Capítulo 1 – Um ato idiota.

Os olhos verdes de Harry Potter olhavam fixamente a rua vazia e escura. Pareciam procurar algo interessante para observar. Talvez um vizinho chegando tarde do trabalho e a esposa brigando pela sua demora. Poderiam também querer observar os carros passando rapidamente manchando a escuridão com suas luzes fortes e cegantes. Ou simplesmente olhavam o gato parado na calçada em frente a casa número 4 da Rua dos Alfeneiros.

O gato balançava o rabo devagar e lançava seus olhos amarelos e estreitos para o menino que olhava através da janela do segundo andar daquela casa tediosa e irritantemente igual a todas as outras. O felino parecia pensar em algo, digerir o fato de que os olhos verdes o observavam com atenção.

Sim, Harry também olhava para o gato negro, mas na realidade não o enxergava. Podia fingir que o motivo para isso era o pelo negro que se fundia com a sombria noite deixando a vista somente seus olhos perfurantes, mas a verdade era que ele imaginava que naquele mesmo lugar, sentado daquela mesma forma,estava um cachorro grande com pelos emaranhados e negros, olhando-o com intensos olhos azuis e astutos. Podia até mesmo ver a língua rosada caída para o lado e as orelhas em pé mostrando o quanto ele estava ansioso.

Harry suspirou e fechou os olhos forçando sua mente a entender que Sirius não poderia estar ali, pois ele estava morto, não voltaria, nunca mais. Jamais poderia olhar novamente para aqueles olhos azuis brincalhões, não sentiria sua preocupação escondida e nem procuraria por sua malicia, seu jeito maroto. Não, ele se foi, atravessou o véu e sumiu, foi para o outro lado sem lhe dar a chance de acompanhá-lo. Ele teve que ficar nesse mundo dolorido e cruel, teve que permanecer os últimos dias do ano letivo em Hogwarts vendo os amigos o olhando como se fosse ser possuído durante o café da manhã enquanto comia ovos com bacon. Já começara a ficar farto de sempre estarem grudados nele verificando se estava tudo bem. Ele queria ficar sozinho e então chegou o dia de voltar diretamente para a casa de seus tios.

Como queria ter ido junto com Sirius seja lá para onde ele foi. Talvez estivesse melhor do que estava naquele momento. Talvez ele pudesse descansar junto com o padrinho em algum lugar legal e interessante. Talvez pudesse conversar bastante sobre tudo que já acontecera em suas vidas. Quem sabe ele poderia conhecer melhor a vida do melhor amigo de seus pais, rir do tempo dos marotos, achar que algumas coisas eram absurdas e que outras eram maravilhosas. Ele poderia lhe contar também sobre seus problemas, dizer como eram seus amigos, Ron e Hermione, ele iria gostar de conhecê-los melhor, saber sobre como eles o ajudaram em cada aventura que tivera.

Ah! As aventuras!

Com certeza Sirius gostaria de saber como foram e principalmente como conseguiram escapar sem detenções e pontos perdidos. A história da pedra seria interessante visto que além de enfrentar Voldemort ele ganhara pontos para Grifinória fazendo com que a casa vermelha ganhasse a Taça das Casas. Sim, seria excitante contar-lhe isso, mas a cobra em seu segundo ano provavelmente arrancaria surpresas dos olhos azuis. Os dementores eram uma sombra na vida dos dois, apesar de o patrono poderoso que lançou ser algo que o intrigaria. O Torneio Tribruxo e aguentar Umbridge também eram feitos que deixariam seu padrinho interessado e orgulhoso.

Mas havia também o quadribol, seria legal dizer como eram os jogos, Sirius só viu um jogo seu no terceiro ano, porém o do primeiro foi o melhor, pois era seu primeiro jogo, sua estréia, ele dera orgulho ao seu pai. E as meninas, talvez Sirius pudesse lhe contar como conquistá-las ou simplesmente entendê-las, ele era profissional nisso pelo que diziam. Ele poderia fazer tanta coisa legal ao lado dele ou se preferisse, poderia simplesmente deixar de existir e ir para algum lugar silencioso onde pudesse fugir de tudo, se distanciar e descansar.

Mas não, ele ficou, permaneceu aqui, vivo.

Suspirando fundo abriu os olhos e observou a rua escura.

O gato havia sumido.

Harry franziu a testa e por algum motivo estranho e irracional o sumiço do gato o afetou fazendo com que corresse imediatamente porta a fora, passando o corredor e indo até a escada. Todos na casa estavam dormindo, mas Harry não se preocupou com isso naquele momento, ele não queria saber se estava ou não sendo silencioso, ele só queria chegar ao gato, lembrar de Sirius ao olhar o pelo negro brilhando contra a luz da lua.

A escada foi facilmente vencida ao descer pulando de dois em dois degraus até parar na porta da frente que estava grande e imponente esperando que Harry a abrisse, mas o menino apenas a ignorou e foi para a cozinha. Harry parou diante da porta dupla de vidro que dava para o jardim e automaticamente, sem antes pensar em qualquer coisa, lançou a mão na maçaneta forçando-a para que abrisse e permitisse sua passagem para o jardim e dali para a rua.

Mas seus atos impensados causaram extremo desespero ao ouvir o alarme da casa soar. Aquele barulho estridente fez com que todos seus pensamentos voltassem e pudesse finalmente clarear a mente e perceber o que havia feito. Com o coração acelerado se afastou da porta olhando assustado para a maçaneta como se ela pudesse machucá-lo só por estar perto. Mas nenhum dos sentimentos que apertavam seu coração foi mais desesperador do que a dor que sentiu na alma ao ouvir o trinco da porta de seu tio abrir e a madeira do assoalho do corredor ranger com o peso.

Tio Valter se aproximava.

Parecia que seu corpo tinha congelado, Harry não se mexia e sua respiração fora temporariamente cortada. Sabia o que aconteceria quando Tio Valter o visse ali na cozinha ao lado da porta, sabia como a grande cara branca dele ficaria vermelha de ódio ao saber que fora Harry o causador daquele som irritante que abalava a residência. Sabia e não conseguia pensar em nada para fazer.

Quando o pé do homem pisou no último degrau da escada o coração de Harry voltou a bater como se fosse um aviso de que ele deveria se mexer. Rapidamente, sem pensar, correu para a sala e se escondeu atrás do sofá, apertando-se entre o móvel e a parede gelada.

O som continuava a tocar por toda a casa e Harry só conseguiu ouvir alguma coisa quando o alarme foi desligado. Tapando a boca com a mão para que sua respiração forte não fosse ouvida se aproximou da ponta do sofá e tentou escutar o que os tios falavam.

- Será que era um ladrão? – Perguntou Tia Petúnia.

- Não sei Petúnia – Respondeu Tio Válter – Não há nada lá fora. Se eram ladrões já foram embora e acho que não vão aparecer tão cedo sabendo desse alarme. Bendita hora que um dos investidores, ao comprar brocas de última geração, me falou sobre esse sistema de alarme. Uma beleza não é mesmo? Alto o suficiente para espantar qualquer ladrão.

- Realmente é muito bom. Mas tem certeza que não tem ninguém?

- Tenho, não há ninguém. Vamos dormir, com esse escândalo todos os vândalos devem estar longe – Disse Tio Valter fechando as cortinas da porta.

- Esses desgraçados que não tem mais o que fazer! – Criticou Tia Petunia acompanhando o marido de volta para o corredor.

Eles estavam indo embora, não descobriram que foi ele, estava a salvo, pensou o menino. Devagar Harry levantou-se olhando a sala ao redor, com o coração na mão procurou a silhueta do tio. Não havia ninguém, estava tudo quieto e escuro. Sentindo-se mais sortudo do que quando ganhou o torneio tribruxo, Harry soltou o ar que prendia. Foi uma atitude idiota, pois no mesmo momento a luz da sala acendeu e Tio Valter o olhava do outro lado. Os olhos pequenos do tio estavam injetados de ódio e se rosto ardia de raiva, sua pele ficava mais e mais vermelha a cada segundo. Harry tinha olhos arregalados, sabia o que aquele olhar queria dizer.

- Eu sabia que essa história de ladrão tentando entrar em casa era estranha demais. Foi você seu anormal.

- Não Tio Valter, eu não...

- Vai me dizer que não foi você? Então o que está fazendo aqui?

Harry não sabia o que responder, Tio Valter se aproximava aos poucos e estava encurralado. Não havia saída, sabia disso, sabia seu futuro próximo e sabia que não ia conseguir fugir disso, Tio Valter ia atrás dele, ia pegá-lo, ia fazer...

De uma forma ou de outra tudo iria acabar da mesma maneira. Sabendo que não podia escapar, apenas respirou e olhou para o tio pedindo desculpas por tudo. Era perda de tempo, ele poderia até mesmo implorar, eram palavras jogadas no lixo, Tio Valter jamais se importou com suas palavras ou com seus choros, nem mesmo quando era apenas uma criança que não entendia as coisas que aconteciam.

Em sua mente Harry amaldiçoou o tempo por ainda ser meio de férias, havia tempo o suficiente para que ele ficasse bem, Tio Valter poderia se divertir a vontade.

O gordo homem apontou o dedo grande para a escada indicando a Harry que ele deveria ir para o quarto, seu castigo seria lá.

"Por favor" pediu mais uma última vez sentindo suas esperanças sumirem ao ver os olhos do tio se expandirem e lançarem ondas de ódio no ar.

- Por favor? Depois de tudo o que tenho que aguentar, você ainda me pede, por favor?

Harry viu as mãos do tio irem até seu cinto e abrirem a fivela.

- Tio...

- Sobe.

Não havia mais conversas ou pedidos. Harry jamais se sentiu tão desesperado e vulnerável. Devagar se aproximou do tio cautelosamente.

- Vai. – Disse Tio Valter olhando-o com raiva enquanto indicava a escada com a cabeça.

Harry seguiu e subiu as escadas devagar sentindo seu corpo tremer cada vez que via seu quarto chegar mais perto. No alto, antes de entrar, se virou e viu Tia Petunia olhando-o pela fresta da porta de seu quarto. Ele podia pedir-lhe ajuda, mas tia petúnia lhe lançou um olhar de nojo e trancou-se no aposento. Não adiantava, ninguém iria ao seu socorro, Duda e Tia Petunia estavam acostumados a ouvir seus castigos, eles nem ao menos ligavam para seus lamentos.

A porta do quarto foi aberta e Harry entrou indo direto para a gaiola de Edwiges que o olhava com carinho e pena, ela sabia o que significava aquele olhar.

- Por favor, não faça barulho, só vai piorar, se você ficar quieta vai ser rápido.

Harry viu o olhar cúmplice e triste da ave indicando que ela sabia que não devia nem ao menos se mexer enquanto ele agüentava. O menino jogou um lençol em cima da gaiola tapando a visão da ave. Ele não queria que ela o visse e nem queria olhá-la enquanto acontecia. Suspirando cansadamente parou na frente da janela e fechou a cortina no momento em que Tio Valter trancou a porta parando de frente para Harry com o cinto na mão.

- Agora vamos conversar.