Capítulo um - A separação

10 de maio de 1994, Lawrence, Kansas

Pelas ruas e becos escuros da pequena cidade de Lawrence, em meio à chuva forte em mais um cansativo dia de sexta-feira, um garotinho de apenas quatro anos de idade corria o máximo que seu pequeno corpo conseguia. Em seus pequenos braços, carregava o irmão caçula nascido há dez dias.

— Papai do céu, me ajuda!

Driblando a correnteza formada na rua, contornando bueiros que transbordavam devido ao acúmulo de água, a criança estava completamente desamparada. Esquecido por uma sociedade que não sabia e mesmo que soubesse não se importaria com os problemas de sua família. Estava entregue ao acaso. Mesmo que não sobrevivesse faria de tudo para salvar a vida do seu amado irmão.

— Sammy... Aguenta mais um pouquinho, irmãozinho!

Em seu rosto inocente eram vivíveis as marcas do cansaço físico que o dominava. O corpo frágil e pequenino a mais de meia hora se expunha à baixa temperatura e ao aguaceiro daquela noite traiçoeira. E, mesmo que alguns dos transeuntes notassem sua presença, era impossível distinguir as grossas lágrimas que vertiam de seus olhos da água jorrada pela chuva. Ambas molhavam sua face vencida pelo medo de perder os que amava.

— Irmãozinho... Estamos quase lá!

O bebezinho fora envolto pelo irmão em uma manta de croché e outra de flanela, sobrepostas por um grosso plástico encaixando-o como em uma embalagem. Havia apenas o espaço necessário para que o ar não lhe faltasse. Ele dormia tranquilo. Nem sequer imaginava o sacrifício de seus pais e do irmão protetor.

— Papai do céu, não me abandona!

O choro se intensificou ao sentir suas forças falharem. Se não conseguisse chegar ao lugar de destino, o caçula winchester certamente morreria. A mera menção a esse pensamento desesperava a criança que apesar da tenra idade, sentia como se sempre tivesse amado aquele inocente em seus braços.

— Quase... Quase lá! Só... Mais um pouquinho!

Diminuía os passos, assustado. Sentia-se quente e uma sensação diferente o envolvia. Não entendia que estava a ponto de perder os sentidos devido a febre alta e a inflamação na garganta, talvez pelos gritos de outrora somado a sua exposição ao frio intenso. Precisava descansar. Precisava afastar-se da chuva e do frio, mas não entendia isso, pois para si, o mais importante era salvar a vida do irmão.

— Quase... Quase...

Com muito esforço, alcançou a bela casa pontuada por um pequeno jardim florido. Caminhou pela entrada cercada de rosas vermelhas alcançando o pequeno lance de escadas em direção à porta. Por alguns instantes estaria a salvo do traiçoeiro temporal. Seu irmãozinho teria uma chance de sobreviver.

Com cuidado, o pequeno Dean colocou o bebê aos seus pés batendo firmemente na porta. Não uma duas ou três batidas, mas o suficiente para arrancar um grito de alguém que, pelo tom de voz irritado, já estava dormindo.

— Quem está ai?

Ninguém respondeu então, a criança bateu com mais força.

— Mais que diabos!

Um homem irritado caminhou a passos largos até a porta, abrindo-a com sofreguidão.

— Meu Deus! — Exclamou assustado olhando para o pequeno Dean novamente segurando o bebê Samuel em seus braços.

— Por favor, senhor!

A criança tremia incapaz de pronunciar mais alguma coisa.

— Venha, querido! Primeiro vou cuidar de você e desse bebezinho! Depois, quero que me diga onde estão seus pais!

O senhor se abaixou intencionando pegar as duas crianças nos braços. Dean se antecipou fazendo com que somente o pequeno Sam fosse pego. E, se afastando dele falou com convicção antes de alcançar mais uma vez as ruas molhadas da cidade de Lawrence.

— Cuide dele! Preciso voltar e salvar meus pais.

E saiu. Deixando o confuso senhor alheio a qualquer explicação sobre sua misteriosa aparição.

S&D

Quando Dean ouviu uma voz grossa e áspera perguntando irritado sobre a pessoa que batia na porta de sua casa, o pequeno encolheu-se um pouco, mas em momento algum pensou em desistir. Continuou batendo até ouvi-lo esbravejar algo que não conseguiu entender. Não importava. Salvar a vida do seu irmão era prioridade e depois do que passara ouvir gritos de um senhor recém-acordado não era grande coisa.

— Meu Deus!

O loirinho observou a fisionomia assustada do homem quando a porta foi aberta de supetão. Estudou bem cada detalhe do seu biótipo. Ele era alto, magro e tinha uma cabeleira farta e grisalha destacando sua pele branca e enrugada, contrastando com o azul-marinho de pijama liso que vestia.

— Por favor, senhor!

Falou compassado, porém firme. Sua voz não podia falhar. Precisava voltar, precisava ajudar seus pais. Esses eram os pensamentos do pequeno quando fugiu com o caçula buscando a ajuda daquele desconhecido.

— Venha, criança! Primeiro vou cuidar de você e desse bebezinho! Depois quero que me diga onde estão seus pais.

O quê? Não! Os cuidados deveriam ser para seu irmãozinho e não para si! Voltaria para sua casa em chamas, para junto de seus pais e só então podia refugiar-se em qualquer lugar, pois estaria ao lado de sua família!

Então, quando o homem se abaixou para pegá-lo junto com o irmão, antecipou-se deixando que somente o bebê fosse pego, e ao se afastar de ambos, olhou para o desconhecido falando com convicção:

— Cuide dele! Preciso voltar e salvar meus pais.

E saiu. Deixando o confuso senhor alheio a qualquer explicação sobre sua misteriosa aparição. E ele, olhando para o pequeno em seus braços, sorriu aos fitar seus pequenos e claros olhos, despertos segundos antes do irmão mais velho partir, como se pressentisse sua inevitável partida.

— Olá, bebezinho! Parece que por enquanto minha esposa e eu vamos cuidar de você!

— Doralice, querida! Desça até aqui! Tenho uma surpresa para você!

S&D

Dean corria ainda mais rápido voltando pelas mesmas ruas e becos pelo qual viera. Suas pernas, mais ágeis devido à falta do peso em seus braços, ganhavam velocidade a cada nova esquina dobrada, a cada curva deixada para trás. As ruas estavam ainda mais desertas. O pequeno menino estava sozinho em meio ao aguaceiro, mas isso não podia lhe importar menos, por que ele corria sem entender que os poucos minutos que passara abrigado da chuva foram suficientes para dá-lhe um pouco de descanso restituindo assim suas forças. Ainda ardia em febre e sua garganta doía cada vez que engolia saliva.

Depois de quinze minutos, dez minutos a menos de seu percurso de ida a casa daquele estranho senhor, Dean avistou após dobrar a última esquina, a casa antes em chamas, lar dos Winchesters há mais de dez anos. Enquanto se aproximava sorria feliz por ver que o fogo fora contido. No entanto...

— Dean, filho! Onde você estava? Eu te procurei em várias ruas e becos e não te achei!

O loirinho virou para trás ao ouvir a voz do bondoso Bob Singer, Melhor amigo de seu pai e aquele ao qual orgulhosamente chamava de tio. Seu rosto demonstrava a mesma aflição contida em sua voz. Ele segurava em uma das mãos um guarda-chuva enquanto estendia a outra em direção ao garoto que sem cerimônia, pulou em seus braços abraçando-o e lhe beijando a face ao mesmo tempo em que agradecia por ter salvado sua família. Infelizmente eram apenas devaneios de um inocente que não sabia que seu mundo feliz fora arrancado de si.

— Dean! Por favor!

— Muito obrigado, tio Bob! Que bom que salvou a mamãe e o papai!

— Filho... Escute-me!

— Eu tive tanto medo, tio! Tanto medo de que algo ruim acontecesse contra eles e contra meu irmãozinho!

— Dean, pare!

O homem pôs o garotinho no chão e segurando firmemente seus braços falou sério fazendo o pequeno olhá-lo assustado. Os olhos verde-esmeralda dele se destacando pela primeira vez naquela noite turbulenta.

— Querido! Desculpe o tio, mas tem algo que eu preciso te mostrar, algo que você precisa saber!

— É uma notícia ruim, tio?

— Infelizmente é uma notícia muito ruim, mas eu preciso que seja forte por você e pelo seu irmão. Acha que pode fazer isso, Dean? — a criança confirmou com um aceno de cabeça.

— Venha comigo!

Bob pôs novamente o loirinho nos braços levando-o a uma ambulância estacionada a aproximadamente dez metros de distância da casa outrora em chamas. Seria um golpe duro para ele, porém precisava ser assim. Não podia deixá-lo no escuro. Não podia enganá-lo sobre a morte dos pais.

— Thomas, esse é o primogênito do casal Winchester. Faça como combinamos.

O rapaz olhou para o mais velho e em seus olhos imploravam que ele reconsiderasse a decisão.

— Thomas, eu sei o que estou fazendo! Abra essa porta agora!

Derrotado, o rapaz suspirou pesadamente abrindo devagar as portas do automóvel. Entrou, recebendo dos braços do amigo o pequeno Dean, devolvendo-o ao homem quando ele também adentrou o interior do carro. Ambos perceberam, preocupados, a temperatura elevada no corpo da criança. Sua exposição à chuva e o forte frio da noite cobrava-lhe o preço.

— Bob! Ele está ardendo em febre! Se nós não...

— Por favor, Thomas!

O enfermeiro assentiu olhando, com pesar, mais uma vez para o pequeno antes de puxar uma coberta branca. Sob ela jaziam os corpos de John e Mary Winchester. Suas peles foram 80% carbonizadas, mas seus rostos eram reconhecíveis em meio as queimaduras.

— NÃO! PAPAI! MAMÃE!

Chorando, o pequeno se debatia no colo do tio lutando para se libertar e fugir daquele lugar. Aqueles não podiam ser seus pais. Não podiam ser. Tentava mentir para si mesmo na busca de alívio para a dor sentida. No entanto, a realidade dos fatos lhe arrancou esse direito.

— NÃO TIO! ESSES NÃO SÃO MEUS PAIS. NÃO PODEM SER! O QUE VOU DIZER PARA O SAMMY!

— Acalme-se Dean! Eu sinto muito filho! Você precisa ser forte! Pense no Sammy! Quem vai cuidar de seu irmãozinho? Ele precisa de você agora mais do que nunca!

Aos poucos, o pequeno Dean parou de se debater abraçando o homem com força, deitando a cabeça no seu ombro, entregando-se ao pranto sofrido.

— Chore, meu menino! Ponha toda a dor para fora do peito. Deixe que ela se vá para sempre.

Desolado e inconformado, sentia como se o mundo girasse em uma velocidade acelerada sem nunca mais parar. A garganta latejava, não sustentava o peso do próprio corpo muito menos dos seus sentimentos. Ver os semblantes sem vida dos pais amados, fora um golpe duro para a criança que sem perceber, perdia aos poucos a consciência. Bob notou a mudança brusca na postura dele e com a ajuda do enfermeiro despiram-no, vestindo-o com uma bata branca guardada embaixo da maca. Suas últimas palavras antes de desfalecer foram voltadas para o irmão que tanto amava. Aquele que arriscara a própria vida para salvar.

Sammy! Eu vou proteger você!

S&D

Após perder os sentidos, Dean foi levado para o hospital infantil da cidade de Lawrence e durante dois dias seguidos permaneceu num profundo estado de inconsciência. Teve começo de pneumonia e depois que acordou ficou uma semana em observação até melhorar sendo liberado sob ordens médicas que incluía repouso e medicação controlada.

Bob cuidou do pequeno, quase vinte e quatro horas por dia. As poucas horas que se ausentava para comer e dormir contava com a ajuda de Ruffus para cuidar daquele que amava como filho. Aliás, o amigo também agilizava — por meios escusos — a papelada que daria a guarda definitiva de Dean e Sam Winchester ao senhor Singer. O velho caçador acreditava que o caçula estava na casa do pastor Jim. Era esse o lugar que os Winchesters levavam as crianças sempre que algo sobrenatural cruzava seus caminhos. Infelizmente, quando Dean estava melhor e foi perguntado sobre seu irmão, a descrição que deu do lugar fez Bob e Ruffus partirem imediatamente levando o pequeno consigo. Temiam ser tarde demais.

Mas a sorte nunca fora amiga dos caçadores e ao baterem a porta do orfanato Maria Imaculada, a casa em que o bebê Sam foi deixado, a noticia que receberam foi pior do que esperavam; o casal de meia idade que cuidava dos internos morrera há dois dias vítimas de acidente de carro. Com isso o filho mais velho do casal arranjou lares adotivos para as oito crianças residentes, incluindo o pequeno Sammy, e como a residência deixaria de funcionar como orfanato, o rapaz não se deu ao trabalho de registrar o endereço dos novos lares dos pequenos. Para ele bastou o fato de saber que eram famílias cujos recursos lhes proporcionariam uma vida materialmente. Bob precisou ser segurado à duras penas por Ruffus e dois empregados da transportadora que retiravam para venda, os móveis do antigo orfanato. Tamanha raiva que sentiu daquele homem mimado e arrogante. Mas, enquanto a confusão acontecia, Dean que observava a tudo com lágrimas nos olhos, entendia o que tinha acontecido com seu irmãozinho, julgando-se culpado por deixá-lo com aquelas pessoas só porque sua mãe dissera que a senhora Doralice era a mulher mais caridosa daquele bairro. Agira apenas por inocência julgando ser o melhor para o irmão caçula.

Meu irmão amado! Eu vou te encontrar e depois destruir a coisa que matou nossos pais. Isso é uma promessa!

Falou para si mesmo segurando o colar preto com pingente de anjo que comprara com sua mãe. Usá-lo-ia até que seu Sammy completasse quatro anos para então entregar a ele.

Sioux Falls, Dakota do Sul, dezoito anos depois.

Dean! Responda garoto!

Bob! Eu... Eu não sei! Eu...

Calma, filho! O que você vê? O que há a sua volta?

Atordoado, o rapaz levantou levemente a cabeça, mas a vista embaçada não ajudava muito. Concentrou-se então nos sons a sua volta.

Bob...

Estou aqui, garoto! Pode falar!

O mais velho falava desesperado pelo celular. Havia sido difícil fazer o loiro atender seu telefonema após o acidente. Temia que ele desmaiasse a qualquer momento sem lhe indicar algum ponto estratégico da cidade Sioux Falls.

Eu escuto... Escuto... Sons... Água correndo... Pá-pássaros cantando.

Isso, Dean! O que mais?

O jovem deu um longo suspiro abrindo novamente os olhos e quando o fez suspirou sem perceber ao vislumbrar a fisionomia da pessoa ao seu lado, gentilmente soltando-o do cinto de segurança.

Você é um anjo!

Mergulhou na escuridão da inconsciência, deixando o celular cair de sua mão.

Continua...


Boa noite, pessoal!

Aqui estou eu com mais uma Wincest. Essa terá dois capítulos. O segundo sairá somente sexta-feira. Espero que gostem. Aguardo seus rewies, ok?

Amanhã finalmente sairá o tão esperado último capítulo de Sweet August e quarta-feira O capítulo 1 de uma Padackles para a Sonyama que também terá dois capítulos. Erros do passado só vou postar segunda-feira, dia 30.

Beijos a todos e um ótimo início de semana.