ou para comprar cappuccinos com canela. Ou somente para fofocar com meus amigos. Pessoas certinhas, que têm seus guarda-roupas tão 'entediantes' quanto o meu, não fazem nada disso. Pessoas certinhas teriam medo de fazer contato visual com Cassandra, mas eu a enfrento muito bem. Certa vez, ela até mesmo não conseguiu atirar uma só palavra depreciativa após uma apresentação minha. Isso é uma vitória para alguém como eu: fracassada, solteira desde sempre e estagiária numa escola de crianças mal-educadas cuja remuneração mal paga minhas multas por atraso da biblioteca, nem todos os cafés que eu gostaria de tomar por dia.
"Vou perguntar à Sant sobre a carona", Finn pisca para mim e se afasta. Ele não desaparece, porque o bar não está lotado e porque ele é grande demais para se perder assim na multidão. Aciono meu celular e leio mensagens de congratulações de colegas que não estão ali. Tina, A Menina do Cabelo Colorido, se desculpa e diz que sua gata está com câncer, por isso está no veterinário. Sei que ela tem uma gata, a Madonna. Digo que não precisa se preocupar comigo, pois Madonna é mais importante. Tina não me responde. Pelo que a conheço e estou ciente de seu amor pela gata, sei que ela está sentada em algum lugar da clínica veterinária esperando mais informações. Cogito ir até ela, mas não sei que clínica está. Decido perguntar por Madonna pela manhã. Respondo muitos 'Obrigada!' e muitos blá-blá-blá, porque estou entediada e fazer isso ocupa meu tempo. Finn está demorando. Levanto os olhos da tela brilhante do meu celular e encontro Quinn perto de mim. Não muito perto, na verdade. Ela está passando. Acho que está indo a banheiro, está sozinha. Ela percebe que estou acompanhando seu movimento e para. "Hey!", ela diz.
É uma palavra muito engraçada quando dita por ela. Sua voz rouca e meio sexy me compele a sorrir. É uma voz muito gostosa de se ouvir, mesmo numa conversa.
"Oi", devolvo, porque não sei mais o que dizer.
"Estamos indo. Espero que tenha gostado do nosso show", Quinn fala. "Oh. Gostei, sim. Você é ótima", sorrio. Não quero fazê-lo, mas não tenho forças para me refrear. "Obrigada", é tudo o que ela me diz. Então, a conversa morre. Ela vira para trás, olha para alguém, e quando foca de novo em mim, sua expressão mudou. Está meio incerta. "Nós... Bem, nós vamos tocar em outro lugar daqui a pouco. Está a fim de ir? Você não ouviu quase nada do que temos a oferecer", Quinn diz. Está meio afobada, falando rápido. Aquiesço. Estou muito cansada, mas seu convite me injeta ânimo. "C-claro!", não sei por que estou gaguejando. Talvez seja a euforia. Eu nunca fui convidada para um show depois da meia-noite. Muito menos por uma vocalista de cabelo rosa que se veste como uma vagabunda. Isso é meio legal demais. Quero muito invadir seu mundo, saber como é sua noite, como são as outras canções.
Quinn sorri. "Venha cá", ela puxa minha mãe inesperadamente. Andamos até a porta de entrada, e percebo que os outros membros da banda não estão conosco. Quando ela abre a porta, vejo-os em pé no aguardo. Olho para trás, para o palco. Os instrumentos não estão mais lá. Durante toda a minha diversão, parece que alguém desapareceu com tudo. Uma van amarela está aparada no meio-fio.
Olho pela última vez o lugar, antes de me adentrar na van e deslizar pelo banco de couro.
Esqueço, imediatamente, da carona oferecida por Finn.
Tudo que sei é que tenho 20 anos agora e que quero aproveitar a minha noite com ao lado de uma garota vagabunda de cabelo cor de rosa.
Mais uma Faberry, yay! *-*
Bem, essa fanfic foi ~um pouco~ inspirada no filme de Nick e Norah, e a trilha sonora é composta pelas bandas The Pretty Reckless e The Runaways (que me ajudaram deveras a construir a personagem da Quinn). Quinn e Rachel narram a história com capítulos intercalados.
Comentem, por favor. Vivo de comentários ;)
Beijos, e até mais! :D
