A ENCOMENDA
- Alguém saberia me dizer do que se trata essa poção? - ecoou a voz fria de Snape pela sala escura de Poções. Esta, mesmo no calor da época de volta às aulas, conseguia ser quase tão fria quanto um dia de inverno.
Para nenhuma surpresa Hermione Granger levantou sua mão, indicando que sabia a resposta, e para nenhuma surpresa, Snape ignorou-a.
- Draco?
Só ao ouvir a voz de Snape é que Draco foi despertar de seu devaneio, e isso não passou despercebido aos olhos do atento professor de poções. Percebendo o olhar de censura do diretor da Sonserina ao seu aluno de ouro, Harry e Rony não conseguiram deixar de trocar sorrisinhos irônicos. Draco ignorou-os – não sentia-se particularmente dado a disputas naquele dia – mas sentiu-se como que rasgado pela chacota dos dois, ainda que fosse infantil. Não que algo que viesse da boca daquele insignificantezinho com cabelo de cenoura estragada pudesse o atingir. Era aquele vermezinho presunçoso metido a herói que fazia seu sangue ferver. A maneira como desfilava sua cicatriz asquerosa pelos corredores... Sempre com seus fiéis seguidores à sombra de sua fama desmerecida. Coitados! Como se ele realmente os apreciasse, egocêntrico como era... Como se tivessem mesmo seu respeito, sua admiração...
- Ahn... desculpe... não sei exatamente, Professor.
- Céus – bufou Snape, impaciente. — Certo, Srta. Granger. Qual a sua resposta decorada de livros didáticos?
- A Ojesed Liberatio - respondeu Hermione de prontidão - é uma poção cujos ingredientes são de obtenção dificílima. Aquele que a ingere não consegue mais reprimir seus desejos e é impelido a agir de acordo com eles. A poção tira todo o medo e auto-controle do bruxo que a toma – ele passa a ser completamente dominado pelos seus desejos mais profundos.
- E alguém saberia me dizer qual é o tempo aproximado que o bruxo fica sob o efeito dessa po ... sim, Srta. Granger?
- O efeito dura aproximadamente 48hrs.
- Então, saindo da teoria, vamos à prática.
- Nós vamos preparar Ojesed Liberatio, professor? – perguntou Pansy Parkinson.
- Logicamente que não, Srta. Parkinson. Essa poção está quilometricamente distante do nível dessa turma. Faremos algo mais simples, se bem que para alguns de vocês o simples já é um grande desafio.
Sentados na biblioteca, os três tinham suas cabeças abarrotadas por livros, pergaminhos e penas fazia um bom tempo. Tirando Harry e Rony de sua concentração, Hermione começa em um sussurro alarmado:
- Estive pensando...
- Imagine só, que novidade – interrompeu Rony.
- Então – continuou Hermione ignorando-o – estive pensando em como essa Ojesed Liberatio é perigosa...
- PERIGOSA? – diz Rony exaltado, recebendo um olhar reprovador de uma Madame Pince com cara de quem abrira um pacote de Feijõezinhos de Todos os Sabores e comera um de sabor "vomito de ressaca". – Perigosa? È maravilhosa! Imagina não ter mais seus medos te impedindo de fazer o que você quer de verdade.
Por um breve instante, Harry pensou ter visto os olhares dos dois amigos cruzarem-se, mas foi interrompido por Hermione, que voltara a falar.
- Por Merlin, Rony, não é assim que a coisa funciona. Nós não conhecemos todos os nossos desejos, como lidaríamos com o que desconhecemos? E se alguns desejos fossem para continuarem guardados? Além do mais, seria muito perigoso se fosse usado para manipular as pessoas.
- Como assim manipular? – indagou Harry – Não estamos falando da Maldição Império! A Ojesed Liberatio é o exato oposto da manipulação! A pessoa só faz o que ela quer mesmo.
- Pois é, Harry. Acontece que normalmente nós usamos o nosso bom-senso para resolver se vamos ou não seguir uma vontade. Se alguém fizesse outra pessoa tomar a poção sem que ela soubesse, ela poderia fazer o que quer fazer, mas não o que ESCOLHERIA fazer, se pudesse. Isso tiraria completamente o livre arbítrio da pessoa, entendem?
- Ta, mas eu bem que gostaria de ter coragem de pular no pescoço do Malfoy na frente de Hogwarts inteira, sem medo de levar uma detenção. – rosnou Rony pra dentro.
- Nossa, Rony, quer dizer que seu maior desejo é pular no Malfoy? – perguntou Hermione com um sorriso brotando no canto dos lábios. – Isso é no mínimo suspeito.
Draco abriu sem vontade mais uma das cartas despejadas, ultimamente, em seu colo por uma coruja altiva cujo dono ele conhecia muito bem. Abriu-a sem o mínimo interesse, apenas porque sabia que a coruja não iria embora enquanto ele não lesse.
Caro Draco,
Pouparei reprimendas sobre seu comportamento atual, pois não tenho tempo a perder com pormenores, indo direto ao assunto.
Devido a sua falta de resposta às minhas cartas, fui obrigado a procurar respostas em outros lugares. Felizmente, Severus me foi muito prestativo, revelando-me algumas curiosidades sobre sua postura durante as aulas e sua ausência fora delas.
A sua displicência durante as aulas, ainda que não me agrade, não é o que mais me incomoda. São as suas prolongadas ausências durante os finais de semana o que mais desperta meu interesse. Não me oponho às "distrações" juvenis que Hogsmeade possa oferecer nos dias de folga, mas lembre-se de que conheço pessoas o suficiente para saber que, se você tem ido a Hogsmeade, certamente tem sido muito discreto, porque ninguém o tem visto por lá.
Só espero que essas suas atividades, sejam lá quais forem, não estejam te afastando de seus propósitos.
Mantenha seus amigos por perto e seus inimigos mais ainda, ou melhor, seu inimigo.
Com carinho,
Seu pai,
Lucius Malfoy
- Meus propósitos? Seus propósitos! – disse Draco, amassando a carta e jogando-a no chão antes de sair do dormitório.
A sala comunal da Grifinória irrompia em risos enquanto Fred e George exibiam sua mais nova criação: Pixies-ao-Alvo, em que os jogadores amarravam pixies¹ em dardos e o objetivo era ver qual deles atingiria mais rápido o alvo, que no caso era um retrato de um rapaz louro e pálido. A imagem de Draco Malfoy contorcia-se de dor e indignação a cada vez que levava uma pixiada. O prêmio era uma caixa de deliciosos sapos de chocolate, que a avó de Neville Longbottom havia mandado para ele. Neville, entretanto, não sabia que seus deliciosos chocolates haviam sido surrupiados para servir a esse fim.
Com dor na barriga de tanto rir, Harry quase conseguia ignorar um pensamento que se escondia no canto de sua mente. Quase, não totalmente. Como deveria ser para um garoto de 15 anos carregar o brasão da família Malfoy em tempos tão críticos como aquele? Talvez, se havia algo tão ou mais difícil quanto ser julgado por ser um "sangue-ruim", essa coisa era ter que estar à "altura" de ser um puro sangue.
Mas logo seus pensamentos foram varridos de sua mente quando a sala explodiu em gritos de vitória, pois o pixie de Gina Weasley havia acertado em cheio o alvo, ou seja, o nariz empinado de Draco Malfoy.
- Eu juro, Diretor Dumbledore, – reafirmou Neville Longbottom - eu não roubei nada, consegui isso em uma viagem pelo leste europeu com Vovó.
- Ah, claro,- disse Snape, abrindo um sorriso sarcástico, mostrando duas fileiras de dentes amarelos - então você encontrou por um acaso, jogado por aí, um frasco de saliva de dragão ucraniano!
- Calma, Severus, não vamos tirar conclusões precipitadas. Neville não tem nenhum histórico de furtos nesta escola. Se o aluno diz que não pegou, é porque provavelmente não pegou.
- Afinal, nada é mais confiável do que a palavra de um aluno- comentou Snape. - Até porque, se os alunos dizem que não fazem festas em seus dormitórios após o toque de recolher, é porque eles re-al-men-te não fazem.
Se a Borgin & Burke's já oferecia um ambiente frio normalmente, no inverno ela conseguia superar as masmorras da Sonserina. Inúmeras cristaleiras abarrotavam a loja, a maioria contendo objetos estranhos que não inspiravam a menor vontade de toque. Ao ouvir o som de alguém entrando, o velho mirou furtivamente de trás do balcão, deparando-se com um jovem que parecia estar congelado de tão pálido, só depois de um tempo se dando conta de quem era:
- Meu rapaz, por mais que me honrem as suas visitinhas inadvertidas, eu avisei a você que isso levaria um tempo...
- Eu já te dei tempo, Borgin. Vários meses, até. E ainda consegui o que faltava pra você terminar o trabalho.
- Mas jovem Malfoy, estamos fazendo o possível para que você tenha o que quer até o feriado de Natal. Posso te garantir que até lá você terá o que deseja.
- É. Pode ter certeza que sim.
O inverno havia definitivamente chegado, e isso não passou despercebido pelos alunos que faziam guerra de neve no jardim. Os três aproveitaram o fato de ter parado de nevar para sentarem-se próximos ao lago semi-congelado, passando juntos os últimos dias antes das férias de Natal. O castelo, como era de costume na época de Natal, estava inebriado por uma atmosfera de férias vindouras. Apenas uma figura pálida e magra, sentada a distância em um tronco de árvore caído, destoava do clima natalino.
- Não sei, não gosto nada disso, o comportamento dele está muito estranho esses dias. – disse Hermione.
- Dias?? Meses!! Desde que as aulas começaram. – exclamou Rony.
- Nossa, quanta vigilância! Percebe-se que pular nele realmente é o seu desejo mais profundo! – debochou Hermione.
- Humpf – e virou-se para Harry dizendo: - Valeu, hein, Harry. Só por que você não vai passar o Natal lá em casa esse ano vai deixar de me defender desses ataques constantes à minha masculinidade.
Harry sequer virou-se para os amigos, enquanto uma coruja branca, sentada em seu colo, que quase confundia-se com a neve, bicou levemente seu dedo por cima de sua luva. Este estava concentrado demais na pessoa que estava longe. Por um momento seus olhares se encontraram e Harry surpreendeu-se ao notar que o outro estava sem qualquer vestígio da sua expressão costumeira. Não conseguia identificar nada naquele olhar, era tão nulo que sentiu-se insignificante. Pela primeira vez ele sentia que Draco Malfoy não o enxergava. Nesse instante, porém, pensou ver um lampejo de fogo acender-se naquele olhar vazio.
- Harry? – Rony cutucou-o. – Ta aí?
- Hã, oi? Ah, é, deixa a masculinidade dele intacta, Hermione.
Uma coruja negra, com manchas marrons espalhadas por suas penas e olhos avermelhados, deu leves bicadas na janela fechada do dormitório masculino da Sonserina quando a noite já era alta e todos dormiam. Apenas Draco, o único aluno acordado, esperando ansiosamente, percebeu a sua presença e, depois de abrir a janela, a coruja entrou. Ela deixou um pequeno pacote ao pé de sua cama e estacou, esperando. Draco amarrou um saquinho pesado de galeões em sua pata e a coruja levantou vôo, saindo pela janela pela qual entrou e que foi fechada rapidamente após sua saída.
Draco admirou sua encomenda rapidamente antes de guardá-la, pois hoje não era o dia de abri-la. Sabia exatamente quando colocaria seu plano em prática: na manhã seguinte, a última sexta-feira antes das férias de Natal.
Mesmo no último dia de aula do semestre, nenhum aluno ousou se atrasar para o primeiro tempo. Severus Snape não era tolerante com atrasos, e ninguém queria voltar após o recesso com uma detenção para cumprir. Mas nem todos conseguiram ser suficientemente pontuais. Um minuto após o início da aula, entra um Harry Potter esbaforido, que parecia ter corrido o mais rápido que pôde para não se atrasar, tendo evidentemente falhado.
- Dez pontos a menos, Potter, pelo seu atraso. Menos outros dez pontos pelo tumulto que causou.
Harry deixou escapar um muxoxo, que foi logo captado por Snape.
- E menos cinco pontos por lidar mal com as perdas, que você mesmo causou.
Sentindo-se prazerosamente dominado pela Ojesed Liberatio, Draco aceitou aquela deixa e anunciou com um sorriso de escárnio:
- Lidar...mal...com...as...perdas...que ELE MESMO causou. Isso não lembra a vocês alguma coisa? Alguma história famosa de mães salvadoras e raios na cabeça?
Vendo o rosto do Harry crispar-se de raiva, Draco sentiu como se uma cratera se abrisse dentro dele, e que a qualquer momento ele seria sugado para dentro de um lugar escuro e desconhecido que o aterrorizava. Harry lançou um olhar silenciador a Rony e Hermione, impedindo-os de esboçar qualquer som.
- Perspicaz sua observação, Draco. Mas basta de interrupções.
Ignorando a advertência de Snape, Draco prosseguiu, como se uma tempestade dentro dele não o deixasse parar.
- Tudo que você toca morre, e não me olhem assim, seus capachos de merda, vocês andam tão colados nele, como se fossem duas sanguessugas, que já devem estar marcados. – E voltando-se para Harry: - E esse seu raio na cabeça ainda vai te queimar, você vai arder, vai virar cinzas. Meu maior prazer seria ser a sua dor, te ver sofrer pelas minhas mãos... – Draco ofegava, sua voz se perdendo na sua garganta, mas a cada palavra, sentia mais força brotar dentro de si.
- Basta, Malfoy! Retire-se imediatamente da minha sala.
Inspirando sua ira, como uma rajada de vento que ele guardava para tempestades mais importantes, Draco saiu da sala.
- Cinco pontos a menos para Sonserina – disse Snape. – Abram seus livros na página 759.
Harry temeu Draco. Ele já havia sentido muitas coisas por Draco: desprezo, pena, repulsa, raiva... mas nunca, nunca medo. Por baixo de sua superfície de menino invejoso e mimado, parecia haver algo mais: um homem com a fúria de um dragão. Meu maior prazer seria ser a sua dor... A idéia de que Draco quisesse causar dor a Harry não era surpreendente, mas o fato de ele querer ser a sua dor... Nunca lhe ocorreu que Draco queria ser algo que pertencesse a ele, algo tão... tão... SEU como a sua dor.
Perdido em seus pensamentos, Harry caminhava pelos corredores de Hogwarts, sem saber ao certo aonde ia. O castelo estava vazio, pois fazia algumas horas que quase todos haviam embarcado para suas casas, não sem antes compartilhar com ele alguma brilhante teoria sobre o "surto psicótico" do Malfoy.
Sentindo que algo havia mudado no ambiente, Harry olhou para trás de rabo-de-olho, sentiu-se aliviado ao ver que era apenas Nick Quase-Sem-Cabeça deixando um rastro frio atrás de si.
O que aconteceu em seguida pareceu ter durado uma eternidade, ainda que tivesse, na realidade, passado-se em menos de dez segundos. Uma voz a alguns metros atrás de Harry berrou "Accio varinha!". A varinha de Harry saiu voando do seu bolso no mesmo instante em que ele sentiu uma pancada forte em sua nuca, sendo tomado por uma tonteira brusca. Antes que pudesse apoiar-se em uma parede, desabou.
N/A:
1. Pixies são as criaturinhas que o professor Gilderoy Lockhart liberou tragicamente na sua primeira aula em Hogwarts.
Esperamos que tenham gostado desse primeiro capítulo Reviews são bem vindas.
