Prólogo

O monge parado no tempo

Um sino soou, fazendo alguns passarinhos alojados na torre saírem voando, assustados. O som se alastrou por toda a cidade, chamando a atenção das pessoas. Mais uma manhã em Prontera.

Aos poucos, a Catedral foi acordando a cidade ao som daquela mesma badalada. Em seu interior, sacerdotes passavam apressados pelos corredores, batendo nas portas.

- Hora de levantar! Todos de pé imediatamente! - gritavam, chamando a atenção dos internos.

Aos poucos, em andares diferentes, vários alunos foram levantando. Meninos, meninas, crianças, adultos. Noviços, sacerdotes e monges. Era o começo de mais um dia letivo, de mais um treinamento. Mais orações, mais estudo, nada fora daquele velho cotidiano.

Porém, em um certo quarto no quinto andar da igreja, um dos rapazes não levantou. Apenas se revirou na cama, virando de barriga pra cima, encarando o teto. Passou a mão pelo rosto, sonolento, enquanto observava os colegas irem separando coisas nos armários e marchando até o banheiro coletivo.

Ninguém se preocupou com o preguiçoso. Todos continuaram a fazer seus afazeres, enquanto ele ia se espreguiçando devagarinho. Depois de alguns minutos deitado, pulou da cama, ajoelhando ao lado dela e fazendo uma oração.

Quando os outros garotos já estavam terminando de tomar banho, ele tirou a roupa, atirando-a por cima da cama mesmo. Pegou uma toalha limpa perto do armário, assim como o uniforme. Escovou os dentes, tomou um banho rápido e se enxugou, parando de novo na frente do espelho.

Ele passou alguns segundos observando cada detalhe do corpo. Apesar de ser meio relaxado, estava sempre bem arrumado para quem o via. Não tinha nada de muito diferente; apenas algumas cicatrizes de leve no torso bem definido à custa de horas e horas de treino. A mais séria era um arranhão perto do ombro esquerdo, que ganhara em uma luta há dois dias.

Esfregou os cabelos castanhos, tirando a umidade excessiva. A mão doía um pouco, provavelmente culpa de um soco muito forte dado em alguém, nada que merecesse preocupação. Os olhos, verdes e profundos, estavam meio avermelhados, comum de quem tinha acabado de acordar. Na verdade, não parecia ter dezenove anos. Seu jeito tranqüilo e sua aparência lhe davam no máximo dezesseis. Era bem bonito, apesar de não concordar muito com isso.

Voltou para a cama. Vestiu o uniforme de monge, dando um sorriso ao amarrar a faixa na cintura. Era seu maior orgulho poder usar aquela roupa. Acabou se arrumando mais rápido do que quem tinha acordado mais cedo. Jogou o pijama no cesto de roupa suja e se alongou novamente, olhando para o céu pela janela aberta sobre a cama. O sol mal estava nascendo; era muito cedo.

Por fim, pegou a mochila embaixo da cama. Checou os livros que estava levando, abriu o armário, separou mais dois ("Magias de apoio – Tudo que você sempre quis saber" e "Noções de Balística") e, depois de mais uma breve oração, saiu do quarto.

Era assim toda manhã. Dali, ele seguiria para a sala, onde guardaria a mochila em um armário. Em seguida, desceria para o primeiro andar, onde tomaria café com os outros e assistiria à missa. Ajudaria no oratório, ficaria à disposição de sua supervisora e faria qualquer coisa que fosse mandado até as 11:30, quando subiria para assistir aula ou treinar. Pararia pro almoço às 1:30, e retomaria as aulas até as cinco, quando iria assistir à ultima missa, jantar, tomar um banho, ler um livro e dormir.

Essa era a rotina de Xavier Light. Fazia isso todos os dias, desde que se formara monge aos dezesseis. E nesses quatro anos, não havia acontecido praticamente nada de novo, assim como não esperava que nada fosse mudar. A única coisa diferente naqueles dias era o que comia, que livros lia, a hora em que ia dormir. E mais nada.

Porém, como tinha de acontecer, um dia as coisas começaram a mudar...