Um Livro

Um encontro especial e estranho:

Não é que eu seja tímida ou um tédio a ser tolerado quando estou junto de alguém. As pessoas poderiam se surpreender pelo vasto conhecimento que possuo se apenas tentassem conversar comigo. Mas os humanos são tão ignorantes. Mal agüentam sequer olhar para mim, quanto mais iniciar uma conversa que alcance meu nível, deixam-me espantada com sua estupidez. Por isso nem lhes dou mais importância, se eles me acham uma aberração, que seja, eu sou e serei, mas não preciso me humilhar na frente de um bando de macacos que mal sabem sua própria história.

Nem meus próprios companheiros conseguem me animar. Eles são ótimos, perfeitos, mas não para mim. Me socializar com outras pessoas simplesmente perdeu o atrativo, toda a esperança que tinha de poder conversar sobre diversos tipos de conhecimento antigo e novo escapou. Preferia ficar longe de todos, acho que tanto tempo isolada me deixou acostumada.

Meu quarto é meu único refúgio, o único lugar em que eu realmente me sinto calma, confortável, normal. Ele é meu e eu consigo penetrar nos confins da minha alma, e nas brumas de meu pensamento ali. Naquele recinto me permito sentir uma das poucas coisas que me divertem, quando toco num de meus livros e deixo meus olhos o analisarem, acariciando lentamente o objeto que me proporcionava tanto prazer. Não posso deixar que meus lábios não formem um sorriso ao entrar naqueles mundos misteriosos, tão belos e horrorizantes ao mesmo.

Aquelas histórias incríveis de personagens fortes e seus destinos inexoráveis. Achava incrível como os autores podiam se despir em um simples pedaço de papel, e como o sentimento que ali colocaram pôde sobreviver tantos anos no papel sujeito ao tempo. Maravilhava-me com os gestos daqueles seres, e mesmo já tendo uma bagagem literária grande o suficiente para conseguir prever a ação seguinte, me surpreendia com o desfecho da trama e podia passar horas, dias ou mesmo semanas trancafiada no meu santuário apenas para saber o final do livro.

Parece tolice para muitos, mas para mim é quase ou tão importante quanto sangue. Para mim, aqueles livros são vida. As condições de minha existência me impedem de ser ingênua e alegre como Estelar, ou boba e feliz como Mutano; queria poder ser corajosa e decidida como Robin, ou calma e sempre determinada como Ciborgue. Mas não sou, não posso, e todos os sentimentos que preciso suprimir sempre me são passados, se fazem sentir enquanto eu leio um romance.

Pelos deuses, não pensem que sou como aquelas garotinhas mimadas que vivem à espera de seu príncipe encantado montado num belo garanhão branco, passando detalhe por detalhe toda a sua vida para quando ele chegar. Deuses!, tenho pena dessas meninas, elas me irritam. Quando eu digo um romance, falo de um livro geralmente extenso, com muitos personagens, de caráter fictício ou não, muitos tramas se desenrolando ao virar de uma página. É incrivelmente emocionante.

Verdade que nunca poderei sentir, realmente sentir, o abraço forte que a princesa recebe de seu amado, ou os beijos ardentes e por pouco controlados, do herói em sua amada. Talvez nunca poderei vir a sentir o peso da culpa de algum pensador, ou a faca nas costas de uma traição, sei o que são e posso imagina-los, mas as única emoções que realmente conheço e controlo são a raiva e o medo (apesar de nunca admiti-lo na frente de alguém), e por isso consigo sentir a excitação do cavaleiro na luta, o perigo o espreitando perto.

Foi assim naquele dia. Um dia como qualquer outro: depois de uma discussão sobre meu jeito de ser, meu quarto me oferece descanso e um romance me atrai. Cansada como estava falo com o velho e grande livro que se tornara meu novo entretenimento. Não o abri, apenas queria confessar um pouco de meus sentimentos ao invés de ler os de outros. O que eu não esperava, no entanto, era que ele me respondesse.

Eu, Ravena, a titã misteriosa falara com um livro e ele tinha respondido. A voz era grave e parecia um tanto cansada com o esforço da fala, o suspiro que eu achava que tinha ouvido era tão fraco que julguei estar imaginando coisas, mas de novo, a mesma voz masculina preencheu meu quarto. Folheei as páginas do livro procurando por algo movida por uma súbita onda de curiosidade, e, em algum momento, fitei dois olhos escuros me observando.

Na terceira vez que o livro falou ele me cumprimentou. Seus negros olhos continuavam a me analisar; um olhar penetrante que impelia uma resposta que simplesmente não se formava em minha boca, tal era minha surpresa.

- Quem é você? – apesar de todo meu esforço senti minha voz falhar, ainda espantada e implorei para que não percebesse, mas já era tarde.

- Malchior. A história que você lia era minha, assim como o livro em que estou aprisionado.

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Jubbles falando:

Acho que esta é a primeira fanfic em português onde Malchior aparece. É uma pena, ele é um personagem encantador. Para aqueles que não sabem, antes de Trigon, o pai de Ravena entrar na dimensão humana, ela teve um pequeno problema com suas emoções. Em um episódio Ravena aparece lendo a história de algum mago lutando contra uma fera perigosa, um dragão enorme que já tinha causado sofrimento e morte por onde passava, o mago lutava bravamente com o monstro mas a titã nunca chegou a terminar a sua história, o alarme a chamava para uma missão e em sua excitação para finalmente terminar o livro o problema mal acaba e ela já volta para a Torre Titã, É quando percebemos que o livro tem vida e a adolescente sombria passa por crise de se sentir estranha graças aos comentários de Mutano. Não lembro do nome dos episódios em português, mas em inglês é 'Spellbound'.

Materiais contendo MalRae tem em toneladas em inglês, algumas em espanhol, mas nenhuma em português! Então aqui estou eu fazendo uma (terrível) colaboração para o acervo do me.