Divinos olhos eclipsados
Seu sorriso era sempre melancólico e seu semblante pensativo. Quando se achava contente em uma companhia, era porque realmente seu coração gozava, e todas as suas expressões eram espontâneas; por isso procurou reconhecer algumas qualidades no adjunto em que se via, observando e estudando as pessoas que o rodeavam, para gozar o prazer de com elas conviver.
Os Black tinham, é verdade, belo exterior, mas também eu não sei quê de cruel sarcástico em suas fisionomias, que desagradava, além disto sua conversação tratava somente de planos gigantescos, futuras riquezas, e agrandecimento pessoal. Nem uma palavra só de caridade, compaixão ou afeição que denunciassem outros sentimentos que não fossem a cobiça naquelas almas ambiciosas, ali era ouvida.
Mas Sirius parecia ser o seu gênio, não tirando dele seus olhares de gato, e obrigando- o a atendê-lo, dirigindo-se a ele a cada instante.
Respondia a todos os seus pensamentos, que exprimia todos os seus sentimentos com uma sensibilidade tão meiga. Ao pensar assim, seu coração se entristecia com a terrível ideia que pela primeira vez também lhe assombrava ao espírito, da possibilidade de perder essa aventura.
Ele estava triste agora: sua palidez, que contrastava com o negro de seus olhos expressivos e belos, dava à sua fisionomia o cunho de uma beleza de superior distinção. Suas formas elegantes se retraçavam por uma vestimenta de algum luxo para a sua condição.
Contemplava mudo e tristemente o deus daquela festa. A simplicidade de um amor amava como o primeiro homem teria amado a primeira mulher. A ideia de que poderia vir a ser a causa de sua morte o horrorizava.
Assim como a amenidade da tarde tão serena nesse dia, o suave cheiro das trepadeiras silvestres que embolsamavam a atmosfera dessa ilha encantadora, tudo isto fez desaparecer do espírito militar a impressão desagradável que recebera ao chegar.
Seus amigos em cuja companhia gozava verdadeiros prazeres deixava a luz duvidosa do dia.
Entretanto, a frescura matutina, o cheiro agradável de tantas flores que o cercavam, trouxeram-lhe lentidão, distraindo o seu espírito com ar adocicado que lhe vinha dessa atmosfera embalsamada de tão suaves cheiros. Pouco a pouco deixou de escutar, suas ideia foram-se desvanecendo do seu cérebro escandescido, sua memória fracamente lhe retratava os objetos, não fixando a vista já sobre coisa alguma, seus olhos fatigados se fecharam, e morfeu estendeu-lhe as asas benéficas trazendo-lhe um sonho de felicidade e ventura!
Sem ele para que queria ele a vida?
Há dores que, depois de rasgarem o coração, fazem que se amaldiçoe o infeliz que as plantou em nosso pensamento pela confissão de fatos ignorados; essas dores são o horror que uma alma bem formada experimenta, quando reconhece crimes que a mente nunca havia concebido contra a humanidade.
Confesso-lhe, meu corpo tremeu, minhas pernas fraquejaram! Depois, entreguei-me a uma verdadeira desesperança na luta travada com a impossibilidade de salvar-me.
- Ah! Não vê, senhor, o que estou sofrendo? Vós outros, grandes, não sabeis o que é compaixão; não. O orgulho o saberia, mas abafas no coração esse doce sentimento que fez a nossa felicidade.
