Nota da autora: Glee não me pertence e os seus personagens também não (infelizmente), eles pertencem a titia Ryan Murphy e a FOX (snif snif). Os textos em bold são flashbacks e em itálico são pensamentos.
Essa é minha primeira fanfic Faberry, então espero que não tenha me saído tão mal assim. Perdoem-me pelos erros e comentários são sempre bem vindos. Boa leitura :)
Parte I
Eu ouvi tiros, vi corpos empilhados no chão e sangue escorrendo pelas minhas mãos antes de abrir os olhos assustada. Meu primeiro reflexo foi procurar meu rifle pendurado no meu ombro esquerdo, mas suspirei aliviada por não o ter encontrado. No lugar do rifle estava meu pequeno saco com os poucos pertences que possuía, me agarrei mais à ele e pisquei algumas vezes para me livrar do embaçamento nos olhos e poder observar melhor naquela escuridão.
O caminhão sacolejava violentamente e o frio me causava arrepios embora estivesse usando duas camadas de roupa e um casaco com a bandeira americana estampada em meu peito esquerdo. Eu sentia meu ferimento nas costas arder e embora a enfermeira Beiste tivesse feito um curativo ainda sentia muitas dores e principalmente muito desconforto. Perdi a conta de quantas horas já estava sentada na mesma posição dentro do pequeno camião encolhida com mais outras doze mulheres. Passei os olhos rapidamente pelo lugar, não conseguindo realmente ver qualquer coisa devido a escuridão que imperava. Estiquei uma mão e levantei a napa que cobria a carroceria do camião e observei o céu cheio de estrelas antes de ele começar a clarear.
Suspirei e voltei a fechar a napa silenciosamente. Fazia um bom tempo que eu não via o sol nascer sem me preocupar se estaria viva ou não para ver o próximo nascer do sol.
Não fechei mais meus olhos pelo restante da noite. Eu sabia que se o fizesse estaria arriscando acordar sobressaltada e assustada por causa dos pesadelos que atormentavam meu sono.
"Não dorme?" Ouvi uma das mulheres sussurrar para mim. Embora eu não a estivesse vendo por causa da escuridão me virei para onde achava que ela estava.
"Estou sem sono." Foi a minha resposta curta.
"Porquê? Não está feliz? Está voltando para casa agora." Ela continuou sussurrando. Eu não estava realmente com humor para iniciar uma conversa no momento, só queria ficar em paz e de preferência em silêncio, mas alguma coisa naquela mulher me fez continuar sussurrando para ela.
"Não é isso…" Suspirei pesadamente e senti uma pontada de dor. "Só estou… cansada."
"Eu também estou cansada. Acho que estou com saudades de casa." Ela respondeu e senti ela se aproximando mais de mim, colando seu ombro direito no meu esquerdo. "Faz dois anos que não vejo minha mãe e meu noivo Jack. Estou morrendo de saudades deles, não via a hora dessa maldita guerra acabar para poder voltar para casa. Ok, ela não acabou totalmente, mas pelo menos nós estamos voltando para casa."
Eu enrijeci no momento em que ouvi aquela palavra.
Casa.
Ela não notou ou não quis notar o meu desagrado, realmente não sei se ela estava prestando atenção em mim enquanto falava. Assustei-me quando senti sua respiração quente bater no meu pescoço, um pouco abaixo da minha orelha esquerda.
"E você? Não sente saudades de casa?"
Eu fechei os olhos e mordi o lábio inferior. Minha mão foi para o pequeno pingente em forma de uma borboleta pendurado no meu pescoço e o apertei fortemente antes de engolir o choro.
"Eu não tenho mais uma."
"Oh."
Ela afastou-se um pouco de mim e pareceu refletir por uns instantes, fazendo com que só o ronco do motor velho fosse ouvido. Quando eu estava prestes a desistir e arriscando a fechar os olhos por apenas um instante, a senti se aproximar de novo contra o meu pescoço.
"Qual é o seu nome?"
"Fabray. Soldado da nona divisão, Quinn Fabray." Respondi um pouco mais controlada.
"Prazer, Quinn. Eu sou Marley, Soldado da décima sétima divisão." Senti ela apertar de leve meu braço e poderia jurar que a vi sorrir no meio daquela escuridão.
Não sei dizer exatamente quanto tempo permanecemos sentadas e viajando sem grandes paragens. Descobri em Marley uma companhia agradável para matar o tempo e para camuflar as dores que eu sentia por estar sentada na mesma posição por horas.
"Onde estamos agora?" Marley perguntou tentando levantar a napa.
"Não sei, mas acho que estamos perto de Bridgeport." Respondi inclinando a cabeça para trás e a apoiando na chaparia. "Acho que ficarei por lá."
"Por que vai ficar em Connecticut? Conhece alguém por lá?"
Eu sorri ao perceber a curiosidade em sua voz. "Não, não conheço. Mas é o lugar mais perto de Ohio que vamos parar e eu preciso ir para Lima, minha mãe morava lá. E eu também... antes de ser convocada."
"Está bem então. Te desejo sorte para encontrá-la."
"Obrigada." Agradeci sinceramente embora eu soubesse que não a encontraria nunca mais. "E você?"
"Hmm… eu ficarei em Delaware. Quanto tempo dura sua licença?"
"São quatro meses, mas se tudo correr bem… espero que isso tudo acabe logo e eu não tenha mais que voltar para lá." Engoli em seco ao me lembrar dos campos de batalha em que estive. "E você? Vai voltar ou…"
"Minha licença é de três meses, mas eu também espero que essa guerra acabe antes de minha licença acabar. E quem sabe um dia possamos nos encontrar de novo Quinn. Gostei de conhecer você."
"Eu também."
No dia seguinte eu descia do caminhão em Stratford, uma pequena vila em Bridgeport, com meu pequeno saco pendurado nas costas e ainda vestindo o uniforme do exército americano. Não demorei para encontrar a estação ferroviária e comprar um bilhete para Lima com o pouco dinheiro que me fora dado assim que sai do acampamento secreto em Eichewalde, uma cidadezinha que ficava aproximadamente há 23 km de distância de Berlim na Alemanha. Assim que obtive meu bilhete procurei o trem que me levaria até Lima e me acomodei no lugar indicado no bilhete. Eu estava cansada e queria somente uma boa cama macia e limpinha para me deitar, mas temia que não conseguiria desfrutar da cama por um bom tempo por causa dos pesadelos.
Quando você está numa guerra, você vê coisas que nunca desejaria ver em toda sua vida. Você aprende a dar valor à vida e aprende a viver seus minutos como se eles fossem os últimos, a saber se preparar para encarar a morte a qualquer hora do dia por mais que você queira escapar. E então se não for você serão seus companheiros e amigos. Você os verá perecerem em seus braços sem poder fazer nada a não ser estar ali segurando suas mãos e ouvindo seus últimos pedidos. Como eu fiz. E eles foram tantos. Wilde, Jones, Zizes, Lopez…
Abri os olhos assustada quando senti uma mão me sacudir pelos ombros. O sol entrava pelas janelas indicando que já era dia. Dormi a noite inteira. E os pesadelos continuavam lá.
"Ei garota, não vai descer?"
"Huh? Já chegamos?" Murmurei atordoada olhando para o senhor que provavelmente deveria ser o maquinista, ele possuía muitos fios de cabelo branco e arriscaria dizer que me encarava aborrecido.
"Há meia hora atrás, garota. Eu preciso que você saia, os próximos passageiros já estão chegando e se quiser voltar para Bridgeport é só comprar a passagem de volta." Apontou para a bilheteria na ferroviária.
Eu me desculpei e agradeci cordialmente, peguei no meu saco e pendurei-o nas costas. Saí do trem. Senti um pouco de desconforto por causa do ferimento que me ardia nas costas, mas apertei os dentes e resolvi ignorar a dor. Ao descer os poucos degraus do trem senti a brisa da manhã bater no meu rosto e respirei fundo, segurando mais uma vez a vontade de chorar por poder desfrutar de um momento de paz como aquele sem escutar tiros, gritos, ordens, explosões… mortes.
Não sabia se ainda me recordava do caminho de casa. Mas acho que nunca poderia esquecer se passei minha infância e quase metade da minha juventude naquele lugar. Eu caminhava na ferrovia no meio das pessoas, algumas partindo e outras, como eu, chegando. Algumas delas recebendo seus familiares, maridos, filhos, filhas, esposos, esposas… outros simplesmente se despedindo com olhares, abraços e lágrimas numa muda promessa de que voltariam.
Mas às vezes nem sempre podemos cumprir tudo o que prometemos.
Parei em frente a uma casa branca e amarela, as típicas casas das famílias americanas. O quintal não era muito grande, mas possuía um generoso espaço coberto de grama. Um balanço pequenino rangia pendurado entre duas árvores velhas e frondosas das quais eu me recordava perfeitamente. As lembranças do dia em que meu pai montou o baloiço se fizeram presentes. Eu me recordava perfeitamente. Fechei os olhos e a cena apareceu nitidamente na minha mente.
Era época de natal. Eu corria pela grama no meu vestidinho amarelo de domingo, aquele que sempre usava para ir à missa com meus pais. Minha irmã mais velha abanava a cabeça enquanto minha mãe Judy gritava a plenos pulmões para que eu parasse de correr ou sujaria o vestido. Lembro que estava ansiosa para poder andar no balanço que meu pai havia prometido montar como presente de natal para mim e para Frannie. Assim que ele anunciou que havia acabado de montar o balanço eu corri para ele e o abracei. Ele depois me colocou sobre o assento e foi me empurrando devagar. Minha mãe chamou-o para falar alguma coisa e ele se afastou de mim, foi quando comecei a ganhar impulso e sem querer minhas mãos escorregaram do apoio e eu fui projetada para frente com toda a velocidade e caí no chão imediatamente gritando de dor. Meus pais vieram correndo ao meu encontro e minha mãe quase enfartou quando viu o sangue escorrendo pela minha testa. Quebrei o braço esquerdo, levei cinco pontos na testa e minha mãe me proibiu de balançar por pelo menos dois meses até que eu melhorasse dos ferimentos.
Abri os olhos lentamente e me dei conta de que tudo não havia passado de lembranças. Olhei perdida pelo lugar e me apercebi de um jardim muito bonito que emoldurava a fachada da casa e as misturas das cores das flores prenderam a minha atenção por um breve momento. Mas não foram somente elas que prenderam a minha atenção. O que mais me chamou atenção foi o fato de que elas estavam vivas e como pareciam estar bem cuidadas e aparadas. Estranhei o fato, pois eu sabia que quem sempre cuidava do jardim de casa era a minha mãe. Esperava pelo menos encontrá-la vazia já que minha mãe não estava mais vivendo lá. Sete meses após ser convocada, ainda estava num acampamento em Lyon na França antes de partir para a Alemanha, recebi uma carta de uma vizinha e amiga de minha mãe informando que ela havia falecido.
O único motivo que me fazia ter vontade de continuar vivendo tinha se esvaído. Me perguntava então, para que continuar lutando? Para que continuar lutando para viver se já não tinha para onde voltar quando tudo acabasse? Enquanto os outros rezavam para se manterem vivos, para voltarem para suas famílias e seus amores, eu rezava para que uma bala me acertasse logo. Não me sentia digna de continuar viva se não tinha para onde voltar depois, não tinha onde me agarrar, somente nas lembranças do que um dia foi uma família feliz. Todos se foram e me abandonaram… Primeiro veio o acidente de carro e Frannie e meu pai se foram. Depois minha mãe com o infarto.
Foi muito para aguentar sozinha até conhecer uma latina extrovertida e alegre que ficou ao meu lado e me apoiou na minha dor e no espaço de mais ou menos três meses eu e Santana Lopez poderíamos nos considerar irmãs para a vida toda. Até que ela também se foi e me deixou completamente só outra vez.
Empertiguei-me melhor e abri a pequena portinhola branca de madeira. Aproximei-me da entrada e subi os pequenos degraus de madeira que levavam a pequena varanda. Parei em frente a porta de carvalho e dei três batidas seguidas. Senti uma pontada de dor e coloquei uma mão nas costas tentando aplacá-la.
Uma mulher ruiva abriu a porta.
"Bom dia." Ela disse.
"Bom dia." Eu respondi sem saber o que fazer. Quem era aquela mulher? "Umm… eu estou procurando a senhorita Holly Holliday."
"Oh. Ok. Miss Holliday não está mais vivendo aqui em Lima. Ela se mudou para Michigan." Ela me disse piscando exageradamente.
Eu fiquei confusa. Como assim, ela se mudou?
"Ela mudou?"
"Mudou. Não tem muito tempo, apenas alguns meses. Também sou nova aqui. Meu nome é Emma Pillsbury-Schuester."
"Eu sou Quinn." Estendi a mão educadamente. Eu a vi olhar para minha mão com uma careta, depois olhou para mim e sorriu como se não tivesse acabado de me deixar constrangida com a mão no ar.
"Ela é sua tia?"
"Uh? Quem?"
"Holly. É sua tia?"
"Uh… digamos que sim." Menti sentindo minhas bochechas esquentarem.
"Oh, ok. Eu e meu marido acabamos de nos mudar, somos recém-casados. Holly nos fez um bom preço pela casa e William não teve como recusar. Mas, me diga, não quer entrar um pouco?"
"Não, obrigada." Respondi sentindo seus olhos me avaliando dos pés à cabeça. Senti um desconforto, mas tentei logo disfarçar. "Ela vendeu a casa para você?"
"Vendeu."
"Mas…" era a casa da minha mãe, foi o que tive vontade de dizer, mas me controlei a tempo. "E você por acaso não tem o endereço dela?"
"Não, ela não disse exatamente em que parte de Michigan estaria."
Droga! Pensei frustrada. Não estava acreditando que ela fora capaz de vender a casa que era dos meus pais e por direito minha!
Na carta que eu havia recebido Holly havia dito que ficaria cuidando da casa até que eu voltasse para casa. Eu não tinha nenhum parente que vivesse perto para que tomasse conta da casa e não tive realmente muitas escolhas, portanto, concordei com a proposta dela. Pensei que ela quisesse realmente ajudar, mas Holly Holliday não passava de uma vigarista que se fez passar por amiga da minha mãe só para lhe roubar a casa.
"Tudo bem, obrigada. Adeus senhora Schuester." Disse conformada, virando as costas a mulher e não esperando uma resposta dela. Mas depois lembrei-me de algo e me virei antes que ela pudesse fechar a porta. "Senhora Schuester!? Posso perguntar só mais uma coisa?"
"Claro, o que quiser." Ela sorriu atenciosamente.
"O que ela lhe disse quando vendeu a casa para você? Quero dizer, a senhorita Holliday?"
"Umm… ela disse que estava com problemas de família e que iria se mudar. Disse também que uma amiga pediu para que ela vendesse a casa para ela e mostrou uma procuração em nome da amiga, se não estou em erro o nome da mulher era Judy. Judy…"
Senti meu coração acelerar ao ouvir o nome da minha mãe.
"Fabray? Judy Fabray?"
"Sim, sim, era esse o nome dela, eu me lembro agora. Judy Fabray. Mas por que a pergunta?" Ela franziu a testa.
"Por nada. Curiosidade… eu acho." Menti apertando a sacola nas costas. "Bem… agradeço então, senhora Schuester."
"De nada, Quinn. Volte mais vezes. Espero que encontre sua tia!" Ela acenou antes de fechar a porta de carvalho.
Abri a portinhola de madeira e saí do quintal. Sentei-me na calçada um pouco afastada da casa e fiquei lá sentada por vários minutos. Não tinha onde ficar, mais um problema para ser adicionado na minha lista extensa de problemas. Hey, pelo menos você ainda está viva e com todos os membros no lugar, pensei sarcasticamente.
As horas foram passando e eu continuava sentada olhando para minha ex-casa sem saber o que fazer e com muitas dúvidas na cabeça. Onde será que a senhorita Hollyday tinha arranjado uma procuração da minha mãe? Só poderia ser falsificada! Minha mãe nunca deixaria nossa casa nas mãos de uma pessoa estranha. Ela sabia que eu voltaria viva. Ela sempre me dizia que sim. Que tínhamos que acreditar antes para as coisas acontecerem.
Vi o sol se pôr com certo desespero. Não sabia para onde ir. Não tinha muito dinheiro e mal dava para comprar uma passagem de volta para Bridgeport, então, basicamente, eu não sabia o que fazer. Me sentia como uma prisioneira libertada da prisão muitos anos depois sem saber o que fazer ou mesmo para onde ir. Quatro anos fora de casa não eram pouca coisa, e embora parecesse pouco, as mudanças não foram poucas.
Quando senti o frio atingir meus ossos retirei um casaco caqui de dentro do meu saco e o vesti na esperança de que ele fosse me aquecer. Mas não demorou muito para que eu me apercebesse de que precisaria de um lugar para passar a noite e quem sabe pensar no que fazer no dia seguinte. Também estava com muita fome. Há quase dois dias não colocava nada no estômago. Retirei o pouco dinheiro que me restou e suspirei quando vi o quão pouco era. Levantei-me algum tempo depois e comecei a procurar por um restaurante nas redondezas, um que desse para comer algo com sete dólares e quarenta e cinco centavos. Depois de uns bons minutos andando na noite fria com minha sacola nas costas e sentindo frio, sede, fome e estando extremamente cansada, avistei um pequeno restaurante chamado Breadstix. Entrei e me sentei numa das mesas redondas e esperei que a garçonete viesse me trazer o menu. Assim que o abri encolhi-me ao ler os preços. Tudo o que deu para pagar foi um café e algumas torradas e mesmo assim achei a melhor refeição da minha vida. No exército não tomávamos café e muito menos davam-nos torradinhas quentes barradas com manteiga, apenas enlatados e tudo o que conseguíssemos meter nas nossas mochilas.
Pela primeira vez no dia olhei para um relógio, um que estava afixado na parede atrás do balcão e vi que já passavam das vinte e duas horas. Algumas horas depois o restaurante teve que fechar e eu me vi outra vez sem rumo. Num impulso, dirigi-me outra vez à ferroviária. Sabia que as ferroviárias ficavam sempre abertas pois sempre chegavam novos trens a cada instante. Dormi sentada e agarrada ao meu saco, encostada num dos pilares que sustentavam a estrutura da ferroviária.
Acordei ofegante e com o sol batendo diretamente na minha cara. Olhei em volta e me apercebi de que ainda estava na estação ferroviária de Lima e que tudo não havia passado de outro pesadelo. Quando quis me levantar, algumas moedas caíram do meu casaco que se encontrava no meu colo. Estranhei as moedas, pois tinha gasto tudo o que tinha no café e nas torradas na noite anterior. Apanhei as moedas e contei exatamente sete dólares. Franzi a testa confusa. Como é que aquelas moedas tinham ido parar no meu casaco?
Foi quando vi uma senhora rechonchuda passar ao meu lado e depositar uma moeda no meu casaco que permanecia no chão ao meu lado. Olhei para ela incrédula, mas ela não me ligou e continuou seu caminho. Lágrimas vieram aos meus olhos enquanto eu ainda olhava na direção que a senhora rechonchuda tinha desaparecido. Senti uma tristeza profunda tomar conta de mim e baixei a cabeça incapaz de fazer nada, me sentindo realmente inútil e sem nada. Não culpei as pessoas por acharem que eu estava mendigando moedas. Deixei-as colocar quantas quisessem. No final do dia recolhi todas as moedas e consegui juntar uns bons vinte e três dólares e dezoito centavos. Corri ao Breadstix e comi uma refeição de verdade. Guardei uma parte do dinheiro para o dia seguinte e assim uma semana se passou.
Eu me lavava e lavava as poucas roupas que tinha no banheiro da rodoviária. Rasgava alguns pedaços de uma camisa velha que tinha e limpava meu ferimento todos os dias, mas sempre sentia muita dor quando esticava o braço e as vezes não conseguia chegar no ferimento por causa das dores. Não era como tomar um banho de verdade, mas era o que eu tinha no momento. Quando estávamos em combate às vezes ficávamos dias sem uma gota de água para tomar um banho. Aquilo era a guerra, não havia tempo para se preocupar em tomar banho ou alguma coisa do gênero, quando dava nós nos lavávamos nos poucos rios que encontrávamos e só. Lá imperava o famoso ditado "matar para não morrer". Os mantimentos como medicamentos e alimentos eram os mais importantes, apenas vinham em segundo plano. O primeiro plano era nos mantermos vivos até o dia seguinte.
Acordei dolorida na segunda semana dormindo na ferroviária. Era uma terça-feira e o movimento na ferroviária era intenso. Não sabia o que estava acontecendo, mas notei que o lugar estava mais cheio que o normal. Eu planejava juntar mais um pouco de dinheiro e talvez ir para Nova Iorque tentar uma nova vida, ouvira dizer que a cidade no momento era a cidade das oportunidades e eu não poderia deixar passar uma oportunidade mesmo que não tivesse certeza se ela existia mesmo ou não. Como de costume fui me lavar no banheiro da ferroviária, voltei e me sentei no mesmo lugar que vinha dormindo há quase duas semanas. De repente ouvi gritarias. Vi as pessoas abrindo passagem para um furacãozinho loiro que corria desesperado e vi também uma pequena figura morena gritar que o rapaz roubara sua bolsa. Vi-o passar voando na minha frente e também vi a bolsa que ele segurava com tanta força na sua fuga atrapalhada. Não pensei duas vezes antes de me levantar e correr atrás dele com tudo o que eu tinha. O rapaz me deu trabalho, pois além de ser mais baixo que eu ele corria e se esquivava das pessoas como um raio, quase o perdi de vista. Ele corria em direção às portas de saída da ferroviária e eu corria atrás dele como uma louca. Na verdade não foi tão difícil apanhá-lo, como dizia Sue Sylvester "no exército ninguém anda, todo mundo corre" e no meio de uma guerra corria-se mais ainda, mas mesmo assim ele conseguiu me deixar cansada pelo esforço empreendido.
Num determinado momento caí em cima dele e rolamos pelo chão perto das portas. Num segundo eu já estava de pé e o segurava pela gola da camisa branca presa nas calças por um par de suspensórios marrons.
"Ei! O que está fazendo?" Ele gritou tentando se soltar das minhas mãos.
"Você sabia que pegar coisas que não lhe pertencem é errado?" Eu falei calmamente enquanto o pousava no chão e arrancava-lhe a bolsa das mãos.
"Você não é minha mãe!"
"Claro que não! E se fosse você estaria feito!"
"Me deixe ir!" Ele tentou correr, mas eu peguei-o pelo braço e não o deixei ir.
"Ei, espera aí. Como você se chama?"
"Por que quer saber meu nome?"
"Além de roubar mal você ainda é teimoso! Eu perguntei qual é o seu nome!" Eu disse rispidamente, sacudindo-o. Ele me olhou amedrontado.
"Meu nome é Sam. Pronto, eu já disse. Você pode me largar agora?"
"Por que estava roubando isso, Sam?" Mostrei-lhe a bolsa. Algumas pessoas pararam para assistir a cena e eu sinceramente estava dando a mínima para elas.
"Eu já disse que você não é minha mãe!"
"Fale garoto!"
"Ugh." Ele grunhiu irritado e revirou os olhos. Reparei na sua boca enorme e por um instante quis rir de sua pequena cara frustrada.
"Vai falar ou não? Se você falar por que eu te deixarei ir."
"Ok, ok. Eu estava roubando para comprar algo para minha irmã Britt e eu comermos. Não comemos nada desde ontem e nossa mãe desapareceu quando eu tinha seis anos, então eu é que tenho que cuidar dela. Tipo um chefe de família, entendeu? Satisfeita agora? Pode me deixar ir?"
"Isso é verdade?" Perguntei desconfiada.
"Por que eu mentiria para você?"
"Talvez para eu te deixar ir!?" Levantei uma sobrancelha e senti ele se encolher de novo.
"Bem, mas eu não estou."
Eu percorri o lugar rapidamente com o olhar e depois olhei para o garoto. Ele estava com a cabeça ligeiramente baixa e olhava amedrontado para as pessoas que se aproximavam de nós. Não deveria ter mais que onze anos.
Suspirei. "Ok, eu acredito em você. Aqui. Leve isso." Tirei algumas moedas do bolso e coloquei nas suas mãos. Ele me olhou desconfiado, mas assim que viu as moedas não pensou duas vezes antes de aceitá-las. "Leve essas moedas e compre algo para você e sua irmã comerem." Ele já as estava guardando no bolso da calça quando eu peguei seu pequeno braço. "Mas você vai ter que me prometer que não vai roubar outra vez, Sam."
"Ok, eu prometo." Ele sorriu largo. Eu o deixei ir e abanei a cabeça quando ele saiu correndo e desapareceu na multidão. Sabia que ele estava mentindo; o vi cruzando os dedos atrás das costas.
Voltei com a bolsa nas mãos, procurando a legítima dona que pelos gritos que deu deveria estar aflita e lamentando por sua perda. Eu procurava uma figura pequena e morena e se não estava em erro, de vestido branco com bolinhas verdes estampadas. Encontrei-a pouco tempo depois no meio de uma pequena rodinha de pessoas que procuravam saber o que estava se passando ali.
Assim que ela me viu segurando a bolsa correu ao meu encontro.
"Oh meu Deus, muito obrigada! Muito, muito obrigada." Ela se colocou na ponta dos pés e passou seus braços pelo meu pescoço. "Eu não sei como te agradecer, você não tem noção do que acabou de fazer. Obrigada. Deus! Todos meus documentos e todo meu dinheiro está aqui, eu não sei o que faria se aquele moleque sumisse com a minha bolsa, eu me distraí por um momento, um só segundo e o garoto apareceu sei lá de onde e arrancou a minha bolsa. Eu confesso que pensei em correr atrás dele, mas na hora que meu cérebro se apercebeu que eu deveria fazer isso ele já estava tão longe que…"
"Ei, se acalme. Respire fundo." Eu disse temendo que ela tivesse um colapso na minha frente. Ela parou e respirou tão fundo que eu temi que acabasse com todo o ar da ferroviária.
Ela me olhou constrangida e eu sorri levemente.
"Me desculpe. Quando eu fico nervosa às vezes falo sem parar e não consigo me controlar."
"Sem problemas."
"Okay. Mas obrigada mais uma vez por ter recuperado minha bolsa."
"Não foi nada. Só espero que suas coisas estejam todas aí."
Ela me olhou preocupada e revirou a bolsa por alguns minutos antes de voltar a olhar para mim sorrindo.
"Está tudo aqui, obrigada."
Notei que ela estava sem jeito e não olhava diretamente para mim.
"Bom… então está tudo certo, certo?"
"Uh… eu quis dizer, sim, está tudo certo. Obrigada mais uma vez."
Eu abanei a cabeça e dei a ela as costas.
"Eu sou Rachel."
"Como?" Me virei para ela outra vez. Eu acho que deveria estar toda descabelada e com a cara e as roupas amassadas pelo sorriso debochado que ela deu.
"Eu disse que meu nome é Rachel."
"Uhm, ok."
"Hmm… acho que agora é a parte que você diz que é um prazer me conhecer e me fala qual é o seu nome também, você não acha?"
Eu corei com o comentário dela. "Certo, então… eu sou Quinn."
"Prazer em te conhecer Quinn, embora as circunstâncias não sejam muito boas e favoráveis para a nossa apresentação." Ela estendeu a mão a qual eu apertei brevemente e depois soltei.
Ela era pequenina, muito macia e quente, assim como uma chávena de chocolate quente num dia frio e cinzento.
Ok, cérebro. De onde eu havia tirado isso?
"Bom, então… eu acho que devo ir. Obrigada mais uma vez Quinn." Ela me piscou antes de ir e deu um beijinho estalado na minha bochecha pálida.
Eu fiquei olhando-a desaparecer e me sentei no degrau de concreto, me encostei num dos pilares ajeitando meus cabelos loiros até aos ombros atrás das orelhas. Toquei por impulso com as pontas dos dedos o lugar onde ela havia me beijado e senti o lugar quente. Respirei fundo me levantando e resolvi ir ao Breadstix tomar o café da manhã com as poucas moedas que me restaram nos bolsos.
