O acampamento para melhorar a dança de todos que Mr. Schuester tinha inventado estava até fazendo progresso. A maioria estava cansada da bateria, mas melhoraram muito.

À exceção, é claro, de Finn Hudson.

Sinceramente, se eu não quisesse tanto aquela coroa da rainha do baile, já teria desistido de Finn há muito tempo. Ele era um bom garoto, mas era muito desastrado e bobo, sempre caindo nas teias da maldita Rachel Berry.

Aliás, ela fora o alvo dele no acampamento. Levou uma pancada feia naquele nariz enorme e judio dela. Não que eu não tenha controlado meu riso quando Finn bateu a mão gigante nele ao fazer um passo muito estranho e abrir os braços, porém foi engraçado. Até eu ver o sangue saindo e ele sair carregando ela pelos corredores com Mr. Schue.

Mesmo depois da semana das Regionais e tudo o que tinha falado para ela, sobre esquecer Finn e seguir sua vida (eu estava ajudando, poxa!) para a Broadway, eu sabia que ainda tinha alguma coisa entre eles. O olhar que Finn me dava nunca era o mesmo que dava a ela. Comigo, era apenas paixão, coisa de momento. Mas com ela...

Suspirei, pegando minhas coisas quando o professor deu por encerrado o acampamento. Ia causar problemas aquele nariz quebrado, eu sentia.


— Uau, você vai fazer uma plástica no nariz — murmurei abalada no dia seguinte quando Rachel chegou comentando sobre sua consulta no dia anterior.

— Considero fazer um pequeno procedimento para reparar meu desvio de septo — ela contornou, olhando para todos.

— Então, uma plástica no nariz — insistiu Santana.

— Olha, estou feliz com a minha aparência, certo? E eu aceitei meu nariz. Mas digamos que eu queira um nariz mais modesto. Como o da Quinn, por exemplo.

Rachel olhou para mim com admiração. O resto do Glee me encarou como se eu fosse a culpada daquilo; Finn bufou irritado do meu lado. Ótimo, nem meu namorado tinha a capacidade de me defender.

Se eu estava feliz por ser o modelo da Rachel? Não sei. Ela parecia realmente animada por querer um nariz mais fino — ou perfeito como o meu —, mas, de repente, eu não queria aquilo. Parecia-me errado que a judia baixinha mudasse seu visual. Ela nascera com aquilo, por que não poderia aceitar?


Pai... — a garota implorou, olhando direto nos olhos do homem. — Eu não quero ser mais a Lucy, quero ser a Quinn!

Mas, meu amor — a mãe interrompeu a discussão em um tom condescende. — Você é linda dessa forma, não precisa de cirurgia.

A menina caiu emburrada no sofá. Chorava tristemente. Era o que ela queria. Apenas aquilo. Um nariz perfeito. Suas roupas já estavam folgadas, com certeza entraria para as líderes de torcida do colégio novo. Ela queria começar de novo. Não ser mais Lucy, ser Quinn, ser uma nova pessoa.


O flash de memória fez minha cabeça doer. Rachel ainda discutia com o Glee sobre sua plástica. Santana dizia algo sobre não estar feliz com sua aparência e apenas mudar o que há nela. Tentei acompanhar, mas minha mente estava longe da sala do coral.

Rachel queria arrumar seu nariz de judia. Eu sabia por que ela estava fazendo aquilo, e não era para nos dar mais chances no Nacional. Ela queria o meu nariz. Não precisava pensar muito para formar um plano e ajudá-la.

— Oi, Rachel — cumprimentei com meu melhor sorriso a baixinha enquanto ela estava arrumando algo em seu armário. — Como vai?

— O que foi Quinn? — ela indagou, deprimida. — Veio me zombar por querer ser bonita?

— Não... Na verdade, quero te ajudar. — Rachel subiu os olhos para mim rapidamente. Foi um momento estranho, mas eu fiquei de certa forma feliz ao ver o brilho no olhar dela. — Eu vou servir de base para que você tenha o nariz de seus sonhos.

— Sem pegadinha?

Sorri. Eu precisava fazer algo contra a minha remanescente reputação de matadora de aluguel naquele colégio. Rachel obviamente estaria esperando que eu aparecesse na consulta com fotos do nariz do Grinch para mostrar ao doutor. Pareceu tentador no primeiro momento, mas agora não era tão engraçado.

— Sem pegadinha. Eu prometo.

Ela deu um sorriso vitorioso. Rachel avançou um passo para mim como se fosse me abraçar, porém ao notar o que ia fazer se afastou bruscamente sem se despedir. Fiquei parada no corredor lotado, sinceramente desejando que ela tivesse me abraçado.


A reunião do Glee no dia da consulta me irritou. Mr. Schue tentava convencer a todos sobre o quão bonito e importante eram em suas aparências originais ao passar uma tarefa para que nós encontrássemos uma canção que falasse sobre inseguranças. Em seguida, ele disse que iríamos fazer Born This Way, de Lady Gaga.

Mas ele não sabia nada sobre insegurança. Eu não tinha idéia de como Mr. Schuester parecia quando estava na nossa idade, mas ele não sabia como era andar no corredor com todos os olhares de raiva e ódio se virando contra você, e você nem saber por quê. Já tinha passado por isso duas vezes na minha vida, e não deixaria que Rachel continuasse a levar raspadinhas por causa de sua aparência. Se fosse para levar raspadinha, que levasse por sua irritante personalidade.


Lucy, você é linda — insistia a mãe. — Se esforçou bastante para emagrecer e está perfeita assim. Ninguém irá te maltratar.

Ah, mas ela não tinha idéia, respondeu em sua cabeça sarcasticamente. Sua mãe não fazia idéia de como sofrera naquele colégio, de como garotos do fundamental conseguiam ser realmente malignos quando queriam. Ela não sabia. Sua mãe já nascera perfeita, com aqueles olhos verdes brilhantes e cabelos louros claros. Ela não sabia, jamais saberia.

Não me chame de Lucy — murmurou a menina, irritada. — Não sou mais Lucy. Quinn é muito mais legal.

O pai deu um muxoxo. A garota tinha certeza que ele a apoiaria. Ele queria que a filha fosse feliz em tudo, até na aparência. No entanto, àquela altura, enquanto viajavam de carro para Ohio, ele estava apenas indiferente. Talvez tomasse sua decisão quando chegasse à cidade nova, Lime, Lima, ou alguma coisa a ver com limões. Suas esperanças estavam todas depositadas nele para que finalmente fosse alguém de verdade, não uma total perdedora.


— Obrigada por estar fazendo isso — disse Rachel, se inclinando para perto de mim enquanto estávamos sentadas na sala de espera.

Eu não prestava atenção na revista ou na judia. Minha cabeça ainda doía por causa do novo flash de memória que tinha acabado de ter. A única coisa que me incomodava naquele momento era por que aquilo continuava acontecendo e por que sempre perto de Rachel e de seu nariz enorme, quebrado e inchado.

Mas eu não poderia transparecer isso, é claro. Por isso, levantei os olhos da revista e disse com um sorriso idiota:

— Me surpreende mais garotas não pedirem, meu nariz é demais.

Rachel deu um sorrisinho triste, como se não conhecesse aquela sensação. Voltei minha atenção à revista, reparando como, mesmo depois de quase dois anos tomando três aulas por semana juntas além do Glee Club, ela ficava apavorada na minha presença.

Bem, na verdade não apavorada, mas... Fraca. Acanhada. Como se eu fosse tirar um copo de raspadinha do meu sutiã e jogá-la na cara dela ali mesmo.

Apesar de que, na maioria das vezes, eu me sinta mesmo tentada a fazer isso, naquele momento eu não queria. Era um sentimento estranho, parecia que eu desejava o bem de Rachel Berry ao fazer o que estava fazendo. Eu esperava que ela ficasse bem depois da cirurgia, esperava que ela se sentisse mais bonita.

— Então, como é? — indagou Rachel, ainda oprimida pela aparente aura de beleza que saía de mim. — Ter a sua aparência?

Eu sabia que deveria responder rápido para garantir que continuasse a exalar confiança para a Berry, mas simplesmente não pude. Sentia-me feliz, por ter o corpo desejado por todos? Sentia-me triste, por que cada pessoa nesse mundo maldito aspirava ser meu amigo apenas para se sentir incluída?

— Basicamente, tenho uma visão deformada do mundo — disse, escolhendo as palavras lentamente. Rachel assentiu, escutando com atenção. — Sendo uma gostosa de 17 anos, você pode se livrar das coisas ou fizer o que quiser, então sempre presumo que as pessoas são legais e prestativas.

Sorri enquanto Berry me olhava com admiração. Não fora a melhor forma de escapar daquela pergunta, porém era o que acontecia. Além disso, que graça teria de estar ao lado de Rachel e não provocá-la um pouco com sua fraqueza?

O doutor logo saiu de seu consultório para nos atender. Rachel falou que não estava pronta ainda para sua cirurgia, pois queria ter um modelo de como ficaria e apontou para mim, dizendo que era uma de suas amigas.

Minha cara de espanto ou não foi notada pelos dois ou foi ignorada. Não consegui disfarçar. A judia estava me chamando de amiga, mesmo depois das coisas horríveis que tinha dito a ela duas semanas antes, depois de todas as coisas horrorosas que tinha dito a ela durante os anos que estudamos juntas. Não acreditava que depois disso tudo ela ainda me considerava o bastante para me chamar de amiga.

Ele elogiou meu nariz e falou dos procedimentos básicos para a baixinha. Vi Rachel concordar, contida. O doutor entrou para o consultório, nos aguardando. Ela deu um passo, mas parou. Senti que precisava fazer alguma coisa, Rachel estava paralisada de medo.

Pus a mão em seu ombro num gesto de solidariedade, achando tudo aquilo muito idiota. Desde quando eu tinha medo de tocar nas pessoas? Elas que deveriam ter medo de tocar em mim. Choques elétricos percorreram meu corpo quando as pontas dos meus dedos entraram em contato com o cardigã da garota. Ignorei e retribui o sorriso que Berry me deu.


— Rachel — chamei, já no meu carro a caminho de casa. Berry estava no banco do passageiro, se encolhendo completamente. Talvez ela estivesse com medo de ter alguma seringa no carro contaminada, sei lá. A judia estava estranha, muito estranha. — O que foi?

Rachel se aprumou no assento e enfiou o rosto nas mãos. Olhei para ela de soslaio, arqueando a sobrancelha. Não sabia que apenas uma consulta para melhorar seu nariz poderia causar tantos danos.

— Me senti meio feia hoje — ela respondeu num murmúrio por entre as mãos.

Virei numa curva, já chegando à casa dela. Engoli em seco. Quando a enfermeira estava tirando minhas fotos e mostrando para Rachel, eu tinha me sentido bem. Estava ajudando alguém, era a primeira vez que fazia isso de boa vontade — se ignorar quando Mercedes estava passando por maus bocados nas Cheerios no ano anterior.

— Me senti meio bonita — eu disse estupidamente. Parecia muito idiota falar isso para alguém com a alto-estima tão baixa quanto Rachel, mas eu simplesmente não consegui me controlar. A Cheerio que morava no fundo da minha alma ainda tinha como missão humilhá-la o quanto possível.

Ela deu um meio sorriso magoado. Continuamos em silêncio até o carro parar na casa dela. Rachel agradeceu a carona. Antes de entrar, no entanto, virou a cabeça para me acompanhar acelerando o carro para ir embora.

Eu tinha feito o certo? Finn me insultou de todos os nomes rudes possíveis quando disse a ele o que estava fazendo, mas eu mereço todo esse ódio — e agora vindo de mim? Quer dizer, Rachel poderia ficar realmente feliz com o resultado, ajudaria sua voz e a se tornar uma melhor estrela, faria ela mais bonita. Por que era tão errado o que estava fazendo?


Lucy Caboosey! — gritou alguém no corredor para a garota gordinha que passava. — Como vai o John, Caboosey? Ouvi que ele te deixou sozinha no baile, não consigo nem imaginar por que...

A menina corou de vergonha e apressou o passo para a aula. Não... As lágrimas encharcavam seus olhos, ela não poderia demonstrar fraqueza perto daqueles valentões. Fariam dela um alvo maior. Seus pés sabiam exatamente aonde ir.

Ela entrou no banheiro do andar que estava e se enfiou na primeira porta aberta que encontrou. Lá, chorou. Chorou por que não podia chorar em casa, por que não podia chorar na frente de ninguém. Uma parte dela tinha que ter orgulho do que era, uma garota rejeitada. Era a única coisa que lhe sobrara. Orgulho. Seu pai lhe ensinara que o orgulho Fabray jamais poderia ser abatido e ela tentava levar isso a sério.

Encarou o espelho

após boas horas chorando. Seus olhos estavam vermelhos e inchados. A garota mordeu o lábio inferior, passando água no rosto e se olhando novamente. Não deixaria ninguém pisar nela mais. Não seria para sempre a garota gorda, não voltaria a ser Lucy Caboosey nunca mais.

Naquele dia, mudaria. Mudaria para melhor. O orgulho Fabray a permitia fazer muitas coisas em casa, e agora ela estenderia seu reino àquela escola suja e idiota. Pela primeira vez desde que entrara no banheiro para chorar, saiu com um sorriso triunfante no rosto.


O celular tocou violentamente Crimson And Clover, de Joan Jett. Acordei espantada com o barulho. Mal havia chegado a minha casa e a dor de cabeça, agora grosseiramente freqüente, me atingiu e fui obrigada há descansar um pouco antes do jantar. Assustei ao pegar o celular no segundo toque e ver o nome de Rachel no visor, em parte por que eu não sabia que tinha o número dela e outra, me perguntando por que ela estaria me ligando.

De qualquer forma, sentindo uma pontada de dor na testa, atendi ao telefone e ouvi a voz da baixinha animada, como se nunca tivesse passado por aquela destruição de auto-estima que a obriguei a fazer.

Quinn! Eu preciso de você! — ela exclamou sem que eu dissesse algo. Soltei uma risada fraca. Rachel Berry estava até se tornando gostável.

— Para quê? — questionei, mexendo distraída numa mecha do meu cabelo.

Lembra quando você disse que tinha estava se sentindo bonita? E quando eu disse que tinha me sentido feia? — Dava para notar o entusiasmo em sua voz, ela deveria estar pulando em seu quarto de tanta excitação. — Então! Feia e bonita!

— Desculpe? — fiz educadamente. A idéia perfeita de Rachel não estava chegando ao meu cérebro.

— IFeel Pretty, de West Side Story! — gritou Rachel animada. — E Unpretty, das TLC! Um mash up, Quinn, iria ficar perfeito para a tarefa do Glee!

Um sorriso perpassou pelo meu rosto. É claro! Eu não conhecia a canção do musical que a judia era apaixonada, mas definitivamente combinava com o que eu tinha dito mais cedo. E as TLC... A parte de Berry! I Feel Pretty/Unpretty, não havia mais nenhuma canção como essas que combinassem com nós duas. Eram extremos. Hip-hop e Broadway. Coisas totalmente diferentes, mas que de alguma forma davam certo.

Assim como Rachel e eu.

— Berry, isso é brilhante! — exclamei animada. — Nós precisamos apresentar, vai ficar ótimo!

Rachel ficou quieta um instante. Suponho que receber um elogio de uma garota que havia te jogado algumas verdades na cara duas semanas antes deveria ser uma surpresa e tanto. Por algum motivo surgido do nada, eu queria que Berry entendesse que eu estava apenas me importando com ela.

Eu... — Ela vacilou um pouco antes de continuar. — É... Podemos organizar ensaios e ajeitar a música para que tudo fique perfeito. Daqui dois dias nos apresentamos para o Glee, tudo bem para você?

Que estranho ouvir essa pergunta. Ninguém nunca perguntava se era bom para mim ou não. Transando com Puck? Ele me convenceu. Traindo Sam para ficar com Finn? Bom, posso estar usando o garoto agora para ganhar minha coroa, mas no início, ele me forçou. Ninguém nunca permitia que eu fizesse as escolhas, e Rachel estava fazendo isso para mim.

— C-claro — respondi, esperando que ela não notasse minha hesitação. — Amanhã antes da escola eu passo na sua casa para conversarmos sobre a canção.

Não sei por que, mas imaginei Rachel sorrindo para mim depois do que falei. Se estivesse sorrindo ou não, ela apenas disse:

Beleza. Vejo você amanhã, então. — E desligou o telefone.

Corri para o computador para procurar sobre West Side Story.


— Mr. Berry, olá — cumprimentei acanhada quando a porta da casa de Rachel se abriu e um homem de cabelos loiros me atendeu com uma expressão descontente. — Sou Quinn Fabray, sua filha me convidou para...

— Eu sei o que ela fez, obrigado — ele interrompeu irritado.

Franzi a testa, me perguntando se alguma vez Rachel já tinha reclamado das minhas raspadinhas e insultos para eles. Pelo semblante do pai dela, tinha quase certeza que sim.

Por sorte, outro homem apareceu no portal com um sorriso caloroso e me empurrou para dentro, me saudando animado e gritando por Rachel no pé da escada.

— Deve ser a Quinn, Rachel fala muito de você — disse o Mr. Berry Dois. — Meu nome é Leroy Berry, e esse mal-humorado é meu marido, Hiram.

Acenei com a cabeça para Hiram, que virou as costas e entrou na cozinha para preparar o café da manhã. Seja lá o que fosse que ele estivesse fazendo, tinha um cheiro ótimo. Por sorte, antes que Leroy começasse a falar sobre as qualidades de Rachel, a judia desceu as escadas e sorriu para mim.

Senti meu rosto corar instantaneamente, e eu nem sabia por que. Rachel tinha apenas sorrido para mim, usando aquele sorriso e expressão que eu sabia que ela guardava apenas para casos especiais — ou quando estava com Finn.

— Oi, Quinn — disse ela, pegando na minha mão e me puxando para cima. — Pai, avise ao papai de que nós esperamos o café no meu quarto.

— Ele não vai gostar disso — gritou Leroy para nós, mas Rachel já subia as escadas rapidamente comigo em seu encalço.

A única vez que eu tinha estado na casa de Rachel fora na época das Regionais, exatamente para ajudá-la a escrever uma canção. Eu lembrava que havia dito para ela que não deveria fazer uma cirurgia no nariz por que ela era perfeita do jeito que era, mas aquilo não parecia tão importante agora, visto que eu estava ajudando a garota a arrumar seu nariz de judia.

Talvez tenha sido esse o problema de Hiram. Na última vez que eu tinha estado lá, Rachel estava feliz. Logo depois, no entanto, ela estava aos prantos provavelmente reclamando por eu ter jogado a verdade que ela precisava saber na cara dela. E então, menos de duas semanas após esse drama todo, eu estava de volta. Tentei ter um pouco de compaixão, afinal o pai estava apenas tentando defender a filha para não ter um coração quebrado novamente.

Eu, quebrando o coração daquela baixinha, quem diria.

— Tentei fazer alguma coisa com o mixer que tenho no computador, mas não saiu algo muito bom — desculpou-se Rachel ao entrar no quarto e correr logo para o notebook para me mostrar o que montara.

Sentei-me na cama dela, desconfortável. Os pôsteres de musicais da Broadway ainda estavam ali, tão perfeitamente como estava há duas semanas. Funny Girl, Annie, West Side Story... Esses nomes só não me eram estranhos por causa de Berry. Tinha pegado o nome dos mais interessantes para assistir de alguma forma mais tarde, o que me fez procurar por mais.

Um chiado começou a sair no computador de Rachel, e logo entendi que era Unpretty. A gravação que ela tinha arranjado era péssima. Então, a voz de Maria a substituiu e I Feel Pretty invadiu meus ouvidos. A música continuou com as TLC, sendo apenas o refrão da música de West Side Story. Apesar da má qualidade, a idéia de Berry era até boa.

— Gostou? — ela me perguntou, se encolhendo na cadeira.

— Seu programa para mixagem é péssimo — respondi, rindo. Rachel não agüentou e riu também. — Vou ligar para o Mike e ele irá arrumar isso para você.

— V-você anda com o Mike?

— Óbvio, jogamos Pokémon quase todos os dias. — Dei de ombros. Era incrível a expressão das pessoas quando eu dizia que era obcecada por videogames. Parecia algo errado para alguém de tão boa aparência quanto eu. — Mas enfim... Acho que nas nossas vozes ficará muito melhor.

Rachel sorriu radiante à minha resposta. Mordi o lábio, mas antes que pudesse dizer alguma coisa, Leroy entrou no quarto com dois pratos, um com uma grande quantidade de bacon e ovos e outro com algumas coisas vegans que eu não tinha idéia do que era. Ele entregou o vegetariano para Rachel e me empurrou o outro prato.

— Eu sei que não é vegan, e eu respeito sua escolha, Quinn — disse ele. Meus olhos brilhavam mais para o bacon do que quando vi Finn Hudson pela primeira vez. — Só para você.

Ergui os olhos para Leroy.

— Comprou isso só para mim?

— Rachel não recebe muitos amigos em casa, especialmente antes da escola. — Ele lançou um olhar indignado à filha, não a culpando por isso, mas culpando todos na escola através dela por não observar a grandeza que ela possuía. — Nós temos que ganhar você, certo?

Soltei uma risada sem-graça. Leroy riu animadamente e saiu do quarto, avisando para que não nos atrasássemos para o colégio. Rachel comia seu café vegan sem se importar com minha expressão.

Ótimo, tudo que eu precisava era se sentir culpada naquele momento. O bacon não aparentava mais tão delicioso quando parecia há dois minutos. Eu havia causado aquilo, poxa. Eu tornara Rachel Berry uma estranha no McKinley High. Ela não tinha amigos antes do Glee por minha causa.


Ei Caboosey, cuidado! — exclamou um garoto antes de empurrá-la para o chão.

Ela só sentiu os livros por baixo da barriga e o sangue na boca por tê-la batido no chão. Controlando para não chorar, tentou se levantar, porém suas mãos doíam por que havia as usado para se apoiar durante a queda.

Tudo bem?

Ela estreitou os olhos, desconfiada. Existia alguém naquele inferno que teria a ousadia de perguntar como estava? Levantou os olhos para o garoto. Ele não tinha um olhar maligno ou um sorriso irônico. Parecia amigável, até.

Lucy, não é? — ele perguntou.

S-sim — gaguejou a menina, aceitando a mão estendida dele e levantando. Espanou a sujeira de suas roupas e limpou o sangue coagulando no canto da boca. — O-obrigada.

Observou o menino. O cabelo dele tinha cor de palha e era todo bagunçado. Seus olhos eram de um verde profundo que a cativou imediatamente. E o sorriso... Jamais tinha visto um sorriso tão bonito.

Não estava acostumada a garotos bonitos lhe ajudando. Na verdade, era a primeira vez que alguém naquele colégio lhe dirigia a palavra sem ter um insulto na frase.

Meu nome é John — ele se apresentou, abrindo outro sorriso que fez o coração da menina derreter-se todo. — Qual é a sua próxima aula?

M-matemática.

Queria que não fosse tão tímida. Se fosse qualquer outra garota, já estava agarrada a ele, contando sobre esmaltes e outras bobagens. "Você é diferente", dizia sua mãe praticamente todos os dias. "Aquelas garotas jamais serão como você, são inferiores."

Aparentemente, apenas ela pensava dessa forma.

Ótimo! — exclamou John. — É a minha também. Vamos juntos?

Com aquele sorriso radiante, como poderia recusar?


Consegui sentir o sangue que estava em minha boca naquele dia. Era horrível a sensação. Por que essas lembranças estavam voltando para mim? Por que toda vez que algum flash passava por minha cabeça eu estava perto ou falando sobre Rachel? Seria por que eu estava ajudando ela com a plástica em seu grande nariz judeu?

— Quinn? — ouvi a voz de Berry distante. Minha cabeça ainda girava com as lembranças. Sequer lembrava John e daquele dia, agora tudo vinha à flor da pele. — Tudo bem?

— Sim... — respondi fraca. — Está tudo ótimo.

Senti a mão dela na minha testa verificando minha temperatura. Abri os olhos e encontrei a cortina toda rosa da cama de Rachel em minha volta. Tentei me levantar, assustada, mas uma mão me parou. Quando eu me deitei de boa vontade na cama da judia? O que eu estava fazendo ali, parada?

— Você desmaiou — disse Rachel em resposta ao meu olhar inquiridor. — Sorte que não deixou cair o prato de bacon.

Ela sorriu, apontando para o meu café da manhã intacto em cima de sua cômoda. Engoli em seco, corando de vergonha. Que idiota minhas lembranças tinham sido de aparecer justo naquele momento, tão fortes. Tão perto de Rachel... Eu poderia ter assustado ela.

— Obrigada — murmurei quando ela ofereceu um copo de água para mim. Credo, Quinn Fabray, você só estava perto de uma garota, que mal tinha nisso? — Hm, eu acho melhor irmos para a escola.

Rachel negou veementemente.

— Você não vai agora pro colégio, acabou de desmaiar!

— Estou bem! — exclamei irritada, tirando a mão de Rachel do caminho e me levantando. — Não é nada.

Berry mordeu o lábio, claramente preocupada. Tentei ignorar a dor no olhar dela quando peguei minha bolsa e saí do quarto, querendo por tudo voltar, não só pelo prato de bacon intocado, e sim para me desculpar com a baixinha por ter sido tão idiota.