A senhora Olga Reimann morava no 4° andar de um prédio em Berlim. Ela e o marido, já idosos, não dispunham de muito dinheiro e seu apartamento não ficava no lugar mais respeitável que Olga poderia desejar. Ainda assim ela fazia questão de mantê-lo na mais perfeita ordem. Nunca havia pó nos moveis, quadros tortos ou qualquer livro fora do lugar. A obsessão de Olga, no entanto, muitas vezes ultrapassava os limites de sua própria sala e se estendia aos corredores do edifício. Nessas ocasiões, era o morador do apartamento de baixo o alvo de sua indignação. Ele era o homem que sujava os corredores com suas botas mal-cuidadas, saía de casa desleixado e voltava ainda pior, esbanjava sua falta de modos por aí.

No fim de uma manhã de outono a senhora Olga passava pelo 3° andar carregando uma sacola da mercearia, como de costume. O ruído de vidro se espatifando no chão a fez sobressaltar-se, e ela olhou mal-humorada para a porta do homem rude e grosseiro que sempre a incomodava. Obviamente era de dentro daquele apartamento que vinha o barulho. Ela murmurou uma expressão de descontentamento e voltou ao seu caminho.

No interior do apartamento, porém, o homem dava pouca importância aos cacos espalhados pelo chão, e menos ainda à opinião da senhora que agora subia as escadas para o andar superior. Ele olhou a bagunça no chão, coçou o queixo com a barba por fazer e decidiu arrumar aquilo mais tarde. Pelo menos não havia mais whisky na garrafa quando ela caíra.

Passando por cima do vidro, ele puxou um cigarro do bolso e o colocou na boca, acendendo quando alcançou a janela. Inspirou com prazer e após alguns instantes exalou a fumaça calmamente. Então abriu a cortina e olhou a rua lá embaixo.

Lá estava ela. Caminhando com pressa pela calçada, a garota de cabelos dourados. Ela sempre carregava algum objeto nos braços, e hoje não era diferente: levava um quadro. Havia quase um mês desde que o homem a havia notado e começado a observá-la. Ele podia vê-la passando com passos rápidos quase todos os dias.

Subitamente a porta à suas costas se abriu e ele virou-se em sua direção.

- Sabe, não me surpreende você estar trancado aqui a essa hora com quase tudo no escuro. – disse o homenzinho que entrava na sala. Suas roupas denunciavam o fato de que pertencia à igreja.

O frade fechou a porta com o pé e depositou a sacola que carregava em cima da mesa. O outro, ainda parado ao lado da janela, deu um suspiro de frustração e voltou sua atenção para a rua, novamente. A garota, no entanto, já havia atravessado a ponte mais a frente e desaparecera de vista. Carl sempre tinha de fazer algo errado...

- Você precisa sair mais, meu amigo, e não para aqueles lugares que você freqüenta. Poderia dar umas voltas no parque. – sugeriu Carl. Em seguida ele avistou a garrafa quebrada no chão e suspirou. – Já faz quase dois anos... Você não se cansa? Eu digo, de viver assim?

Não, ele não se cansava. Essa era sua vida. Essa era a vida de Gabriel Van Helsing.