Halloween. Acabara de chegar para meu turno macabro da noite. E essa noite não seria como qualquer outra, eu tive certeza disso quando recebi o memorando de Jerry informando a obrigatoriedade do uso de trajes assustadores. Ou seja, deveríamos todos estarmos fantasiados, não é? Pois é, eu já deveria saber que isso era mais uma das brincadeirinhas-de-mal-gosto-para-casais de Jerry, edição especial de Halloween. E assim que entrei no PS, saquei que tinha sido o único a ser enganado. Mesmo assim, ainda tinha esperanças quanto a uma pessoa...
- Hey, olha esse cara! - Malik gritara da recepção ao ver uma caveira magricela e nervosa atravessar o corredor tentando não ser vista. Mas como uma figura como eu vestida de caveira iria passar despercebida ali?
Quando eu estava quase alcançando a sala dos médicos para enfim me livrar dos risos e piadinhas, Frank pareceu me reconhecer, e realmente não sabia como; eu estava esquisitamente coberto dos pés à cabeça de ossos.
- O que diabos você deveria ser? - Frank perguntou, como se não estivesse na cara que eu era um esqueleto idiota zuado pelos companheiros de trabalho. Estava a ponto de retirar minha máscara e mostrar a eles o real significado da expressão 'Ossos vão rolar', (ou seria 'cabeças vão rolar'?)
Mais uma palhaçada e eles iriam ver!
- Quer um doce, garotinho? - Malik jogara um pirulito em minha direção e o joguei no chão, então tirei a máscara, chacoalhando-a em negação - aos palhaços de plantão e a mim mesmo, obviamente.
Logo em seguida adentrei a SDM, esperando que não tivesse mais ninguém para me ridicularizar, mas com sorte, quem estava lá era alguém que teria que aguentar todas as brincadeiras comigo até o final. E, na verdade, quem havia me contado sobre essa história em primeiro lugar. Tinha que usar minha chance de tornar isso tudo culpa dela, e a usaria agora.
- Abby! Achei que todos viriam fantasiados hoje! - eu a reprimi, abrindo o armário com força, apenas para fingir um nervosismo que eu não estava sentindo, ou pelo menos tinha parado de sentir quando a percebi naquele vestidinho apertado de enfermeira, com direito a meia-calça, salto-alto e até um enfeite na cabeça com uma cruz vermelha desenhada. Sim, definitivamente, ela ficava muito mais atraente e sexy de enfermeira do que eu, não só de esqueleto, mas com qualquer outra fantasia.
Fingi como pude que não vi muita coisa; afinal, tinha que continuar com o meu joguinho. E eu sempre tive fama de discreto e 'bom moço' pra ela.
- Todos tinham que estar! Tinha um memorando... - ela disse aos risos, tentando se justificar. Eu estava tão engraçado assim ou era só para me atazanar mesmo?
- É, só que eu não trouxe nada para me trocar! - disse, continuando com meu falso nervosismo e fechando o armário logo após guardar meu 'crânio' e pegar estetoscópio e jaleco. Fui andando na SDM e Abby veio atrás, resmungando algo.
- Bem, nem eu!
- Bom, você continua enfermeira, você devia ter me ligado! - aproveitei enquanto tinha argumentos à favor quanto à sua posição e sua fantasia serem quase a mesma, mas com uma pequena diferença: aquele vestido era muito mais apertado que qualquer jaleco ou avental do County, ganhando de dez a zero no corpo de Abby. Saí da SDM e Abby continuava atrás, tentando ainda a justificativa perfeita. Não que as outras não fossem plausíveis, apenas não estavam ao patamar casais-avisam-quando-não-devem-vir-fantasiados.
- E eu seria a única usando fantasia? Acho que não... - ela tentou a última vez quando já estávamos na frente da recepção e parou ao meu lado, à frente de Frank. Eu vestia meu jaleco tranquilamente quando a imagem melhorava cada vez que olhava para os vários ângulos que as curvas de Abby ofereciam ao meu olhar. Seu corpo era mais incrível do que eu imaginava, e já havia imaginado tantas coisas nela, mas nada melhor que...ver a minha maior 'fantasia' ao vivo.
- Frank, cadê sua fantasia? - tentei fugir do assunto redundante com Abby e passei a falar com Frank, que segurava pequenos doces de fantasminhas e abóboras em miniatura para a decoração da recepção e que provavelmente seriam comidos por ele mesmo dali há alguns minutos.
- Eu não gosto de feriados pagões que celebram os serviços do diabo. - e como o esperado, Frank responderia da forma mais mal-educadamente possível. Eu já devia saber... De repente, Abby entrara em minha frente e tirara a cesta de balas que estava nas mãos de Frank à força enquanto jogava uma de suas típicas tiradas.
- Bom, isso é apenas para satanistas então! - após longos segundos de olhares negativos de Abby para Frank, que eu aproveitava também para direcionar olhares disfarçados pela sua 'traseira', ela colocou os doces na mesa e continuou um tempo de costas, me fazendo ganhar alguns preciosos momentos a mais suficientemente disfarçados com a paisagem e me permitindo tirar algumas conclusões: percebi que o branco realçava suas curvas, principalmente as de suas nádegas e de sua cintura, deixando maior o que tinha que aumentar e diminuindo o que tinha que diminuir, respectivamente; e percebi que a meia-calça tinha incríveis poderes quando vestidos naquele belo par de pernas que me faziam babar quando as via. Cheguei à conclusão maior, nesse poucos segundos de apreciação, que o County realmente deveria tornar vestidos como aquele o uniforme padrão.
Estava ficando tão hipnotizado que quando ela se virou para mim, pensei que estava no paraíso. E aí vinham mais conclusões: aquele decote me fazia tremer, tinha o caimento perfeito, aberto o suficiente para não parecer vulgar - e sim, gostosa - e modelava seus seios como nenhum sutiã faria, mesmo o com mais enchimento possível. Se antes estava em dúvida sobre o que mais eu deveria fantasiar com Abby, sabia exatamente qual era a melhor agora.
- O quê? - ela indagou, sem realmente saber o que se passava na minha mente pervertida depois de me ver medindo-a dos pés à cabeça; eu sabia disfarçar muito bem quando o que eu mais queria era levá-la para a sala mais perto e despi-la por inteiro. Mas não, eu tinha que me comportar, pelo menos até o fim daquele longo turno.
- Esse vestido realmente 'funciona' em você! - eu disse, com um olhar descarado de desejo, esperando que ninguém mais tivesse ouvido. Era verdade, a mais pura verdade!
- Fica quieto, safado! - ela riu esbanjando ainda mais seu charme para mim e fazendo automaticamente com que minha fantasia só melhorasse cada vez mais.
Esperei que ela andasse um pouco para continuar minha 'avaliação' e saí para pegar umas fichas, satisfeito e cheio de pensamentos maliciosos envolvendo Abby e eu em uma daquelas inúmeras salas do PS. John, vai trabalhar, vai!
Eram 3:50 da manhã quando havia finalmente saído de um dos traumas que insistiam em aparecer em excesso naquela madrugada e quando enfim pude pegar a primeira ficha na recepção para atender um paciente 'normal', pra variar. Mas antes que eu pudesse chegar lá, Malik já apresentava apressado um paciente que parecia um tanto 'urgente'.
- Sala de exames 3, uma aparente torção do tornozelo... Pode olhar? - ele dizia, com um olhar um tanto esquisito, como se quisesse que especialmente EU atendesse esse.
- O quê? - eu perguntei tentando entender o que estava se passando, ele riu e foi andando.
- Ela pediu para que eu chamasse o 'Doutor John' para atendê-la. - ele continuou rindo estranhamente e desapareceu no corredor, assim como sua risada maléfica. Fui atravessando a porta da sala encucado. Definitivamente, hoje era dia de esquisitices para Carter, não travessuras, nem...
- Hey doutor! - poderia ter pulado de susto se não fosse tão agradável ver um grupo de bruxinhas, fadinhas e diabinhas e o conto de fábulas inteiro da Disney numa mesma sala, todas com pinta de modelo me encarando e sorrindo e provavelmente pensando que eu as examinaria em um turno apenas. Claro, se fosse outras épocas, outros ares, à essa altura eu já estaria pulando de alegria mentalmente e crendo que não sairia daquela sala sem ter pelo menos o telefone de uma delas. Mas não! John Carter de hoje, muito bem comprometido e fiel à alguém - muito obrigado! - e com uma certa integridade a manter onde havia se tornado praticamente o 'manda-chuva' do andar, não fazia esse tipo de coisa. E talvez eu nunca tivesse sido tão desesperado assim, se é que alguém pode acreditar nisso - sim, eu era um CDF do caramba, que estava muito ocupado pra pensar em mulher enquanto estudava sobre como realizar uma pancreatojejunostomia em plena sexta-feira à noite.
Bom, mesmo com todos aqueles corpos fantasiados e expostos à minha volta, tinha que fazer o meu trabalho. Só torcia para que Abby não entrasse ali...
- Oi... - olhei em sua ficha em busca de um nome; se é que aquela garota me conhecia, eu tinha certeza que não lembrei dela de imediato - Srta. Alyssa! Pelo visto você tem uma fratura no tornozelo, certo? - ela concordou com a cabeça, com uma feição de dor quando viu que eu estava pondo a luva para tocá-la.
- Ah, doutor, acho que você não deve se lembrar de mim...Eu e minhas amigas estávamos numa festa dançando à beça quando meu pé virou e eu senti uma dor imensa. Pode resolver...sem engessar? - ela sorriu um pouco, e pela sua voz, parecia mais nova do que realmente aparentava. Tinha 22, como constava na ficha mas, mesmo assim, não estava totalmente convencido de que aquelas pernas quase inteiramente à mostra pertenciam à uma garota - ou devo dizer mulher? - de 22 anos. Mas eu tinha que examiná-la, certo?
- Não sei. Provavelmente...Vamos tirar uma radiografia e ver como vai estar, ok? Daqui a pouco vem alguém te buscar para tirar os raios-X, e eu volto já! - tirei as luvas e tentei sair o mais rápido possível de lá mas quando ia atravessar a porta, ouvi uma voz feminina me chamar.
- Doutor, por favor! - eu a encarei, dessa vez uma 'diaba' sentada no canto da sala, com uma cara ainda mais falsa do que a voz que fingia muita dor também. - Acho que acabei me cortando quando Alyssa caiu em cima de mim. - a moça de lábios carnudos disse com uma voz decepcionante, incriminando a própria amiga.
Peguei um par de luvas novo e fui até a maca onde a garota estava sentada numa posição um tanto sensual, fazendo questão de também mostrar suas lindas e torneadas pernas para os olhos de um médico correndo risco de vida agora se certa pessoa o encontrasse lá. Ao terminar de olhar seu corte na perna, pude concluir que ela precisava de alguns pontos, o que também me daria mais tempo ali, na 'jaula-da-morte'. Como eu não poderia fazer nada pra escapar, liguei na recepção e pedi que um enfermeiro trouxesse lidocaína e Vicryl 0-3 para que eu a costurasse. E fiz questão de falar bem claro enfermeiro, no gênero masculino, para que não houvesse nenhum tipo de correspondência com Abby. Logo Malik trouxe o que eu havia pedido - graças a deus! - e saiu, com a mesma risada maléfica e o mesmo olhar de antes. Ah, esse Malik...
- E então...- a moça, uma tanto atrevida, se aproximou eu diria que demais enquanto eu a suturava e segurou meu crachá. - "John Carter, M.D."? Você é bonitinho! Você sai que horas? A nossa festinha ainda continua, se você quiser vir com a gente... - ela disse e se aproximava ainda mais, me tentando à todo o custo, enquanto as outras concordavam com o convite. E eu, como o cara mais ingênuo que existe pra esse tipo de mulher, apenas continuei costurando e costurando, tentando não olhar de modo algum para o seu decote chamativo quase colado em mim enquanto ela se encurvava para olhar o que eu estava fazendo. Como um homem, em sua plena consciência máscula, poderia ignorar completamente aquelas insinuações?
- Eu saio às 7 da manhã, mas obrigado. - respondi, sem mover em qualquer fração de segundo meu olhar de seu hematoma. - Não se mexa muito, por favor!
- Que peninha! Fica pra próxima então! - ela disse bem baixinho e soltou uma pequena risada contagiante. E eu torcia para que essa fosse a última 'fantasiada' que eu teria que atender naquela sala. Apenas mais alguns nós e eu já sairia dali comemorando por ainda estar vivo. Mas como a sorte não acontece com tanta frequência na vida de John Carter e eu sabia que qualquer minuto antes era muito cedo para comemorar, uma Abby 'avoada' adentrou a sala, cheia de fichas na mão e, ao me ver ali, sentado, numa sala cheia de mulheres que ela considerava 'irmãs-mais-novas-da-Britney-Spears', suturando uma delas com o decote a alguns centímetros da minha visão, ela apenas arqueou as sobrancelhas e sorriu, pra minha surpresa. A única coisa que me passou pela cabeça foi meu relacionamento indo pros ares mais uma vez.
- Pelo visto o doutor não precisa de ajuda por aqui, não é? - ela disse, com a voz mais irônicamente doce que já fizera e largando todas as fichas no balcão, fazendo um imenso estrondo. Senti meu rosto queimar e pensei que se pudesse enfiar minha cabeça em um buraco no chão, eu o faria. - Afinal, suturas são feitas apenas por médicos, e não por estudantes que precisam aprender ou mesmo enfermeiros completamente qualificados...
Terminei a sutura e levantei do banquinho, caminhando até onde estava Abby e, acredite, bem longe da garota suturada.
- Abby, Malik armou pra mim, eu nem sabia que... - ela me interrompeu, pegando todas as suas fichas de volta e saindo da sala.
- Carter, por favor, você não me deve explicações...Por que não volta lá e faz um 'exame geral' em todas elas, hein?! - eu fui atrás dela, tentando recuperar sua atenção e um pouco de nossa relação.
- Hey, Abby - eu chamei enquanto ela atravessava o corredor em direção à sala de medicamentos e como não obtive respostas, segurei-a pelo braço e a fiz me encarar a força. - Me escuta! Eu entrei naquela sala e me surpreendi ao ver todas aquelas mulheres ali, não vou negar, mas... - ela deu de ombros, como se não ligasse para o que eu fazia ou deixava de fazer em sua ausência. - Não senti nada! Examinei duas delas e...apenas percebi uma coisa: nunca gostei de mulheres fantasiadas de bruxa, nem de coisas macabras. Prefiro as fantasias mais realísticas, sabe... - eu apelei pro meu charme, jogando olhares intensos e transformando a força que minha mão usava no braço de Abby em um tipo de abraço acolhedor ao redor de sua cintura. Pela mudança que seu olhar passou, percebi que havia conseguido 'domar' aquela ferinha ciumenta. Abaixei meu tom de voz e sussurrei perto de seu ouvido. - Quero dizer, nenhuma delas estava usando o vestido de enfermeira mais sexy que eu já vi! Aliás, a única que está usando é você! - ela me olhou de uma forma incrível, como se nunca esperasse que eu diria alguma coisa de sua fantasia daquela forma. O que eu poderia fazer? Eu tinha que ganhar a loirinha de volta!
E quando nossos lábios estavam quase para se encontrarem, Susan surgiu de algum lugar que eu ainda não descobri e nos interrompeu totalmente, batendo em minhas costas de leve antes de colocar suas luvas, apressada.
- Hey Esqueleto-Garanhão! Antes de irem para um quarto, por favor, trabalhe um pouco! Um trauma está vindo, GSW (tiro no peito) em 3 minutos. - rapidamente, Abby se soltara de meus braços desprevenidos e se recompôs, andando até a recepção. - Abby, volta aqui, vou precisar de toda a ajuda possível! - e assim, eu, Abby e Susan corremos para as salas de Trauma à espera dos pacientes.
