Prólogo

Shinji: Vinte anos se passaram, nós sobrevivemos e crescemos. Muitos que estavam mortos voltaram a viver, muitos que estavam vivos acabaram mortos, como o meu pai por exemplo. Morto. Eu vi tudo, eu escolhi, eu entendi o que era o mundo, o que era a nossa luta, mas nem todos acreditaram. Disseram que foi um ataque do governo americano e que tudo o que eu vi foi uma alucinação. Besteira...

Por muito tempo fui tratado como maluco, por muito tempo me senti incomodado com isso, mas eu não me importo mais. Agora eu tenho uma coisa mais preciosa para tomar conta.

Asuka: É engraçado como as coisas podem mudar tão rápido. Em uma hora você está deitada numa cama hospitalar em coma e na outra está sentada atrás de uma mesa preparando o último relatório para o bundão do seu chefe. Em uma hora você está praguejando no banheiro de uma corporação secreto que nunca vai querer ter filhos e na outra está dirigindo seu carro para buscar seu filho no jardim de infância.

Eu nunca pensei que fosse terminar desse jeito...

Rei: Sentimentos? Sim, eu sei o que são sentimentos agora. Solidão. Ódio. Amor. Compaixão. Alegria. Eu estava sozinha e tive que procurar todas essas coisas dentro de mim mesma, coisas que, até então, eu não sabia que existiam em mim. Se eu entendo? Sim, eu entendo. Agora eu sei o que fui, o que sou e o que vou ser no futuro. Agora eu entendo, melhor do que nunca, que não posso mais ser substituída, que não sou mais uma peça de xadrez nas mãos de um homem sem escrúpulos. Agora eu tenho alguém que depende de mim...

Shinji: Os EVAs...

Asuka: A NERV...

Rei: Tokyo 3

Shinji: Nós fomos chamados outra vez...

Asuka:...para alguma coisa...

Rei:...que nós ainda não sabíamos o que.

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Havia sido uma viagem extremamente cansativa para Shinji, ir dos Estados Unidos até o Japão em um vôo sem escalas e depois mais duas horas de carro até a base não era o que ele podia chamar de 'passeio relaxante'. Suas costas estavam doloridas, seus ombros duros, sem contar que não tinha conseguido ter nem ao menos duas horas de sono decente, afinal de contas não era mais um garoto. Estava com 36 anos e isso estava, realmente, começando a pesar. Ele se espreguiçou demoradamente quando desceu do carro e observou o lugar onde estava, se lembrava de lá. Era o Geo Front. Estava mudado, é verdade. Aparentemente ele não havia sido o único que tinha sentido o peso dos anos.

Dois homens engravatados o conduziram pelo labirinto de portas, corredores e escadas que se desenhavam lá dentro sem dizer nenhuma palavra, mas Shinji não esperava nada diferente disso. Ele já tinha experiência o suficiente com os tipos da NERV para saber que não seria a festa da uva por lá.

- Espere nessa sala por favor, Sr. Ikari. Logo nossos agentes estarão com o senhor. – Um dos homens disse enquanto abria a porta.

Ele entrou. Era uma sala ampla com uma grande mesa retangular e uma janela gigantesca que ocupava a parede leste inteira. Todas as cadeiras da mesa possuíam um encosto alto e estavam vazias, alinhadas corretamente, exceto uma. Shinji examinou a mulher de cabelos desfiados sentada sozinha naquela sala, ele sorriu, não podia estar enganado. Ninguém no mundo possuía o mesmo par de olhos vermelhos profundos e sem emoção além de...

- Ayanami. – Rei ergueu o rosto para encontra-lo. Ao contrário dela, que não havia mudado muito, Shinji estava completamente diferente. Não eram só os vários centímetros a mais que ele exibia agora, mas era também algo dentro dele, uma paz interior, uma aceitação do mundo a sua volta que emanava alguma força especial. 'Ele está a cara do pai...' Ela pensou antes de se levantar para cumprimenta-lo.

- Ikari-kun. – A voz ainda era a mesma, ainda era aquele mesmo tom monótono e aveludado, mas Shinji pôde notar um brilho no olhar dela que antes não existia. Ele não tinha certeza, mas talvez aquele brilho fosse vida. Ele caminhou rapidamente até ela e a abraçou, ela não correspondeu, mas isso Shinji já esperava e se sentia confortável. Se as coisas mudassem muito não seria tão familiar.

- É bom ver você de novo. – Ele disse dando fim ao abraço para observa-la melhor. Até começar uma conversa talvez, saber por onde ela esteve, o que andou fazendo, como se virou depois do Terceiro Impacto, ele estava curioso. Mas isso tudo ficou apenas na especulação porque antes que qualquer um dos dois pudesse dizer algo novamente uma outra voz, também conhecida, anunciou-se atrás deles.

- Estou interrompendo alguma coisa? - Shinji deu um passo para o lado e se virou para encarar a mulher alta e bela que, agora, já havia despejado sua bagagem em um canto da sala. – Você não perde tempo não é, Mulher-Maravilha? – Asuka afastou algumas mechas de seus cabelos loiros dos olhos com um movimento gracioso de sua cabeça e encarou os dois parados na sua frente.

- Você está atrasada. – Rei disse.

- Você está loira! – Shinji não se conteve e falou logo depois. Quando eram mais novos, a longa cascata de cabelos flamejantes de Asuka era sua marca registrada, até combinava com a sua personalidade incendiaria. Mas agora aqueles fios alaranjados haviam sido substituídos por mechas douradas, ela continuava linda como sempre havia sido, é claro, mas ele se perguntou intimamente se aquela perda de intensidade havia acontecido mais do que só fisicamente.

Asuka disparou aquelas duas adagas azuis contra os dois ex-colegas de trabalho e fingiu excitação. – Vocês estão fora do manicômio! - O sorriso irônico dela combinaram com as palavras e Shinji precisou sorrir também. Era Asuka, loira e alguns centímetros mais alta, mas ainda assim era ela. – De qualquer maneira, algum de vocês sabe o que estamos fazendo aqui?

- Só recebi o telefonema e vim. – Shinji disse.

- Cheio de vontade própria, como sempre... – Asuka rebateu rapidamente. Ela havia se aperfeiçoado nos anos que se passaram.

- Eles precisam de nós... – Quando os dois olharam para Rei, ela já estava próxima da grande janela e seu reflexo encarava de volta as outras duas ex-crianças. Aquela sim era a Primeira Criança que Asuka se lembrava, sempre ausente em um mundo próprio, sempre aérea e sempre absurdamente irritante.

- Do que você está falando? – Ela perguntou mais irritada do que seria normal, mas todos que a conheciam sabiam, Asuka não era uma mulher normal. E depois de encarar uma viagem atordoante com três crianças insuportáveis no banco de trás sua paciência já estava no limite.

- Uma nova batalha está para acontecer... – Rei continuou.

- O que? – Asuka soltou um suspiro de desanimo e olhou para Shinji. – Por que eu não consigo entender uma palavra do que ela fala? – Ele sorriu suavemente e encolhu os ombros, também não estava entendendo nada, mas achava engraçado a impaciência infantil dela.

- Os EVAs precisam de nós de novo...

Aquilo já era demais para Asuka. Essa mulher ainda devia estar sob efeito de alguma droga anti-depressiva ou qualquer coisa do tipo. Nenhuma palavra que saía da boca dela fazia o mínimo sentido. Os EVAs precisando deles outra vez? Era ridículo, todos sabiam que aquilo não era possível. Shinji passou por ela e se conteve ao lado de Rei. 'Está a cara do pai...' Asuka pensou enquanto observava os dois.

- Mas nós não somos mais crianças, não podemos mais pilotar os EVAs. – Ele disse olhando de volta para Asuka e procurando algum tipo de informação. Ela simplesmente deu de ombros.

- Nós não.

- Quem então? – Asuka levantou os olhos das unhas impecavelmente feitas e encarou as costas de Rei.

- Uma extensão das nossas almas. – Ela e Shinji lançaram seus olhares para fora da janela e puderam ver através do vidro três pessoas cruzando o gigantesco pátio de cimento queimado da NERV.