Prólogo

As íris esverdeadas de Harry Potter estavam fixas na longa mesa em que cinco homens e duas mulheres conversavam relaxadamente, um comportamento completamente diferente dos três últimos casais competidores naquela noite. Enfiando as mãos dentro do bolso da calça do paletó, o homem tentou esconder todo o nervosismo que começava a ferver em seu íntimo com uma postura forçadamente relaxada e com uma expressão desprendida em suas feições.

Acalme-se, ele disse a si mesmo num tom baixo e seco. Após isso, franziu o cenho para os jurados, como se eles fossem os culpados por toda a confusão que se passava em seu cérebro. Claro, aquela culpa definitivamente era deles.

...

Tolice. Ele sabia que não era.

Deus! Quando pensara na possibilidade de se preocupar com uma competição - importantíssima, por sinal - de danças, em toda a sua vida? Ele, que odiava dançar! Se Harry pensasse muito naquilo, concordaria com o fato de ser uma piada muito cruel do destino - como tudo que acontecia em sua vida, aliás.

Suas feições contorceram-se em uma careta zangada quando percebeu que seu coração não havia obedecido à ordem de se acalmar - na verdade, o infeliz parecia cada vez mais apertado e cheio de ansiedade, deixando seu dono saborear sensações completamente angustiantes. Seu corpo balançava de um lado para o outro, incapaz de ficar parado e relaxado.

Desistindo de observar as feições e os humores dos jurados, Harry deu as costas e decidiu ir até o camarim em que ele e sua dupla estavam instalados para antes e depois de sua apresentação. Enquanto caminhava pelo corredor lotado, várias pessoas - uns desconhecidos, outros apenas rostos conhecidos da escola de danças - lhe dirigiam o olhar e sorriam, saudando-o, mas Harry os ignorou. Fosse pela sua típica atitude anti-social e revoltada ou pelo seu nervosismo, ele não saberia dizer.

Não demorou muito para que ele encontrasse o camarim com a estrela marcando o número oito, e o tempo para que ele abrisse a porta e se refugiasse no conforto e silêncio daquele cômodo foi ainda menor. Encostando-se contra a madeira da porta, fechou os olhos e respirou profundamente, repentinamente satisfeito com a breve calma que seu coração lhe concedeu.

O santuário de um camarim.

Deus do céu, ele estava louco.

- Encontrou seu padrinho?

A voz feminina, baixa e suave invadiu seus ouvidos, e Harry abriu os olhos, encontrando um par de olhos castanhos o encarando com genuína preocupação.

As emoções do homem, antes tão agitadas e confusas, pareceram acalmar pelo simples contato que seus olhos tiveram. As íris verdes ficaram fixadas nas castanhas, e Harry sentiu-se forte e confiante novamente. Ele havia recuperado o controle.

- Não. Estava cheio demais para que eu conseguisse encontrá-lo. - ele resmungou, preferindo não mencionar o fato de que também ficara realmente incomodado com aqueles jurados - Mas Sirius nos assistirá, ele prometeu a você, não foi?

Sem contar com o fato que ele jamais perderia seu afilhado passando a maior vergonha da vida, em sua opinião, Harry pensou secamente, mas também preferiu não mencionar isso.

Sua parceira assentiu, e o homem reconheceu o próprio nervosismo que tivera outrora no simples torcer de mãos da mulher.

- Sim, ele prometeu. - ela confirmou baixinho. Finalmente desviando seus olhos dos dele, ela olhou para o chão, levando as mãos fechadas à altura do peito. Franzindo o cenho, Harry se aproximou dela silenciosamente.

- Gina. - ele a chamou com um tom de voz rouco quando seus corpos estavam próximos o suficiente para que cada um sentisse o calor que o outro emanava. Ela ergueu o rosto, contorcido em preocupação, e ele a encarou desconfiado - Você está bem, não está?

- Sim... Não. - Gina admitiu em um sussurro, as mãos agora presas uma na outra firmemente - Quero dizer, o que estamos fazendo aqui?

- Competindo. - Harry respondeu num tom óbvio, erguendo uma sobrancelha. Gina pareceu perder brevemente todo o seu medo ante àquela resposta, pois suas íris castanhas brilharam zangadas ao responder:

- Não digo isso! Quero dizer - tudo o que estamos fazendo, apenas para provar a um idiota que eu não sou uma dançarina acabada... Esse orgulho todo de uma mulher rejeitada - Apenas para mostrar a um homem fútil que -.

Ela se calou, desviando o olhar mais uma vez do dele. Harry a encarou em silêncio por alguns segundos, absorvendo cada palavra que aquela magnífica ruiva havia dito.

Por fim, ele pousou as mãos grandes e quentes sobre os ombros pequenos da mulher, cobertos por um robe azul, e abaixou o rosto de modo que este ficasse mais próximo do dela.

- Diga-me uma coisa, Gina - Harry começou casualmente, mas com um surpreendente tom gentil em sua voz - Você ainda sente algo por ele? Sente algo por Malfoy?

Gina arregalou os olhos, e tentou se afastar do toque de Harry àquelas palavras, mas ele não permitiu. Ainda horrorizada, ela balançou a cabeça negativamente repetidas vezes, antes de balbuciar num tom incrédulo:

- Depois de tudo o que aconteceu... C-como eu poderia -.

- Você disse que está aqui apenas para provar a Draco Malfoy que ele está errado. - Harry respondeu simplesmente, colocando as próprias emoções em cheque para continuar aquela conversa - Tecnicamente, você ainda se preocupa com o que ele pensa. Isso seria uma prova de que ainda sente algo, também?

Se ela admitisse que ainda sentia algo por ele... Aquilo não só iria quebrar toda a sua argumentação a respeito da competição, como também iria deixá-lo sinceramente perdido, e de uma forma que ele não gostaria de estar; porque ele fora idiota o suficiente para deixar que aquela mulher entrasse em sua vida mais que o necessário.

E se ela dissesse que Malfoy ainda -.

Mas Gina não permitiu que ele continuasse pensando nisso.

- Como eu poderia sentir algo por ele? - ela perguntou num tom ofendido, mas aquilo não afetou Harry. Gina franziu o cenho e tentou mais uma vez se afastar, mas dessa vez foi de forma mais ofensiva que outrora - Depois de me humilhar e me pisar repetidas vezes, depois de tentar me pintar como uma piada em jornais e entre as pessoas mais importantes na minha carreira... Eu não sinto nada por ele, não romanticamente falando.

- Romanticamente falando? - ele ergueu uma sobrancelha, ignorando o súbito alivio que o preencheu.

- Sim. - Gina assentiu - Porque eu tenho sentimentos por ele... Eu o considero um arrogante, desprezível, interesseiro, canalha, safado, egoísta, -.

- Okay, okay. - Harry a interrompeu, procurando conter o riso que queria loucamente escapar de sua garganta - Eu entendi seu ponto -.

- E tenho um total sentimento de desprezo por ele. - Gina rosnou, ignorando Harry - Falo sério, Potter. Se eu pudesse, atolaria meu pé esquerdo - meu precioso pé esquerdo - no meio daquele rabo ganancioso dele até que -.

- Gina. - Harry a cortou, agora não conseguindo conter a risada, ainda que isso tenha trazido um franzir ainda maior ao cenho de Gina - Eu entendi o que você quis dizer, não precisa ficar toda empolgada.

- Não teria ficado se você não tivesse me ofendido. - ela retrucou com azedume, finalmente conseguindo se afastar um pouco dele, ficando assim de costas a ele.

Harry, mais uma vez, não pareceu abalado. Simplesmente cruzou os braços e retrucou solenemente:

- Estava apenas tentando mostrar a você a realidade.

Aquilo chamou a atenção de Gina. Virando o rosto para que pudesse encará-lo, ela o fitou confusa:

- A realidade?

Harry poderia ter transformado aquele momento em algo romântico. Ele realmente poderia tê-la tomado nos braços e dito todas as palavras que precisava dizer, palavras que ele sabia que tocariam no fundo do coração daquela mulher; após isso, ou antes disso, ele poderia beijá-la ternamente, expressando todo o companheirismo que ele queria demonstrar, ou deslizar as mãos por dentro daquele robe, fazendo com que o contato de suas peles a arrepiasse, enquanto ele sussurrava a verdade a ela.

Mas não foi o que ele fez. Harry se largou no sofá do camarim e descansou os braços atrás da cabeça, fechando os olhos. Sabendo que Gina o observava atentamente, bocejou e retrucou calmamente, como se dissesse o óbvio:

- Você não está competindo hoje por causa desse homem. Tudo o que você passou até agora com todos esses treinos e jurados não é por causa do que ele disse a você, ou por causa do que disse. - ao abrir os olhos, as íris de Harry perfuraram as de Gina, e ele continuou: - Ganhar essa competição não é para provar a ele do que você ainda é capaz, Gina, mas é para provar a si mesma. Você precisa dessa confirmação.

A ruiva ficou momentaneamente paralisada pelas palavras do homem, e Harry pôde jurar ter visto lágrimas dançando naqueles belos olhos - ele não poderia confirmar, entretanto, uma vez que era estupidamente míope.

- Harry. - Gina disse suavemente seu nome, e um belo sorriso desabrochou em suas expressões femininas - Obrigada. - sussurrou.

Harry abriu um arrogante sorriso de lado, digno de um parente de Sirius Black. Também, tamanha arrogância não era pra tanto: ele havia conseguido restaurar a confiança em sua parceira; sua bela e magnífica parceira de dança, sua professora e a mulher por quem estava potencialmente se apaixonando.

Subitamente, compreendeu todo o motivo de seu próprio nervosismo. Estava preocupado em ganhar aquela porcaria de competição não por causa dele ou por causa da importância daquilo, em geral - ele não poderia se importar menos com toda aquela besteira. Mas sim, estava preocupado em vencer porque, assim, Gina também venceria. E ele sabia o quanto aquilo era importante a ela.

Suspirando, Harry refletiu o quanto a vida sabia fazer piadas com ele.


Notas: Não, por favor, NÃO ME MATEM!

Como essa é a minha última semana antes de me dedicar horrores para o vestibular, senti vontade de escrever em algumas das fics que estão paradas. Contudo, depois de ficar quase meia hora tentando escrever na Minha Doce Noiva ou na O General, percebi que eu tava completamente bloqueada...

... Até que eu li a Ritmo Quente, de novo. E me senti na obrigação de escrevê-la. Mas aí eu não gostei de algumas (várias) coisas escritas, e decidi consolidar a idéia primeiro e começar a reescrevê-la. Então agora já tenho o prólogo e o primeiro capitulo pronto a vocês. Espero que vocês gostem desse novo formato (que não muda muita coisa além do prólogo, praticamente), a história em si, o contexto dela será o mesmo.

Agradecimento a todos os que tem acompanhado a fic

Beijos :*