Sem ter como fugir

Prólogo

Londres – Maio de 1999

- Obrigado, Harry! – Hermione murmurou, segurando o choro, quando o amigo a deixou na porta de casa. Ele a olhou, desconfiado:

- Tem certeza de que vai ficar bem?

- Claro! – ela respondeu, tentando esboçar um sorriso. – Por que não ficaria?

- Hermione?! – o rapaz protestou, com uma certa indignação na voz.

- Ora, Harry! O Rony acabou de se casar. O que você espera que eu faça? Corte os pulsos? Ia acabar acontecendo um dia. Eu não vou morrer por causa disso. Tudo que eu preciso é de um banho quente e uma boa noite de sono e, amanhã, estarei nova em folha.

- Se você diz... – Harry suspirou. – Eu te vejo amanhã, então.

Despediram-se e Harry foi embora. Ela o observou afastar-se, devagar, pela rua, olhado para trás, de vez em quando. Mas manteve-se firme. Não iria chorar na frente de ninguém. Nem mesmo de seu melhor amigo. Resolveu subir e tomar um banho quente, depois foi para a cama.

Só que não dormiu. Acabara de perder o grande amor da sua vida. Como poderia dormir?

Deixou que as lágrimas, que tão bravamente segurara até ali, rolassem por seu rosto enquanto se perguntava em que parte do caminho suas vidas tomaram rumos tão distintos ao ponto de tudo acabar daquele jeito.

Ela e Rony começaram a namorar na metade do quinto ano. Isso já tinha quatro anos, mas ainda lembrava-se como se fosse ontem. Fora por culpa do Malfoy. Draco a ofendera e Rony batera nele, com vontade. Mais tarde ela lhe perguntara por que ele fazia estas coisas estúpidas e ele respondera que gostava dela e que não deixaria nunca que nenhum babaca a ofendesse. Nesse dia começaram a namorar.

Não fora um namoro tranqüilo. Rony era ciumento e eles brigavam muito. Discordavam quase sempre. Mas se amavam. Isso nenhum dos dois poderia negar.

Durante a guerra contra Voldemort ela sentira um medo enorme de perdê-lo. Cada vez que o via voltar, inteiro, internamente agradecia a Deus.

Nessa época fizeram planos. Planos de se casarem depois da guerra, planos de terem uma família tão grande quanto a dele, planos para terem um futuro maravilhoso.

Mas não foi assim que aconteceu.

Venceram Voldemort em seu último ano em Hogwarts. Então Rony foi trabalhar no ministério e ela começou a se preparar para entrar na Faculdade de Transfiguração Muito Avançada da França. Rony dizia que iria guardar dinheiro para que pudessem se casar. Ele trabalhava como um louco, dava tudo de si, enquanto ela estudava e estudava.

Um dia ele recebeu uma proposta do ministério para trabalhar na Alemanha. Uma proposta irrecusável. O aumento de salário seria exorbitante.

Discutiram a respeito e ela concordou que ele fosse. Se soubesse que isso teria sido o fim de tudo, ela jamais concordaria.

Ele foi embora para a Alemanha. Vinha visitá-la uma vez na vida, outra na morte. Reclamava que ela nunca ia vê-lo. E ela apenas estudava e estudava.

Com o tempo as coisas foram ficando mais frias. As corujas diminuíram e as visitas também. Ele exigia que ela fosse visitá-lo, mas Hermione precisava estudar. Acabou não indo e eles acabaram brigando. Rompendo o namoro de três anos via coruja.

Ela sofreu muito, mas continuou estudando. Estudando como uma louca para assim poder se desligar da vida.

Alguns meses depois, soube, por Harry, que Rony estava namorando uma menina. A filha do ministro da magia alemão. Foi um choque. Pela primeira vez na vida ela pensou que perdera Rony de verdade. Até cogitou a hipótese de procurá-lo. E iria fazê-lo se não tivesse recebido uma carta de McGonnagall, onde esta lhe informava que a estava indicando para uma vaga que surgira na Faculdade de Transfiguração Muito Avançada.

Então, em vez de procurar Rony, foi encontrar-se com McGonnagall. A proposta era boa: a faculdade era a da Escócia e ela ficaria numa espécie de casa de estudantes, onde dividiria o alojamento com outros dois estudantes que se formaram em Hogwarts. McGonnagall a mandou pensar sobre o assunto, afinal, a faculdade de Transfiguração Muito Avançada que queria entrar era na da França, a melhor do mundo. A da Escócia estava apenas em segundo lugar. Mas não era uma proposta para se desprezar de todo.

Assim ela esqueceu Rony por uns dias. Pelo menos até o dia em que recebeu o convite para o casamento.

Fora numa manhã chuvosa. Quando abrira o envelope que a coruja trouxera, derrubara no chão sua xícara de café. Tudo estava perdido, agora.

Harry tentou de mil e uma maneiras convencê-la a não ir ao casamento de Rony. Mas não teve jeito. Ela queria ir para provar para si mesma que tudo acabara. Não havendo mais nada que ele pudesse fazer, informou-a que então iriam juntos.

E foram.

Harry foi o padrinho de Rony. Hermione sentiu seu coração apertado ao vê-lo no altar, esperando pela noiva, que deveria ser ela. Ele a olhava, de vez em quando, com uma expressão melancólica.

Então a noiva chegou. Hermione sentiu o chão sumir sob seus pés. "Você não vai desmaiar agora, garota estúpida!" Além de tudo a noiva de Rony era linda. Linda como ela jamais seria. Hermione apertou os lábios e se recompôs.

Quando eles fizeram os votos, ela quis morrer. Mas com todas as suas forças segurou o choro e se conteve. Sentiu a mão de Gina, a irmã mais nova de Rony, apertando a sua.

- Não me importa o que digam! – Gina murmurou. – A talzinha é uma estúpida e eu acho que Rony está fazendo a maior besteira da vida dele.

Hermione preferiu não responder. Quando o padre perguntou se havia alguém contra o casamento, ela percebeu que Gina a olhou com indisfarsável esperança. E Harry, do altar, a olhou da mesma forma.

O que passava pela cabecinha torta de Gina, de tanto ler romances água-com-açúcar? O que ela esperava? Que Hermione puxasse uma vassoura do nada e levasse o noivo embora? E Harry? Será que ele a conhecia tão pouco assim para esperar que ela fizesse um papelão na frente de todo mundo?

No entanto Hermione permaneceu impassível.

Mais tarde, durante a festa, Harry a tirou para dançar.

- Eu realmente achei que você fosse fazer alguma coisa. – ele confessou.

- Que bobagem, Harry! Eu já falei que só queria provar para mim mesma que tudo acabou. E acabou, Harry!

Ele pareceu um tanto perturbado. Rony dançava com a noiva há poucos passos de onde estavam. Harry olhou para a amiga com uma expressão indecifrável.

- Eu sinto muito, Mione! Mas preciso fazer uma coisa!

E então, com a cara mais deslavada da face da terra, ele a conduziu, dançando, até Rony e falou para o amigo:

- Eu faço questão de dançar com a noiva! Vamos trocar de par, um pouco!

E, assim, ele tirou a noiva dos braços de Rony e saiu dançando com ela, deixando o amigo com as orelhas vermelhas e Hermione querendo matá-lo.

Rony a enlaçou pela cintura e a conduziu pela pista de dança. O inevitável contato do corpo dele a fazia arrepiar-se. E era tão bom. Tão bom que seria um crime romper este contato. Poderia permanecer assim pelo resto da vida...

- Eu achei que você não viria! – ele falou, depois de um longo e constrangedor silêncio. Ela esboçou um sorriso triste. Preferia não falar, mas apenas manter-se assim, silenciosa, abraçada por ele.

- Como eu poderia deixar de vir, Rony? Você e Harry sempre foram meus melhores amigos. Eu não perderia um evento destes na vida de vocês por nada neste mundo. – falou, por fim, estranhando o som de sua própria voz, como se não lhe pertencesse.

- Me perdoe se a magoei, Mione!

- Esqueça isso! Eu já esqueci. Espero que você seja muito feliz com, como é mesmo o nome dela?

- Astrid.

- Eu desejo que você seja muito feliz com a Astrid. Desejo mesmo!

- Obrigada, Mione!

- Eu estou muito feliz por você! – ela precisou fazer um esforço muito grande para conter as lágrimas. Nunca em sua vida havia mentido tanto e tão bem. Feliz por ele? Pois sim! Sua vontade era gritar e esmurrar-lhe, até que ele contasse porque fazia aquilo com ela. Como ele podia quebrar todas as promessas que fizeram? Como ele podia casar-se com outra? O que ela precisava fazer para segurar o choro?

- Eu seria mais feliz se estivesse casando contigo! – ele falou.

Ela não respondeu porque nesse exato momento Harry voltou, entregando a noiva para Rony e arrebatando Mione novamente.

- Por que você fez isso, idiota? – ela resmungou.

- Eu achei que vocês precisavam conversar. Gina também achou isso. Rony nunca vai ser feliz com essa garota, Mione!

- Legal! Agora você entrou para a turma dos românticos irrecuperáveis da qual Gina faz parte. Eu só gostaria de saber porque vocês acham que EU tenho que fazer alguma coisa? Rony não é mais uma criança. Ele sabe o que faz e eu não sou ninguém para interferir nas decisões dele.

- Você é a mulher que ele ama, Mione! E se vocês dois não fossem tão cabeças duras, já teriam se acertado e, quem sabe, hoje ele estaria casando com você!

- Eu já estou de saco cheio desta história, Harry Potter! Quero ir para a minha casa! Será que vocês não conseguem entender que eu e o Rony "já era"? Que acabou? Eu me convenci disto hoje. Não tem absolutamente nada que eu ainda possa fazer. Então, eu só espero que você e a Gina me deixem em paz!

Harry suspirou e concordou em levá-la para casa.

Agora, na escuridão de seu quarto, Hermione refletia: "Porque as coisas precisavam ser assim? Como eu vou seguir a minha vida sem ele? Por que eu simplesmente não consigo ficar com raiva, ou deixar de amá-lo? Preciso fazer alguma coisa da minha vida antes que enlouqueça!"

E, assim, ela considerou a proposta de McGonnagall tentadora. Iria mandar-lhe uma coruja na manhã seguinte dizendo que aceitava.

Recomeçaria sua vida do zero.

Rony olhou para a mulher, adormecida, ao seu lado e suspirou. Talvez tivesse feito uma grande besteira.

Porque, diabos, Hermione tinha que ter vindo ao seu casamento? Só para ele confirmar que ainda a amava?

E o que importava se a amava ainda? Iria deixar de amá-la e amaria sua esposa. Iria se entender com Astrid custasse o que custasse.

Ele e Hermione jamais iriam dar certo. E, além do mais, Hermione o decepcionara muito. Tudo para ela era mais importante do que ele. Estava já cansado de ficar sempre em segundo lugar, senão quando terceiro ou quarto.

Com Astrid as coisas eram diferentes. Nunca complicado demais. Nunca difícil demais. Ela estava sempre ali.

A conhecera numa festa do Ministério. A garota mais linda que já vira, vencendo até Fleur Delacour. Bem, ela se parecia com Fleur Delacour. E se interessara por ele, o que era mais difícil de acreditar. Fora ela quem o consolara quando ele e Mione terminaram. E ela fora uma namorada muito mais interessada que Mione.

Então, ficar pensando em Mione agora não era justo nem com ela, nem com ele. Iria esquecer Mione e se entender com a esposa. Era isso que faria. Recomeçaria do zero.