Título: Infância

Autora: Lumack

Classificação: T

Sinopse: Nada mudava em Spinner's End.

Dedicatória: Para Jesse. A primeira que eu escrevo (e termino) em muito, muito tempo. Um mini-presente-de-aniversário-adiantado, talvez? xD

N/A: Não estou preocupada em ser fiel aos livros, logo, reclamações quanto a isso serão apenas lidas e ignoradas. Reviews, todavia, são sempre bem-vindas.


"Digam que foi mentira, que não sou ninguém,
que atravesso apenas ruas da cidade abandonada,
fechada como boca onde não encontro nada:
não encontro respostas para tudo o que pergunto
nem na verdade pergunto coisas por aí além.
Eu não vivi ali em tempo algum."

(Ruy Belo)


Apoiou-se contra a cerca gradeada do jardim, as pontas soltas e enferrujadas do arame furando sua pele. Não se incomodou. Há muito tempo já aprendera a lidar com ferimentos como aqueles – antes mesmo de descobrir sua magia.

De onde estava, à margem do jardim descuidado por meses, observava em silêncio o pouco que havia para observar.

Como sempre fora, as ruas estreitas, tão descuidadas quanto o jardim de sua mãe, estavam desertas e acumulando lixo – e as casas à beira delas, assim como a sua, pareciam meros entulhos acinzentados esperando que alguém as varresse de uma vez.

Em Spinner's End, tudo era cinza. Não havia plantas, não havia movimento, o céu sempre nublado. E, com o tempo, os habitantes pareciam ter lentamente adquirido um tom acinzentado também. Assim como ele.

Ainda assim, a paisagem monocromática sempre o atraía. Ali, sentia-se menos sufocado, e o silêncio, tão raro dentro de sua casa, era abundante assim que ultrapassava o limiar da porta.

Ignorando o som distante de gritos às suas costas assim como fazia com o odor fétido do lago poluído perto dali, deixou que seus olhos acompanhassem a pequena movimentação que surgira no começo de sua rua. Duas meninas, em idade próxima à sua. Brincando entre si, conversando e rindo alto, enquanto caminhavam. Era sempre assim.

A… alegria das duas era, a seu ver, quase uma aberração em um lugar como aquele. Não existia jovialidade em Spinner's End. Tudo ali era tão sujo quanto as vidraças das casas vizinhas.

E, contra aquele cenário acinzentado, os longos fios de cabelo vermelhos de uma delas, caídos sobre um vestido de flores excessivamente colorido, criavam tal contraste que os lábios de Severus crispavam-se amargamente diante de tamanha extravagância.

Odiava a forma como a garota parecia, com sua mera presença, estilhaçar tudo ao redor a que estava acostumado. Com que estava conformado.

E, todas as tardes, ficava naquele mesmo lugar, apoiado na cerca velha do jardim, esperando que ela passasse. A garota odiada era uma mancha viva no meio de uma paisagem morta.

Acompanhou-as com o olhar até desaparecerem mais uma vez ao final da rua, deixando-a despida de cor e vida novamente, ignorando todos os fantasmas daquele lugar que as observavam passar com inveja nos olhos, assim como ele.

O barulho de asas o fez olhar para cima. Contra o céu nublado, divisou uma coruja esbranquiçada voando em círculos acima de sua casa. Sentiu a magia correr por sua pele como eletricidade e, por alguns instantes, quase acreditou em um presságio. Então viu as nuvens carregadas e balançou a cabeça. Nada mudava em Spinner's End.

Afastando-se da grade, espreguiçou-se um pouco, na tentativa de afastar as dores do corpo, sequer notando o leve latejar dos pontos em que o arame velho perfurara a pele macilenta de seus antebraços.

Virou-se e percorreu o curto caminho por entre a grama alta e os sacos de lixo que atulhavam o jardim, até chegar à porta e adentrar a casa novamente. Ignorou as manchas vermelhas do próprio sangue na cerca velha de arame.