- SOBRE ROSAS E ESPINHOS -
CAPITULO I
Yomi reclinou-se na cadeira do computador. Na tela alguns relatórios sobre as medidas determinadas pelo rei Eiki e que deveriam ser seguidas pelos governantes do Makai. Usava na testa um aparelho muito sofisticado que lhe permitia ler as estatísticas, projetando imagens diretamente no cérebro, mediante ondas eletromagnéticas. Gandara, seu reino, era uma ilha de tecnologia no meio de um mundo onde muitos lugares ainda eram primitivos ou inóspitos. Haviam maquinas ali que o humanos ainda demorariam alguns anos a inventarem e, por outro lado, o rei sempre procurava estar atento às descobertas do Ningenkai.
Suspirou.
Logo que Eiki assumiu disse que a única regra era não perturbar os homens. Que tolice. Ser o rei do Makai era muito mais complicado do que aquele demônio pensava. Logo, com o passar dos meses, outras condicionantes surgiram. É claro que não seria apenas não perturbar os homens, é claro que surgiriam outros problemas do próprio Makai para o rei cuidar. E é claro, que como governante de Gandara, a megalópole do Makai, o burocrático Yomi teria que lidar com esses pequenos detalhes também: demônios que não respeitavam tais regras, a definição do que era incomodar, problemas com insubordinação, comida, etc, etc, etc...
Por isso a viagem com Shura durou tão pouco. Fora impulsivo ao pensar que poderia simplesmente seguir por aí com a criança, sem ser incomodado. Não, um governante tem responsabilidades. Eiki lhe pediu, e tinha que concordar, que não poderia realmente deixar Gandara nas mãos de qualquer pessoa desabilitada, isso geraria o caos social.
Passado um ano do torneio, ainda não havia conseguido se acertar com Eiki. Achava que não ia se acertar nem em mil anos.
Toc-toc-toc
Três delicadas batidas foram dadas na porta, tão somente por educação. Yomi já sabia que o empregado chegaria para anunciar um ilustre visitante.
_ Senhor Yomi, o Senhor Urameshi veio visitá-lo e aguarda no salão de visitas. - disse o youkai de pele avermelhada. Vez uma reverencia e se retirou.
Yomi levantou-se. Fazia algum tempo que não via Yusuke. Depois da luta, na verdade só o vira no hospital. Acabou que vários compromissos impediram os dois reis de se falarem. Se bem que o rapaz não tinha o menor interesse em ser rei.
O salão de visitas era um espaço amplo e bem decorado, com poltronas confortáveis e ikebanas. Localizava-se num pátio interno, no meio de um jardim de pedras e uma grande fonte. Era, de forma contrastante, uma sala até tradicional em relação ao moderno palácio de Gandara.
_ E aê, Yomi! - Yusuke se levantou, sem muita formalidade, como já era característico.
_ Yusuke, que visita notória. - Yomi cumprimentou-o, a voz calma e rouca.
_ Achei nem te encontraria aqui. O Kurama tinha falado que você estava viajando por aí com Shura.
_ Pois é. Infelizmente, tive que terminar mais cedo essa aventura. Eiki me convocou e agora ao que parece não sou apenas o rei de Gandara, como também sou um espécie de ministro do Makai.
Yomi virou-se ouvindo passos suaves se aproximando do salão.
_ Minako, por favor, traga-nos chá e biscoitos.
Tratava-se de uma funcionária do palácio. A youkai fez uma reverência e foi buscar o que se pediu.
_ Todo mundo por aqui é mudo? - perguntou Yusuke, depois de reparar que aquela era a quarta empregada que não falava.
Yomi sorriu.
_ Não, é que barulhos nem sempre me agradam muito. Mas a que devo sua visita?
A empregada de antes voltara com o chá e os biscoitos solicitados. Yusuke pegou um e se deliciou. Eram leves e derretiam na boca. Pegou mais um três e falou de boca cheia:
_ O negócio é que Eiki também me chamou. Eu falei pra ele que era Hokushin quem dava as ordens lá no reino, mas ele ouviu? - Engoliu os biscoitos com um pouco de chá. - Daí vim pedir uns conselhos seus, porque a gente é até meio parecido no fato de detestarmos enrolação, mas você sabe lidar melhor com esses negócios que eu. E além do mais queria ver como tava sua cara depois dos socos que te dei no torneio.
Yomi sorveu um pouco do chá. Sorriu por trás do copo.
_ Quanto à minha cara, está bem melhor que a sua, eu suponho, já que não fui eu quem passou uma semana no hospital. Quanto à convocação de Eiki, quem diria hein, um estúpido pedindo conselho pra outro? Tudo bem. Podemos ver o que fazer. Hoje eu estou um pouco atarefado com os relatórios que se acumularam desde a minha viagem, e alguns despachos, mas exatamente daqui há uma semana estarei livre. - e tomou outro gole de chá.
Urameshi suspirou. Só ficou um biscoitinho no prato, enquanto o demônio de longos cabelos pretos falava. Seria deselegante comer esse último sobrevivente?
_ Ih, rapaz. Daqui há uma semana não dá. E isso me leva ao segundo assunto que quero tratar com você.
_ Diga.
_ Bom, o papai aqui vai colocar a coleira no dedo. - ao perceber que Yomi levantara uma sobrancelha, Urameshi sorriu. - Pois é, cara, vô casar morrer. Daí queria chamar todo mundo né? Mas uma boa leva dos meus amigos tem chifres, ou dentes enormes, etc. Perguntei pro Koenma se o Reikai não tinha nada que pudesse esconder essas coisas, pra eu poder convidar você, o Jin, e os outros. Daí ele falou que não tinha, mas sabia onde achar...
_ Ah sim. E eu aposto que ele disse que em Gandara você conseguiria? - perguntou o youkai.
_ Pois é.
O demônio mais velho terminou seu chá.
_ Sim, eu poderia providenciar para você. É um anel que camufla esse tipo de coisa. Roubei uns cinco ou seis desses antes de me tornar rei. Mas você está cheio de pedidos, hein? E o que eu ganharia em troca?
_ Bom, são dois né? Então, pros anéis, eu to te chamando pro meu casamento, vai! Nada mais justo que os noivos receberem um presente! É ou não, Silviou?
Yomi riu, discretamente. Na verdade era mais como uma fungada no nariz. Apesar disso, era impressionante como Urameshi lhe devolvia um pouco daquela sensação de estar com pessoas de que gostava.
_ Está bem, está bem. Se vocês humanos tem esse hábito, que seja. Será uma compensação por você ter cantado vitória e perdido pra mim.
_ Ah, Yomi! Não apela não! - Yusuke mostrou o punho numa falsa irritação - Ainda te pego!
_ Bem - limpou a garganta - quanto à Eiki, eu acho que seria bom se em troca você treinasse um pouco com o Shura. Para falar a verdade, eu ando muito ocupado e isso tem deixado o garoto frustrado. Está treinando com os comandantes, mas logo vai superá-los. Então, seria bom se vocês treinassem um pouco juntos.
_ Ih, virei babá agora? Tudo bem, meu chapa. Já é. Bom, então podemos ver isso daqui há quinze dias, já que no final de semana e nos dias seguintes vai ficar mais difícil pra mim.
_ Não tem problema. Sábado é meu aniversário, e vou ter que me dividir entre análise de documentos do reinado de Eiki e algumas visitas entediantes de youkais que se julgam importantes (Mukuro não está incluída).
_ Ah é seu aniversário, é? Pô, tá precisando mesmo descansar, hein, Yomi. Porque não vai pro Nigenkai?
_ Ir pro Ningenkai?
_ É, ir pro Ningenkai. Vou dar uma despedida de solteiro. Alguns caras e algumas bebidas, nada muito Hollywood. Prepara aí essas "esconde-youkai" e vamo que vamo. To chamando só os mais chegados. Então vê se vai. - Urameshi falou se levantando e já se dirigindo até a saída. - Por que se não seria politicamente muito feio, o rei de Gandara não comparecer a um evento social dessa grandeza. - E piscou, indo embora. - Te aguardo na sexta-feira.
O demônio cego sorriu, enquanto Yusuke se afastava do palácio. O conhecia pouco, mas já o considerava uma pessoa quase amigável, se é que poderia dizer isso. Yomi não tinha amigos há muito, muito tempo. Mas de alguma forma, o filho de Raizen era tão parecido com ele, que quase sentia uma amizade entre os dois. Era bom, finalmente começar a curar algumas feridas, com cautela, é claro.
Comeu o solitário biscoito deixado ali, que o afoito Yusuke se controlara tanto para não devorar.
Talvez devesse comparecer. A verdade é que, em primeiro lugar, não fazia ideia do que vinha a ser uma despedida de solteiro. Mas a de Yusuke não seria "muito Hollywood" (o que seria algo Hollywood?). Em segundo lugar, agora que estava com o dobro de responsabilidades, um momento relaxante seria bom. No entanto, havia um problema ali. Um problema de passos suaves e voz delicada. Um problema chamado Kurama.
E como lidar com isso? Era um masoquista irremediável. Mesmo depois de mil anos, ainda era um pouco abalado com a presença do ultimamente-ex-youkai. Durante a viagem com Shura, na qual foi tão-somente um youkai qualquer, sem títulos, pensou muito no rumo que as coisas tomaram na sua vida. Pensou na vida de forma geral. O tempo passava e se tornava cada vez mais filosófico. Enfim, Kurama ainda ocupava um lugar muito contraditório no seu coração.
E se não fosse ao evento, provavelmente Kurama pensaria que seria por causa dele. Então era melhor ir, e agir como se não fizesse mais tanta diferença assim. Não era assim que tinha feito no Torneio Makai? Apenas para então sentir a sensação de tê-lo por perto, ainda que por causa de uma ameaça e de uma dívida? No final se machucou ainda mais. Um sentimento que estava esquecido foi simplesmente a reavivado. Como se tirasse muitas coisas de dentro de um quarto e lá encontrasse algo que há muito não via mais.
Mas, era era melhor manter a posição e fingir que tudo estava bem, que não fazia diferença. Talvez dessa forma até mesmo ele, o próprio Yomi, acreditasse nisso.
Urameshi saiu de Gandara sorrindo, como se tivesse feito alguma coisa que ele chamaria de "muito foda". Yomi estava mesmo precisando de descanso. E era até um cara bem legal. Lamentava mesmo que Sensui e Toguro não tivesse traçado o mesmo caminho do rei, e tivessem morrido, porque também eram caras que ele admirava muito.
Ficava feliz mesmo pelo fato de Yomi não ter morrido. Mas agora, o que ele estava precisando era de descanso. Pelo amor de Deus! Se Yomi não fosse cego, com certeza estaria com olheiras. Não há duvida que a trabalheira que ele tinha estava sendo cansativa. E imaginava já o que lhe aguardava. É claro que tinha deixado a maior parte das coisas aos cuidados de Houkushin e dos outros carecas, mas percebia que tinha coisas que só ele podia fazer.
Se não, Yomi nem tinha voltado mais da sua peregrinação!
Então tudo que podia fazer agora era chamar o amigo para seu casamento, que finalmente iria acontecer (afinal promessa é dívida!) e passarem um final de semana com a galera na praia do templo de Genkai. Chamar Yomi não era algo que tinha planejado, mas quando percebeu, aconteceu.
_ Vai ser legal. - disse para si mesmo e para o vento que passava leve, ecoando entre os prédios.
Continua...
N/A: Olá, pessoas. Bem-vindo a um (raro) fanfic yaoi YomixKurama que não seja sobre o passado (não que as histórias do passado deles não sejam ótimas, eihn!).
