Era mais uma longa e tediosa noite para Petyr. Sentado atrás de sua escrivaninha em seu escritório de Mestre da Moeda, observava montanhas de papéis, livros de contabilidade e recibos amontoados à sua frente. Tanto desperdício, pensava. Montes e montes de ouro e prata gastos nos preparativos para o casamento do Rei Joffrey com Margaery Tyrell, o qual ele já sabia como se sucederia. Finalmente o estúpido bastardo morrerá e eu estarei livre do ninho de intrigas desta Corte. Não que ele fosse avesso às intrigas. Pelo contrário, as plantava e as colhia muito bem, ao seu belprazer. Temia levemente o eunuco Varys, o qual vigiava sempre, e tinha um parcial respeito pelo Duende, por sua inteligência. Entretanto é facilmente influenciável. Sorriu, refletindo sobre como era tão simples torcer aquela Corte ao seu favor.
Pensando em casamentos, lembrou-se de que o seu com Lysa Arryn se aproximava. Logo teria de fingir sua partida de Porto Real. Ela deve estar mais feliz e insuportável do que nunca. A partir da morte de Joffrey, teria outro papel para interpretar. De Mestre da Moeda misterioso, passaria para Senhor do Ninho da Águia e de Harrenhal, marido de Lysa Arryn, Protetor do Leste. Pena que terei de aturá-la. Ao menos, como já tinha planejado, teria Sansa sempre por perto, como sua protegida, aquela linda e graciosa donzela filha de Catelyn, tão parecida com a mãe, para alegrar seus dias. E, obviamente, estaria mais poderoso do que nunca. Em breve poderei me livrar de Lysa e ficarei a sós com minha nova pequena Cat. Perdeu-se brevemente em pensamentos deleitosos sobre a ideia de pode tocar o corpo daquela menina, mas acabou sorrindo amargamente. Por mais tentadora que fosse a ideia, ainda assim, ela não era a mãe.
Enfastiado com suas ocupações, resolveu deixar os afazeres tediosos de lado por aquela noite, e desceu da torre, tentando distrair sua mente. Passando pelos salões principais, eram evidentes as mudanças em Porto Real agora que o Casamento Real se aproximava. Tecidos de carmesim, ornamentos de ouro, flores pendendo de todos os lugares e todo o tipo de decoração que uma cerimônia desse porte exigia estavam presentes.
Passou pela Sala do Trono para se dirigir aos seus aposentos. Lá estava o Rei Joffrey, cercado de seus asseclas, avaliando o trabalho com os preparativos, e torturando a pequena Sansa, que se encontrava parada a seu lado.
— Vê? Vê tudo isso, toda essa comida, bebida, decorações e presentes? — Os olhos verdes do garoto luziam, sádicos. — Terei o melhor dos Sete Reinos para agradar a minha futura Rainha. Coisa que traidoras como você nunca serão dignas de receber. Mas, não se preocupe. — O rapaz mirou com lascívia o decote da garota. — Se implorar o suficiente, talvez eu lhe permita compartilhar minha cama comigo uma vez ou outra, quando minha linda Rainha estiver ocupada com outros assuntos. Porém, se ousar engravidar de um bastardo traidor nojento, eu o arrancarei de seu útero junto com suas tripas. — Deu um sorriso doentio para a menina.
Sansa, entretanto, parecia não estar nem ouvindo. Seus olhos azuis como os de Cat, distantes, revelavam que não dava atenção alguma ao rapaz. — Como quiser, Vossa Graça — disse, enquanto baixava os olhos para um arranjo de flores próximo. Sem perceber, Mindinho fez o mesmo. Flores azuis e grandes, dispostas em um buquê ornamentado.
A lembrança foi instantânea.
Há muitos anos atrás, nos terrenos de Correrrio, a pequena senhora Catelyn e o agregado Petyr Baelish brincavam juntos. Tinham por volta dos onze anos, e todas as tardes se encontravam no Bosque Sagrado próximo ao castelo, por onde corriam riachos e havia muitas árvores e alguns represeiros. Muitas vezes, Lysa, a irmã mais nova de Cat, juntava-se a eles, assim como Edmure, o irmão mais jovem, o que irritava o pequeno Petyr. Lysa parecia apreciar muito a sua companhia, embora ele só a tolerasse para não desagradar Catelyn. Por isso, para ele os momentos a sós com a Tully mais velha eram de completo regozijo.
Essa tarde fora um deles. Catelyn e o garoto, cansados de correr pelo Bosque, estavam sentados à beira de um riacho, rindo e conversando. Catelyn brincava com os tejos, os pássaros-das-cem-línguas, que bebiam água no riacho e banhavam-se aos seus pés. Ela sorria e dava risadinhas, enquanto Petyr a assistia encantado.
— Petyr! — ela chamou. — Venha cá! Olhe como eles são bonitinhos.
— São bonitinhos sim.— O garoto se aproximou e sentou-se ao seu lado. Nem de longe tão lindos como você, pensou.
—Olha! — a menina riu deliciada. — Este pousou no meu dedo.
Petyr se levantou e colheu algumas frutas silvestres em um arbusto próximo. Voltou e ofereceu-as a Catelyn. — Dê para eles, e vão todos pousar em suas mãos.
— Obrigada. Boa ideia! — Ela sorriu em agradecimento. — Você é sempre tão esperto Petyr.
Satisfeito com o sorriso que recebeu, o menino se sentou ao lado dela, observando o fluxo do rio.
— Petyr — a garota falou, enquanto acariciava alguns pássaros e alimentava outros. — Qual é o símbolo da sua Casa? Sempre que ficamos aqui perto do rio eu me lembro das trutas Tully, pulando. Mas eu não sei o símbolo da sua. Qual é? — Ela sorriu e olhou para o menino, seus olhos azuis tão inocentes, luzidios e cristalinos como a água do riacho que corria defronte aos dois.
— Minha Casa não tem símbolo. — Ele deu um sorriso irônico e olhou para os próprios pés. Na verdade, tinham, a cabeça do Titã de Braavos. Mas Petyr o considerava de péssimo gosto. — Somos vassalos sem nome, mal temos terras ou sequer títulos.
— Ah! Desculpe-me — a menina se apressou em responder. — Quero dizer, meu pai já tinha me falado que você é nosso agregado, mas eu não sabia que algumas Casas não tinham símbolo e, ai, me desculpe, estou falando besteiras. Foi burrice minha perguntar. — Catelyn olhou pra ele preocupada.
— Seu pai está certo — afirmou o garoto. Embora em pouquíssimas coisas, pensou mordaz. — E não precisa se preocupar, nem se desculpar — acrescentou Petyr. Quando eu crescer, não serei vassalo de ninguém.
Ela fitou seus olhos longamente com suas belas íris azuis, enquanto o garoto tentava lhe sorrir como se lhe dissesse para não se importar com o assunto. Catelyn então se levantou e se aproximou dos pássaros. — Fecha os olhos! — Cat pediu.
Obediente, o menino assim o fez. Sentiu as mãos de Catelyn tocarem e abraçarem as dele, e estremeceu, surpreso e empolgado pelo contato. — Calma — a menina Tully falou, enquanto depositava um passarinho nas suas mãos em concha, e segurava as do menino por cima das suas. Sentou-se na frente dele e disse:
— Se você não tem símbolo, eu te dou um. O símbolo dos Baelish pode ser esse passarinho, o pássaro-das-cem-línguas, o tejo, muito parecido com você! Porque você é muito esperto, capaz de cem coisas diferentes! E, além de tudo, é muito gentil, assim como eles — Cat riu. — Pode usá-lo como um distintivo, ou como um broche para unir sua capa. Não importa o que papai diga sobre senhores e suas terras, você é meu melhor amigo e nada vai mudar isso. — Deu-lhe um beijo na testa.
O menino sentiu seu rosto corar, e não conseguiu manter o olhar de Catelyn. Um pássaro-das-cem-línguas, para as cem canções que vou te dar quando crescer para ser o Lorde que irá te desposar. No mesmo momento, ambos foram surpreendidos, simultaneamente levando um sobressalto. As amas de Catelyn gritavam por ela nos jardins próximos, e a garota se despediu, falando que no dia seguinte brincariam juntos de novo.
Petyr ainda ficou sozinho no Bosque Sagrado por muito tempo, com seu pássaro nas mãos e o calor de Cat junto delas. Não conseguiu parar de sorrir até que vieram procurar por ele.
No dia seguinte, Lysa estava melhor disposta e se juntou aos dois. Edmure também. A irmã mais nova estava particularmente irritante, enciumada pelo dia que o menino e Cat passaram juntos a sós, mas Petyr agiu como se nada tivesse acontecido. Fingiu não ver os olhares que ela lançava para si, e em seguida para Catelyn, e foi particularmente carinhoso com a Tully do meio nesse dia.Brincaram e riram a tarde toda, todos juntos. Quando Lysa e seu irmão os acompanhavam, não tinham de brincar escondidos, o que deixava Catelyn mais confortável, embora o pequeno Baelish preferisse estar junto da irmã mais velha dos Tully em algum lugar que ninguém os perturbasse. No futuro, ninguém mais ousará nos atrapalhar, Cat. Prometeu em pensamento.
Quando as septãs vieram buscar as duas irmãs, Petyr esperou Lysa e Edmure caminharem na frente, alguns passos a distância. Nisso, segurou levemente o braço de Cat, falando aos seus ouvidos:
— Venha pro bosque sagrado hoje de noite, depois do jantar. Tenho algo para te entregar.
Naquela noite, se pusera a esperar Cat muitas horas antes do horário combinado, só para ter certeza de que tudo correria como tinha planejado. Não queria que nada estragasse suas pretensões. Quando enfim a menina chegou e se aproximou, foi a sua vez de pedir:
— Feche os olhos.
Catelyn obedeceu, enquanto ele entregava um buquê em suas mãos. Grandes flores, de pétalas em formato de um espaldar longo e muito azul. Ao abrir os olhos, ela sorriu e soltou um guincho de alegria.
— São as minhas preferidas! São...
— ...Flores Tully. Ela sorria para o menino, muito feliz, embora preocupada. Provavelmente por saber que aquelas flores eram apenas cultivadas em um canteiro dos jardins principais do castelo. Se o jardineiro ou qualquer outro descobrisse que o garoto as tirara de lá, Petyr estaria com problemas. — Colhi as primeiras que desabrocharam este ano, para que você fosse a primeira a vê-las. São suas. Em retribuição ao presente que me deu ontem, embora não tenham nem metade do valor.
— Não! É maravilhoso, Petyr, eu gostei muito! — Ela sorria convicta.
— Ainda assim, não significam a mesma coisa. Mas não se preocupe com isso, não será o único presente que lhe darei. — Caminhou para perto dela com um sorriso travesso nos lábios, e falou em tom de segredo aos seus ouvidos.
— Sabe o que os pássaros fazem as flores?
— N-não... — gaguejou Cat. Ele pôde perceber a respiração ofegante da garota, demonstrando sua surpresa com a proximidade do menino.
— Beijam-nas. — Ele se aproximou, segurou seu queixo delicadamente com as mãos e lhe deu um beijo delicado. — Eu gosto muito de você, Cat.
Dito isso, acariciou seu rosto, e deixou sua mão ir descendo ao longo dos braços dela, até sua mão direita, a qual segurou e deu um leve apertão. Olhou profundamente em seus olhos azuis, que pareciam confusos, desviando dos dele em seu rosto corado. Ela estava inerte, chocada, sem reação. — Até amanhã, e não conte a Lysa. — Virou-se e saiu rapidamente do Bosque Sagrado, sentindo-se muito feliz consigo mesmo.
Voltando à realidade, o Petyr adulto encontrava-se parado no Salão do Trono. Já não havia ali mais Rei Joffrey ou Sansa, nem tampouco metade dos servos cuidando dos preparativos. Sacudiu levemente a cabeça e se dirigiu aos seus aposentos. Não sem antes surrupiar uma das Flores Tully do grande buquê disposto em uma das mesas.
Chegando no quarto, despiu a capa e se preparou para deitar. Ao lado da cama, em sua cabeceira, depositou seu broche e a flor que tomara. Colocou-os com cuidado, bem próximos um do outro, juntos. A flor, a comprida e azul flor Tully. O broche, um pingente prateado em formato de tejo, o pássaro-das-cem-línguas.
