Death Note © Ohba e Obata.


It will all be over, and here we are
we're stuck inside this salted earth together.
You'll pierce my lungs
my limbs go numb
as my colors fade out.

You watch me bleed.

You watch me bleed.
(Watch Me Bleed – Scary Kids Scaring Kids)

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Se olha no espelho mais uma vez, observando cautelosamente o rosto delicado e antes alegre que se encontra rodeado por uma nuvem de cabelos loiros. A maquiagem é a mesma de sempre, ressaltando a palidez da pele que já perdeu o viço com traços de negro e tons de vermelho. As roupas também são pretas como de costume, mas com um significado diferente do que tinham antes, adquirido há mais tempo do que sua psique devastada é capaz de recordar.

O relógio digital do celular marca onze horas e trinta e dois minutos da manhã de um dia que ela sequer sabe qual é, seja da semana ou do mês, e só consegue ter a mais vaga ideia da época do ano em que se encontra graças à temperatura fria que contribui para deixar seus dedos mais gelados ao toque da navalha mais fria ainda. Ainda possui a aparência de moça, apesar de abatida, mas seu rosto e seus olhos fundos já não têm mais a capacidade de esconder o sofrimento e a loucura que a corroem por dentro. Com o pequeno pedaço de metal afiado entre os dedos, tomando todo o cuidado para não se cortar ainda, dá as costas ao espelho e volta-se para o box do banheiro, adentrando-o e girando vagarosamente o registro do chuveiro. Mais um metal frio fazendo percorrer um calafrio por aquele corpo frágil cuja mente já aprendeu, contra sua própria vontade, a não se importar com nada que não tivesse a ver com aquele cujo nome agora lhe escapa à mente, fazendo com que entre em desespero.

A água, de início também gelada, começa a cair em pingos grossos sobre sua cabeça, quase como se implorando para que Misa desperte e não dê continuidade a seus planos, e vai gradualmente esquentando ao que o resistor vai fazendo sua parte. A dor que sente, no entanto, é maior, e mais uma vez toma conta de si. Faz com que encoste as costas contra a parede molhada e vá deslizando de encontro ao chão até que se sente. Olha para os lados do pequeno cubículo, como se para se assegurar de que realmente está só e conseguirá ir adiante, e apenas deixa um sorriso de serenidade perturbadora brotar em seus lábios ao que ignora a dor e crava uma das pontas da navalha na pele clara e já encharcada de seu braço direito. Arrasta-a para baixo e para os lados e repete a operação mais e mais vezes, o sorriso se alargando ao que o sangue começa a escorrer pelos talhos que abriu no próprio corpo, misturando-se com a água agora quente que desce em direção ao ralo.

Vai sangrando lentamente, sentindo o próprio corpo começar a tremer ao que observa o rastro vermelho que começa nos cortes que ardem e doem, até que perceba que consegue, sim, se lembrar do nome do homem que tanto ama. É Light, Light, Light assim como a cor clara que toma conta de sua visão antes que estes só enxerguem a escuridão infinita.

A moça sorri, deixando o nome dele escapar de seus lábios frios e arroxeados que tremem como se este fosse uma prece, um mantra sagrado ou o nome de um deus. Tal santidade condiz perfeitamente com a imagem, ainda que apagada quase que por inteiro de sua memória, que ainda tem dele. Ele é deus e ela é sua deusa.

Tenta acreditar nisso antes de se deixar levar pela água, mas se esquece de apenas um pequeno detalhe. Deuses não sangram.


[N/A] Idéia muito velha que só fui escrever agora. A Misa é uma personagem que eu odiava no começo, mas de quem depois fui ficando com pena e até gostando. Acho que ela merecia um final melhor.

"Memento mori", a propósito, é uma expressão em latim que significa "lembra-te de que és mortal".

Mandar review não tira pedaço e me deixa feliz. :)