Disclaimer: Saint Seiya e seus personagens não me pertencem. Esta é apenas uma obra de fã para fãs, sem fins lucrativos.
Presente de Amigo Secreto para Sak. Hokuto-chan, do fórum Saint Seiya Dreams.
Oculto
Grécia, um paraíso na Terra. Fonte de inúmeras mitologias, inspiração para romances, tragédias ou somente um bom local para descanso. Neste país, as chuvas são raras. Mais inusitado ainda, tempo como o presente: raios, trovões. Chuva intensa. Toda a precipitação prevista para o atual mês – um índice muito baixo, diga-se de passagem – caía naquele único dia.
– Não diga que Poseidon resolveu atacar novamente. – torceu os lábios em sinal de frustração. Parecia hipnotizado pela imagem vista da janela. Um fenômeno belo e, ao mesmo tempo, violento.
Em plena tarde, o céu tingiu-se de preto. A chuva torrencial não dava trégua, muito menos sinal de que, um dia, extinguir-se-ia. Os raios refletiam um espetáculo de luzes e formatos. O som dos trovões ribombavam. Parecia que até a terra tremia diante da fúria dos céus.
– Este temporal não é característico do poder dele... – respondeu ao acaso, fitando a janela. Não temia. Aquilo nunca o faria tremer.
– Zeus? – perguntou a si mesmo. Algo ali o incomodava, apesar de nada sentir de anormal. Nenhum cosmo maligno. Nenhuma alteração no brilho ou mesmo na posição das estrelas. Perdera a sensibilidade? A capacidade de prever o perigo? Impossível!
– Não. Esta é apenas uma sequela da ambição humana. Pessoas como eu, como você... – deu de ombros. Parecia mais interessado na leitura do livro que tinha em mãos. Virou a página. Olhou novamente em direção à janela. Fixou-se no homem de costas para si, mais precisamente, nas costas largas, nas nádegas tão bem moldadas pelo jeans. Suspirou. Esqueceu-se da leitura.
– Não somos mais assim... – virou-se na direção de seu interlocutor. Olhos nos olhos.
– Quem disse? Esta sempre foi a nossa natureza. A sua verdadeira natureza, oculta de todos. Até de si mesmo. Você nasceu assim. Nada pode fazer para mudar. – marcou a página, fechou o livro. Perdera o interesse pelo objeto. – Quanto a mim, apenas aprendi a me defender do mundo. Atacar para não ser hostilizado. Sobreviver às humilhações... – declarou, olhando no fundo dos olhos alheios. Identificou sua reação, antecipou o que viria.
– Quem ouve, pensa que você é inocente. – desdenhou. O brilho reprovador, a revolta por ouvir o que, para si, era uma calúnia.
– Não, não sou. Nunca fui. – levantou-se. Venceu a curta distância entre eles. – Errei. Entreguei-me ao que há de pior em mim. Pensei que levaria mais vantagem se vencesse pela força, pelo poder... – cerrou os olhos um instante e abriu-os em seguida – Nunca me senti aceito pelos demais. Sempre fui visto como um monstro. Às vezes acho que o sou. Depois de tudo o que fiz...
– Você foi perdoado. Nós fomos perdoados. Esqueça! – pediu, segurando-lhe o braço, levando a mão alheia rumo ao seu próprio peito. – Sinta... é meu coração. A maior prova de que sou humano e estou vivo. Não se importe com os outros. Aliás... estamos aqui, não estamos? – tocou a face alheia com a mão livre, acariciou a pele sedosa, bronzeada. – Você não é um monstro. Apenas alguém que escolheu o caminho errado. Pode mudar...
– Posso mesmo? – virou o rosto. – E quem confiaria em mim?
– Eu confio. Não basta?
– Saga...? – chamou, encarando o outro com ternura. Não merecia o amor que ele oferecia, não depois de tanto tempo. Não depois de tudo o que fizera...
– Eu o conheço melhor do que ninguém. Demorei anos para entender sua alma, diferente de você, que sempre entendeu a totalidade do meu ser. Você acha que não me merece, mas... na verdade, quem não te merecia sou eu. Será diferente agora, eu prometo! Deixe-me ser seu apoio e seja o meu. Sejamos apenas um corpo, uma alma, um ser... – declarou, aproximando-se para um beijo.
– Não posso. Não podemos... – lutou para soltar-se. Inutilmente. Não tinha tanta força de vontade para fazê-lo. – Somos homens, somos...
– Somos irmãos. Gêmeos. Sim, Kanon. Somos gêmeos idênticos. Amamo-nos com toda a intensidade de nosso ser. Sentimos a dor que o outro sente, compartilhamos a mesma estrela, o mesmo destino, o mesmo ventre, a mesma placenta. Viemos de um mesmo espermatozóide. Uma mesma semente plantada pelo amor de alguém que nunca conhecemos. Por que isso é tão importante? Por que isso parece tão bizarro, tão... errado? – perguntou, analisando as reações dos olhos azuis esverdeados.
– Não é moral, não é ético... – tentou justificar. Estava hipnotizado pelos longos cabelos loiros, o penteado tão semelhante ao seu. Um reflexo muito semelhante, mas ao mesmo tempo tão diferente de si mesmo. Alguém que já admirou, já odiou, já amou por muito tempo.
– O que é moral? O que é ético nesse mundo, Kanon? Forçá-lo a viver oculto e trancafiado dos olhares alheios? Obrigar-lhe a esconder seu rosto com uma máscara de ferro medieval, outrora destruída por aqueles que nos antecederam? Separar um amor verdadeiro só porque é incômodo a todos ver duas faces idênticas se beijando, se amando? – jogou tudo o que queria na cara dele. Precisava fazer com que o gêmeo acordasse para a realidade. – Não, nada disso é certo. Ademais, não somos considerados exemplos de ética e moral mesmo. Não somos benquistos, talvez nunca o seremos na totalidade. Nada disso me importa agora. Só faço questão de uma coisa...
Kanon sentiu a respiração pesada. Arfava diante de todas as palavras. Como ele conseguia ser tão convincente? Como conseguia ser tão sensato e, ao mesmo tempo, tão sensual? O modo como se movia, o tom de sua voz, o brilho dos olhos azuis esverdeados. Foi preciso um pouco de tempo para recuperar-se, para voltar a ficar apto a responder.
– O quê...? – perguntou por fim. Tremia. Suava frio sem assim transparecer.
– Não quero que você nunca mais se oculte de ninguém. Quero-o ao meu lado, como deve ser. – a frase saiu com uma nota de ordem, de cobrança. Aproximou seu rosto ainda mais. Tocou os lábios alheios com os seus. Estava determinado. Sabia o que queria.
Kanon perdeu a voz, a vontade própria. Sentiu o arrepio percorrer seu corpo. Abriu a boca, mas nada teve vontade de falar. Deixou que a língua alheia o invadisse. Correspondeu ao beijo, puxou a nuca para mais próximo de si. Gemeu ao sentir as mãos fortes moldarem seu corpo.
Saga percebeu a entrega do irmão. Aproveitou-se. Tão logo a boca abriu-se, invadiu-a. Experiente, sabia como prolongar o beijo, maximizar o aproveitamento da situação. Percorreu, com as mãos, as laterais definidas do tronco, as costas fortes sob a camiseta, cada um dos pontos fracos. Provocou, seduziu. Colou os corpos. Notou que não era só ele quem estava animado com a possível continuação.
– Espere! – lutando contra si mesmo, Kanon empurrou o corpo do gêmeo. Sentia vontade de prosseguir, de ir além. Não conseguia. Por mais que seu sexo estivesse um tanto quanto latejante, não conseguia. Mordeu o lábio inferior e afastou-se.
– O que foi agora? – perguntou impaciente. Não entendia nada.
– Saga, eu... eu me sinto um narcisista fazendo isso. Lutei toda a minha vida contra mim mesmo. Instiguei-o a ser ambicioso para afástá-lo de mim, criar um precipício intransponível entre nós. Não posso... – passou as mãos pelos cabelos nervosamente.
– Não é narcisismo, Kanon! Somos diferentes. Por mais que todos digam que somos idênticos, nunca seremos a mesma pessoa. Prova disso é que os demais cavaleiros conseguem distinguir entre nós dois. A cor de nossos cabelos é ligeiramente distinta, nosso modo de ser, vestir, falar... nem a voz é exatamente igual. Eu nunca serei você, por mais que tente... o mesmo vale para você. Nunca será igual a mim. Entenda...
– Tenho medo... por mais ridículo que possa parecer. – confessou.
– Não é ridículo, é explicável, mas... não gostaria de perder tempo agora. Você consegue extrair o que há de pior e o que há de melhor em mim. Inspira-me a ser forte. A nunca desistir. Deixe-me fazê-lo sentir-se especial, brilhar um pouco. Eu te imploro...! – pediu. Estava ansioso por aquele momento.
– Saga... – percebeu a necessidade que o outro tinha de estar ao seu lado. Não podia contestar. Não queria. Por que ainda importava-se tanto com os demais? Por que pensava no preconceito? – Eu não quero fazer nada que o prejudique. Não quero macular a sua imagem.
– Mais do que já está suja?
– Exato! Se ficarmos juntos publicamente, todos pensarão que nada mudamos. Continuamos os mesmos desequilibrados de sempre.
– Isso é preconceito, Kanon! Só uma mente corrompida pode ver um amor com tanto nojo, tanto asco. Se eles pensarem assim, então não merecem a nossa companhia, a nossa atenção. – ponderou, voltando a abraçá-lo. – Ou será que você não gosta de mim o suficiente?
– Nunca diga isso! Não repita... – pediu, com um quê de desespero. – Eu te amo, eu... te quero. Desde a minha adolescência. Não... desde sempre.
– Então confie em mim. – soprou o pescoço do companheiro, lambeu a proximidade da orelha, apalpou as coxas definidas, subindo perigosamente rumo à virilha.
– Saga... – rendeu-se por fim. Não adiantava contestar. O amor era recíproco. Podia sentir... Sorriu como nunca sorrira antes. Entrou no jogo. – Já que insiste, vamos para o quarto. Ficaremos mais à vontade, se é que me entende... – voltou um sorriso pervertido para ele ao novamente conseguir desvencilhar-se.
Sem protesto, desta vez, Saga afastou-se. Deu razão ao gêmeo. Era a primeira vez entre eles. Devia ser especial. Voltariam a ser um único corpo, uma única alma, uma única existência, um único ser. Não iriam esconder-se mais de ninguém. Não permitiria que o irmão fosse novamente colocado de lado, oculto dos olhares preconceituosos e ignóbeis. Seriam felizes. Nada mais.
