Disclaimer: Soul Eater pertence a Atsushi Okubo. Espero que gostem e boa leitura!
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O Encontro, O Tédio e O Vírus
Inquieta noite. Se aproximava dás sete horas de uma sexta-feira. O vento morno balançava as cortinas da sala, e às vezes alcançava os pés descalços sobre o confortável braço do sofá. Era Soul que repousava de sua maneira preguiçosa e descontraída, folheando uma de suas revistas em quadrinhos: Abóboras Assassinas. O semblante amargo do rapaz era inusual, e o mesmo culpava as piadas sem graça daquela edição. O tédio estava em um nível acima do normal e com este, a impaciência. O menino-foice queria ação. Ceifar alguma coisa. Esticar as pernas. E com um pouco de sorte, saborear uma deliciosa alma. Era o seu instinto. No entanto estava em casa; ouvindo o tedioso som do ventilador, que o refrescava naquele início de verão.
Parando para refletir, o rapaz se perguntou o porquê de não sair correndo porta à fora em busca de aventura. Oras, era sexta-feira à noite. E todo artesão e arma que se prezava sabia que este era o momento que a insanidade rolava à solta. Foi então que, após deitar a revista sobre o seu peito, o jovem irritadiço suspirou e fitou os vultos pelo corredor do apartamento. E lá estava a razão, o porquê. - Esticando-se no sofá, Soul tentou espiar melhor a causadora daquelas pisadas fortes e apressadas pelo assoalho. "Como uma garota magricela como ela pode ter pés tão pesados?" - Ele murmurou em sua mente, conforme franzia o cenho e entortava os lábios, insatisfeito e intrigado, pois não conseguira ver nada além de um cabelo dourado esvoaçante, solto e ondulado nas pontas. Decerto, a estranha verdade era que, bem dentro de si, em uma parte obscura e indesejada, o menino-foice contorcia-se; relutante, sabendo que fora trocado por outra pessoa naquela noite.
- Soul!
A voz repentina estremeceu o corpo do rapaz, tal como uma corrente elétrica, mas antes que o mesmo fosse pego espionando-a, aconchegou-se no sofá e ergueu outra vez a revistinha sem graça em direção aos seus olhos.
- O que foi? - Ele perguntou. Fingia ler os quadrinhos, mas apenas a ouvia se aproximar.
Maka parou à poucos passos do sofá, indo direto à questão que a deixava ansiosa:
- O que você acha? - Referia-se à sua aparência, após inúmeras trocas de roupa.
Soul a fitou pelo canto dos olhos e percebeu a inquietude nas mãos da jovem, que ora tateava o belo vestido vermelho mogno, e ora perpassava o cabelo e o delicado pescoço. Ela esperava o comentário, quiçá crítica, evitando o tímido contato visual. "Será que eu exagerei?" - A artesã matutava, mas o amigo largado no sofá, por sua vez, deixava o seu rosto pender - quase que inconscientemente - à direção dela. Maka estava linda. E isso não era surpresa.
O tedioso ventilador soprava sobre aquelas mechas, que a jovem quase nunca soltava. Era provável que a mesma soubesse que desse modo atraísse mais olhares. Entretanto, e entre tudo o que o intrigava, a expressão meiga e insegura de sua parceira era o que mais o desconcertou. Se não a conhecesse bem, diria que era uma típica garota apaixonada.
- Soul? - Estranhando a demora, a manejadora de foices insistiu e decidiu encará-lo.
- O que? - Ele piscou como se voltasse à realidade, encontrando o olhar esverdeado e menos ansioso sobre si.
- O que você acha?
- Acho do que? - Ele devolveu a pergunta, fazendo-a bufar e revirar os olhos.
- O vestido, Soul. O vestido. - Maka respondeu, perdendo a paciência. - Eu tenho um encontro hoje, caso você tenha esquecido. - Ela respirou fundo na tentativa de recobrar a calma, e então virou-se de costas, encarando o rapaz por cima do ombro despido.
Soul admirou aquele novo ângulo e sentiu uma estranha pontada em seu peito. Por que diabos a menina queria saber a sua opinião? O semblante dela ainda era tímido e corava em meio à expectativa de receber algum elogio. Porém, confuso e orgulhoso, o rapaz desviou os seus orbes cor-de-sangue de volta às Abóboras Assassinas.
- Dá para o gasto.
Ele respondeu em seu forjado tom desinteressado. E o semblante da jovem perdeu o brilho anterior. Evans segurava firme a revista entre os dedos, forçando-se à manter sua pose de cara descolado, mas o silêncio da menina o fizera espiá-la de canto outra vez.
Maka havia declinado o rosto à frente. Afagava as pontas de seu cabelo. Encarava um ponto qualquer. Aquela faísca de insegurança tornava-se em uma labareda dentro de si, pois nunca havia saído em um encontro antes; pelo menos com ninguém além de seu indecoroso pai. E a bela sabia que em algum lugar, distante, e muito mais profundo em sua alma, desejava ser uma garota normal. Todavia, - conforme enrolava a mecha loira em seu dedo indicador - a jovem artesã se deu conta de que o previsível comentário de seu parceiro a decepcionou.
- Maka.
A voz rompeu o devaneio da menina; e ao mesmo tempo surpreendeu o próprio rapaz, que a chamou em um impulso involuntário. Maka novamente o fitou por cima do ombro, encontrando-o sentado, retribuindo o olhar incerto e sutilmente alarmado. Quando Soul recobrou o sentido, o seu olhar suavizou em meio à certeza do que estaria para dizer, porém, assim que o rapaz entreabriu os seus lábios, a campainha tocou. Sete horas em ponto.
Em um reflexo, a menina virou-se em direção ao corredor. O vestido esvoaçou junto às mechas douradas; e o perfume que exalava fora finalmente percebido. Maka sentira o coração disparar. E Soul sentira a alma de sua parceira oscilar. Vendo-a estremecer e tocar o próprio peito, o rapaz umedeceu os lábios e roçou a nuca tensa antes de prosseguir.
- Maka. - Ele repetiu, mais grave e confiante; e a jovem desta vez virou-se completamente para encará-lo. O semblante frágil e ansioso de sua parceira o fizera suspirar pesado, enfadado. Maka era a garota mais irritantemente destemida que conhecia. Logo, era frustante vê-la assim. - Não se preocupe. Apenas vá... - Esboçou o seu melhor sorriso de canto e completou. - E seja você mesma.
O coração da jovem travou uma batida e, como uma válvula de escape, aquelas palavras aquietaram parte da ansiedade dentro de si. Soul tinha esse estranho poder. Ele conseguia enlouquecê-la e também acalmá-la como nenhum outro. Seus olhares - brilhantes como esmeraldas e rubis - ainda fixavam-se um ao outro; e aos poucos a artesã retribuía o sorriso à sua arma que, após tanto tempo, aprendera a ouvir o murmúrio entre suas almas.
Logo a quase-esquecida campainha soou novamente, rompendo aquela espontânea sintonia. Maka mais uma vez espiou o corredor por impulso e retornou o seu olhar para o amigo, que apenas meneou a cabeça do seu jeito descontraído, incentivando-a a seguir em frente.
- Obrigada, Soul. Eu te vejo mais tarde.
Após mais um breve sorriso, a menina acenou e deixou a sala às pressas. Soul apenas ergueu a mão em um movimento simples, mas, assim que a viu pisar no corredor, o seu semblante decaiu. O tédio parecia retornar em dobro. E aquela estranha pontada em seu peito. Ele segurou outro suspiro pesado em seus pulmões até que ouviu o som da porta principal fechando-se. Logo deitou-se mais uma vez no sofá. Levou um dos braços para trás da cabeça. O ruído tedioso do ventilador tornou a predominar. Todavia, agora o perfume dela parecia se alastrar junto ao vento. Fitando o teto sem muito interesse, cogitou a ideia de sair pelas ruas; encarar o mundo em uma jornada solitária. "Quem precisa dela, afinal?" Ele murmurou, descansando as pálpebras por um instante.
- Onde a Maka foi?
A familiar voz manhosa surpreendeu o rapaz, que sentou-se em um reflexo. Ele encarou a gata de pelos negros ao tempo em que a mesma se transformava em uma bela mulher, sentada sobre a mesa de centro.
- Ah, é você Blair. - Ele respirou aliviado e afagou o próprio cabelo espetado e esbranquiçado. - Ela saiu em um encontro. - Respondera quase incrédulo. Era menos real até o momento em que juntou aquelas palavras em uma única sentença.
- Maka? - O tom surpreso acompanhava os grandes olhos dourados. - Eu pensei que ela não gostasse desse tipo de coisa.
- E não gosta. Gostava. Eu não sei mais. - Ele roçava os dedos entre a sua nuca; a cabeça ligeiramente curvada para baixo. Blair o fitou, entortando também a sua cabeça para o lado, como uma típica gata curiosa. A frustração do rapaz a intrigava, e quando intrigada, a pseudo-bruxa sempre vinha com uma ideia atrevida.
- Soul. - A voz ainda manhosa o chamou, porém, sem receber a atenção desejada, a gata decidiu continuar mesmo assim. - Por que não vamos atrás deles?
O rapaz a encarou ainda mais surpreso do que antes.
- Você ficou louca, Blair? Por que eu faria isso? Eu não me importo com o que quer que estejam fazendo. E-eu não tenho nada a ver com isso. - O menino-foice respondera de uma única vez, em um único fôlego, fazendo a mulher de cabelo arroxeado erguer uma sobrancelha desconfiada. E após alguns segundos sendo encarado, o rapaz indagou aborrecido. - O que foi? - O rubor nascia em seu rosto.
- Blair quis dizer sairmos junto à eles. Um encontro. Blair também quer sair em um encontro. - A gata cruzou os braços e entortou os lábios. Sentindo-se ainda mais constrangido por seu repentino exagero, Soul apenas deitou-se e escondeu-se mais uma vez por trás de sua revista em quadrinhos.
- De jeito nenhum. - Respondera, determinado.
Blair o encarou com mais seriedade; detestava ser contrariada, todavia, assim que colocou os seus olhos felinos sobre a capa de Abóboras Assassinas, um grande sorriso malévolo surgiu em sua boca. Quão mais sugestivo poderia ser aquilo? - O rapaz continuava forçando-se, inutilmente, a ler a revistinha sem graça quando percebeu que uma sombra cobria a sua visão. Intrigado, desviou o seu olhar para o alto e a sua espinha congelou ao ver uma enorme abóbora caindo à sua direção. A risada maligna da pseudo-bruxa fora a única coisa que ouvira antes da explosão que fizera uma grande torrente de fumaça escancarar todas as janelas e portas do apartamento.
- Ai... - Grunhiu o rapaz, que se viu caído e encostado na parede do outro lado da sala. Ele massageava a nuca dolorida quando ouvira o chamado alarmado e desesperado do homem que entrou pela porta, em meio à toda aquela fumaça.
- Maka! Maka! Papai veio te salvar! - O ruivo de barba por-fazer avançava com seus braços; movimento que mais parecia uma tentativa estranha de nado borboleta. Ele perambulava às pressas até que o segundo morador daquele apartamento decidiu intervir.
- Ela não está aqui. - Soul avisou ainda amuado. E agora de muito saco-cheio.
- Oh, é mesmo? - Spirit ergueu o rosto curioso, e muito menos preocupado, por cima daquela fumaça em busca do rapaz. - Então, onde está a minha doce filha?
Soul levantou-se do chão da sala, ficando ao alcance da visão do mais velho. E após colocar as mãos nos bolsos de sua calça - já que o calor o impedia de usar o seu adorado agasalho -, cogitou em responder. E conhecendo bem o pai da artesã, dizer a verdade não seria uma boa ideia. Todavia, Blair fora mais rápida.
- Ela saiu em um encontro! - A mulher-gata assentada sobre uma grande abóbora flutuante respondeu entre risos. - Blair está com tanta inveja. - Choramingou. O sorriso ainda nos lábios entortava-se em uma careta atrevida e manhosa, e as belas pernas balançavam animadas acima da fumaça e do caos que provocara.
- E-e-e-encontro? - O ruivo gaguejou boquiaberto, estarrecido; sua feição estava mais pálida do que a máscara do Grande Shinigami. - A minha querida e ingênua M-a-aka? - O típico lamento dramático e paternal se seguia, e a respiração intensa dele parecia dissipar a fumaça do apartamento com mais rapidez.
Blair achava graça do homem em meio àquela crise-de-pai-ciumento. E conforme sobrevoava a sala em sua abóbora mágica, esquecia-se por alguns instantes do menino-foice à quem lançara uma enorme bomba. Soul todavia - menos entediado, porém mais frustrado - curvou a cabeça e suspirou pesado pela milésima vez naquela sexta-feira à noite, que estava ficando cada vez pior. Logo, decidido, e aproveitando a sua breve invisibilidade, espreitou-se por entre a fumaça e saiu à rua.
O ar puro finalmente adentrou os seus pulmões, e o frescor noturno agitou o seu cabelo esbranquiçado e ajeitado por um fino arco preto. O céu estava estrelado e a lua, que sempre estava a sorrir, parecia cansada devido ao início do verão. "Eu devia ter feito isso mais cedo." - Evans concluiu e passou à caminhar sem rumo. Encurvado. As mãos em seus bolsos. Ele subia e descia as ruas de Death City, sinuosas e abstratas, até que encontrou-se próximo ao centro urbano. Ele observou os comércios à todo vapor, a iluminação de letreiros e vitrines, e vagava em meio ao aglomerado de pessoas. Foi então que, em um mero impulso, parou frente à uma livraria.
Soul não sabia ao certo o porquê, mas ao analisar os exemplares no mostruário sentiu-se menos solitário. Em outras circunstâncias estaria decepando alguma criatura, feliz-da-vida, em alguma caverna, calabouço ou mausoléu. Era sexta-feira à noite. E agora o menino-foice se via desmotivado. Pois, não importava o lugar que fosse, tudo era insuportavelmente chato. "Inferno!" - Irritado, o rapaz berrou aos céus, atraindo alguns olhares ao redor. No fim, acabou por extravasar o estranho sentimento que reprimia; chegando a conclusão de que o insano da noite era ele mesmo.
- Eu sei, meu jovem. - O senhor de chapéu comentou ao lado, empático. Soul o fitou surpreso, percebendo que o sujeito desconhecido também espiava a vitrine. - É frustrante como os livros da capital são caros. Malditos impostos. - O velho queixava-se conforme roçava a barba crescida com os dedos enrugados, pensativo.
Soul discretamente recuou alguns passos até que esgueirou-se entre o fluxo de pessoas na rua, fugindo do constrangimento e da conversa-fiada. Já estava tarde e, cansado, decidiu pegar o seu rumo de volta ao apartamento. Encurvado, fechou os punhos dentro dos bolsos. A jornada não saíra exatamente como esperava, isto é, sem qualquer ação. E descendo uma ladeira qualquer, Soul concluiu que, ou ele não tinha o faro para problemas como acreditava ter, ou a sua artesã era o que realmente atraía os problemas. "Droga." - Ele bufou. Evitava pensar na menina de mechas loiras, mas naquele instante acabara caindo novamente na armadilha de sua própria mente. Por que diabos estava tão frustrado? Se não enfiasse a sua lâmina avermelhada em alguma coisa, definitivamente enlouqueceria.
Foi então que ao entrar em um parque escuro e deserto - atalho para a sua casa -, sentira um estranho calafrio. "Isso é...?" - Curioso, parou sob o poste de luz, encarando uma sombra entre as árvores. A figura peculiar usava uma túnica negra, e seus orbes amarelos encaravam-no intensamente. O vento sacudia a folhagem dos arbustos e galhos, e o silêncio era apenas quebrado pela inquietude dos insetos e o riso sádico do luar. Logo Soul preparou-se, suspeitando da criatura. E não demorou até que, em um repentino salto, a figura saísse das sombras e avançasse contra o jovem rapaz; revelando a sua calvície de pele acinzentada, dentes e garras pontiagudas.
- Já estava na hora. - O menino-foice comentou; um sorriso audacioso estampado em sua boca. Finalmente a sua lâmina encurvada, que substituía o lugar de seu braço direito, fora libertada, e o seu brilho sedento e afiado refletiu a imagem da criatura infame antes do primeiro golpe.
Sete da manhã. O despertador soou como um cântico agradável aos ouvidos de Maka Albarn, que deliciosamente espreguiçou-se sob o fino lençol. Após grunhir preguiçosa, revirou-se na cama e desligou o despertador. Era sábado e, como sempre, aproveitaria o seu tempo ao máximo. Logo sorriu manhosa ao sentir a luz do sol tocar a sua pele. Ergueu as delicadas pálpebras. Fitou o teto. E por fim suspirou, lembrando-se da noite encantadora que teve.
Richard era um rapaz educado e inteligente, adorava livros e tinha belos olhos castanhos. O conhecera na biblioteca. Esbarravam-se à toa. Trocavam uma ou duas palavras. Entreolhavam-se sem jeito, até que, em um confuso dia, o rapaz reuniu coragem o suficiente e convidou-a para um encontro. E este fora perfeito. Quiçá, perfeito demais. O coração da bela artesã ainda desconhecia muitas coisas e dificilmente conseguia estar em sintonia com sua mente. No entanto, se aprendera algo com essa nova experiência, era que, independente do que fosse, ela sempre poderia ser "ela mesma".
Como se a ansiedade do dia anterior nunca houvesse existido, a jovem ergueu-se da cama. Serena. Cantarolando de lábios fechados. Vestiu-se com a sua saia jeans claro e uma camiseta branca qualquer. Fez a típica maria-chiquinha em seu cabelo loiro. E após ajeitar a sua cama, andou até a cozinha. Pôs o avental. Encheu a chaleira com água. Colocou-a no fogo. Ia em direção à geladeira quando notou o amigo caído de bruços na sala.
- Soul? - Maka ajoelhou-se ao lado dele e tocou-lhe o ombro. - Isso não é lugar para dormir, seu tapado. Vá para a cama. - O rapaz grunhiu de dor e a jovem franziu o cenho, fazendo-o virar-se. Espantada, a menina encontrou a camisa ensanguentada e marcada por enormes garras na região do abdome. - Soul! O que houve?
Evans abriu os olhos com dificuldade e após ver a menina, sorriu de canto.
- Eu venci. - Ele respondera com o seu timbre convencido e gutural, e a artesã o fitou com mais seriedade e aflição.
- Do que você está falando? Quem fez isso com você? - Maka indagava, porém o rapaz apenas virou o rosto cansado para o lado, rindo baixo. - Soul! - Insistiu, continuando a tocar-lhe o ombro.
- O Nosferatu. Eu acabei com ele. - O rapaz voltou a descansar os olhos; o sorriso ainda nos lábios feridos.
- O que? - O belo olhar esverdeado se abriu ainda mais.
Sem esperar por mais explicações, a menina correu pelo apartamento em busca de remédios, curativos e toalhas, logo retornando para perto do amigo. Maka ajoelhou-se novamente, terminou de rasgar a camisa com uma tesoura e começou a limpar o ferimento.
- Seu imbécil. Há quanto tempo você está exposto ao vírus?
Soul franziu o cenho e resmungou quando sentiu a ardência em seu abdome.
- Sei lá. - Ele respondera, orgulhoso e desinteressado, fazendo com que a amiga fosse menos delicada no tratamento. - Ai! Isso dói!
- Cale a boca! - A menina exaltava-se. Suas mãos quase-trêmulas, após desinfeccionar os cortes com água benta, começava a espalhar a pomada anti-vampiro-bizarro das indústrias Shinigami®. - Você não sabe o quanto isso é perigoso? E enfrentar um nosferatu sozinho? O que você tinha na cabeça?
Soul levou um braço até a região de seus olhos, pressionando-os na tentativa de conter a dor do corpo e da mente. Todavia, a resposta que escaparia de sua boca era a prova de que não obteve sucesso.
- Você.
A voz saíra rouca, do fundo de sua garganta, mas o repentino apito da chaleira o abafara e distraíra a menina, que suspirou pesado. Logo a artesã levantou-se. Limpou as mãos em uma toalha antes branca. Retirou o avental sujo de sangue e o jogou na cadeira da cozinha antes de desligar o fogo. Lavou as mãos. Suspirou pesado pela segunda vez. E durante àquele curto silêncio, o rapaz a espiava por baixo do braço; incerto de sua atual condição, e ainda mais confuso pelo o que dissera há poucos segundos.
- Eu fico uma noite fora e você quase se mata. - A jovem murmurava, fazendo duas canecas de chá acima de uma bandeja. - Além disso, que bagunça era aquela na sala? Eu tive que ajeitar tudo sozinha quando cheguei! Até parece que explodiram alguma coisa aqui. - Após terminar de preparar o chá, a menina voltou à sala e deixou a bandeja sobre a mesinha de centro.
- É culpa da Blair. - Soul respondera, sentando-se com dificuldade.
- Por que não estou surpresa? - Maka rolou os olhos e então o ajudou a se acomodar melhor. - Fique parado. Eu vou terminar o curativo.
Evans obedeceu em silêncio, deixando-a enrolar o seu abdome com ataduras brancas. O rosto dela se aproximava e ora ou outra parecia que estava para abraçá-lo, mas apenas o circundava com aquele pequeno rolo de pano. O perfume dela ficava à cada volta mais perceptível e agradável e, desapercebido, Soul ergueu as mãos por trás dela.
- Idiota. - O murmúrio escapou dos lábios da menina, que em um sussurro indagou: - Por que eu estou sempre me preocupando com você?
Soul acordou de seu transe e recuou as mãos antes de tocá-la. Maka espiava a velha cicatriz entre os novos ferimentos, fazendo-a se lembrar do dia em que o rapaz se sacrificou para protegê-la do ataque de Crona e Ragnarok. E percebendo isso, o rapaz encontrou o mesmo semblante entristecido que a parceira costumava ter naquela época.
- Eu sinto muito.
A voz gutural e sincera fizera a menina parar e encará-lo nos olhos. Ele retribuía o olhar com certo pesar, como se, depois da longa noite que tivera, estivesse cansado demais para esconder-se por trás de seu sarcasmo.
- O que aconteceu, Soul? Você está estranho. - O olhar esverdeado brilhava um confuso e adorável zelo, porém o rapaz declinou o rosto e respirou fundo.
- Não aconteceu nada.
Não convencida, a artesã ergueu novamente o rosto do amigo e o tocou na testa para averiguar a temperatura. O vírus talvez estivesse o afetando. E Soul também começara a pensar o mesmo, pois sentia-se mais estranho do que o de costume. Logo, a menina se voltou às ataduras e após terminá-las, virou-se para a mesinha de centro.
- Aqui. Beba isso. - Erguendo a caneca para o amigo, ordenou em seu tom gentil. Ela também entregou-lhe alguns comprimidos, e mais uma vez o rapaz obedeceu sem questionamentos. - Eu não sei como o seu corpo reagirá ao vírus. Então é melhor você não fazer esforço físico hoje. - Ela comentou e o ouviu grunhir aborrecido após bebericar do chá.
- Eu estou bem. - A teimosia em sua voz acompanhava o olhar distraído para o lado.
- É apenas por precaução. - Maka insistiu conforme ajuntava as coisas que utilizara para tratá-lo, porém, quando apoiou-se no chão para levantar-se e guardá-las, acabou ferindo-se com uma lasca de entulho, que deveria ter permanecido desde a explosão da pseudo-bruxa. - Droga. - Ela queixou-se ao ver o pequeno corte na palma de sua mão.
Soul fitou a artesã, curioso, e a observou retirar a afiada lasca de dentro de sua pele rosada. O sangue dela escorreu por entre os dedos e o coração do menino-foice apertou-se como se fosse virar ao avesso. Soul rapidamente levou a mão sobre o seu peito; e a expressão sofrida em seu rosto surpreendeu a jovem, que por instinto, tocou-lhe no ombro. E este fora o seu pior erro.
- Soul! O que está fazendo? - Ela berrou quando o encontrou sobre si, segurando-a pelos pulsos no chão da sala. As pupilas do amigo dilatavam-se e aos poucos as íris tornavam-se amareladas.
- Maka. - Ele grunhiu desejoso, e após aproximar o seu rosto, deslizou a boca sobre o pescoço de sua artesã em um impulso irrefreável.
- P-pare! - Maka tentou debater-se porém fora inútil. A respiração dele se tornava cada segundo mais intensa ao pé de seu ouvido e, sem mais esperança, a jovem cerrou os olhos aguardando a feroz mordida.
A lenda - de acordo com os livros - presumia que o ser Nosferatu desenvolvia dentes afiados após se alimentar de um certo número de vítimas, mas como Soul possuía presas por natureza, a assustada menina imaginava que tipo de estrago seria feito em seu frágil pescoço. Todavia, entre o som daquela respiração selvagem e o balbuciar de seu próprio coração, a artesã sentiu os lábios do amigo subir devagar pelo o seu queixo e inesperadamente encostar em sua boca.
Os olhos esverdeados novamente se abriram, surpresos; mas conforme aquele toque se tornava à cada mover mais parecido com um beijo, a jovem deixou-se permanecer de olhos fechados, disposta à senti-lo e retribuí-lo. "Esta é a magia do Nosferatu?" - Ela questionou-se ao fundo de sua mente - no momento - pouco racional. Além de seu corpo não responder de acordo com o bom-senso, sentia uma estranha e fascinante energia formigar sob a sua pele. Sussurros em sua cabeça convidavam-na à entregar-se. Mas, entre tudo o que estava a assustando, encontrou o pior dos impulsos aflorar dentro de si: o desejo de ser abocanhada por aquelas presas.
O beijo ardente e impulsivo roubava o ar da jovem até que o menino-foice retornou a boca ao delicado pescoço dela. Ela sentira o hálito quente arrepiar a sua nuca, e mais uma vez o respiro intenso e animalesco lhe preparar para o inevitável. Os dentes pontiagudos arranhavam a sua pele rosada, todavia, quando Soul estava para finalmente abocanhá-la, outro aperto em seu coração o fizera gemer de dor e cair ao lado. O remédio - felizmente - parecia começar a fazer efeito.
Ainda presa sob aquele ludibriante encanto, a jovem permaneceu imóvel. O brilho desfocado e opaco de seus olhos encarava o teto sem motivo, mas assim que o amigo desmaiou, sentiu o seu penoso raciocínio voltar e surpreendê-la. "Não é possível." - Sua feição corou, chorosa. E ligeiramente trêmula, ergueu a mão até a própria boca. Era difícil acreditar no que acabara de acontecer.
N/A: Oooolá. Esta é minha primeira fanfiction de Soul Eater no site. Obrigada por ter lido até aqui e, se gostou, deixe o seu review e favorite/follow para ser notificado do próximo capítulo. Vejo você lá. ;)
